Justa Causa. Situações que Merecem Tratamento Especial

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas299-310

Page 299

1. Generalidades

Destacamos neste capítulo algumas situações que merecem uma análise mais pormenorizada no que diz respeito ajusta causa, embora na prática elas estejam implícitas no rol do art. 482 da CLT, dependendo apenas do respectivo enquadramento a uma das alíneas daquele mencionado artigo. São os casos dos empregados ocupantes do cargo de confiança e do monito-ramento eletrônico (internet, e-mail corporativo e o e-mail particular) e restrição à privacidade do empregado e, finalmente, do atleta profissional de futebol (Lei n. 9.615, de 24.3.1998).

2. A justa causa e o empregado exercente da função de confiança Art. 62, II, da CLT. Pelo art. 62, Item II, os empregados exercentes da função de confiança não são abrangidos pelo capítulo II, da CLT, que trata da duração do trabalho

"Os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial (item II) e será aplicado quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento) - parágrafo único, do mesmo artigo" (item II e parágrafo único do art. 62 da CLT).

Observa-se, assim, pelos dispositivos citados que o legislador pátrio conferiu aos empregados exercentes de cargos de confiança um tratamento diferenciado para excluí-los de alguns direitos trabalhistas, justamente por classificá-los numa camada de empregados que são detentores de uma regalia funcional, aliada a uma maior responsabilidade para o desempenho do cargo e para isso possuem uma remuneração bem acima dos padrões normais conferidos aos demais empregados da empresa.

Os atos por ele praticados devem ser vistos com outros olhos pelo empregador, em face da fidúcia nele depositado. Quanto mais alto for o cargo ocupado pelo empregado, mais se realça a necessidade de uma confiança especial para a manutenção do pacto laborai. A perda da confiança seria, a rigor, a quebra do vínculo laborai.

Page 300

Com base nessa afirmação, há quem sustente que, em relação à prática de jogo de azar, que é uma das causas que possibilita a rescisão do contrato por justa causa, a teor do art. 482,1, da CLT, o "rigor na apreciação da falta praticada deverá ser maior do que quando a mesma falta é praticada por um empregado menos qualificado". É o que pensa Domingos Sávio Zainaghi365 e, com muita razão, porque, a confiança depositada no empregado obriga a que ele tenha uma conduta mais compatível com os padrões normais de que se exige de uma pessoa, o que não se sucederia se o trabalhador desbancar para uma jogatina de forma desmesurada.

A verdade é que o empregado de confiança tem parcela de responsabilidade nos destinos do empreendimento não só por ser conhecedor dos segredos e das estratégias comerciais, mas por possuir os poderes de mando e disciplinar. Dele são exigidas iniciativa, ação e perspicácia no trato dos interesses da empresa, daí porque na configuração da justa causa a falta deve ser suficientemente grave a ponto de impedir a continuidade do vínculo empregaticio. Aliás, Wagner D. Giglio, diz com propriedade que "em princípio, quanto mais elevada for a posição hierárquica do infrator, tanto mais grave será considerada a infração, pois às regalias e aos privilégios inerentes à sua condição correspondem o dever de um comportamento exemplar, do ponto de vista da disciplina: como poderia impô-la a seus subordinados, se ele mesmo a desrespeita? E assim é porque a repercussão na ordem e na produtividade da empresa é muito maior, quando a infração de normas disciplinares parte de um superior hierárquico"366.

Afirmam também J. F. Almeida Policarpo e António Monteiro Fernandes, autores portugueses que "A circunstância de um empregado se situar no escalão superior da empresa e desenvolver a sua atividade em estreito contato com o chefe da mesma pode, conforme o caso, determinar o agravamento ou a atenuação das consequências do fato invocado como justa causa. Haverá, por hipótese, maior gravidade nas condutas violadoras da confiança e na fidelidade, mas menor relevo nas faltas de assiduidade"367.

É oportuna também a lição de Evaristo Moraes Filho que a respeito diz que "Um dos fundamentos da existência da justa causa para a resilição do contrato de trabalho é que ela traz em si ou acarreta lesão de confiança, presente em todo o contrato de trabalho, intuitu personae quanto ao empregado, que deve executá-lo pessoalmente, pelo conjunto de suas qualidades morais e qualificações profissionais"368

Conclui-se, assim, que as circunstâncias da falta poderão ter uma intensidade maior se o empregado for exercente da função de confiança, podendo até ser perdoado em relação ao empregado comum, pelo simples fato de que a conduta do primeiro, além de normal e honesta, deve "ser pura, perfeita, intocável, sem o menor vislumbre de mácula de qualquer espécie", como salienta Evaristo Moraes Filho, na mencionada obra369.

Page 301

3. Justa causa e a utilização do e-mail e de outros meios informáticos Restrição à privacidade do empregado

A dignidade da pessoa humana, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas são direitos previstos na Carta Magna (arts. Ia, III e 5a, X), e na sua violação assegura ao lesado, o direito a indenização por dano material e moral. Esses direitos, no entanto, têm sido confrontados em face da utilização pelos empregados dos meios tecnológicos de transmissões e recepções de informações pela internet ou de outros meios informáticos.

Aliás, nesse sentido afirmam Sandra Geara Cardoso e Peterson Zancanellla que "A internet, em virtude das facilidades que proporciona, é considerada como a maior rede mundial de conexão e revolucionou os modos de produção e de informação, ao mesmo tempo em que compeliu o homem em direção à busca de maior eficiência, na sua utilização, c inseriu avaliações para verificar o uso da rede, no dia a dia, relacionada à questão de segurança e de privacidade"370.

A verdade, é que a internet, intranet e extranet, as duas últimas são redes que auxiliam as empresas e que complementam os avanços nesse campo, o que mostra que na atualidade é muito difícil de conviver sem elas, mas que ao mesmo tempo necessita de controle do empregador, quer quanto a sua utilização, quer quanto a otimização dos seus custos.

Uma das questões mais discutidas na seara trabalhista é o direito da interferência do empregador nos e-mails dos seus empregados em função da possibilidade de ofensa ao direito de privacidade que constitui um direito fundamental pela nossa Carta Magna, conforme já visto.

Por outro lado, ainda não se chegou a um consenso sobre o limite conferido ao empre-gador no controle sobre a internet e sua ramificação no mundo do trabalho. Via de regra, o uso na empresa dos meios tecnológicos (internet e seus acessórios) se destinam estritamente às atividades produtivas, até por que o empregado em serviço tem o seu tempo à disposição do empregador. Ao empregador, cabe fornecer as ferramentas necessárias para a execução dos serviços, como também de fiscalizar o seu uso já que os riscos do empreendimento são seus em todos os sentidos: económicos, sociais e penais.

A bem da verdade, conforme assinalam Sandra Geara Cardoso e Peterson Zancanellla "há empregadores que permitem o uso da internet pelo empregado para assuntos particulares, de forma não ser lícito que, contraditoriamente, passem a verificar os acessos realizados, desde que, evidentemente, não prejudiquem a atividade económica. Nesse particular, parece muito ténue o limite do lícito para o ilícito, só podendo ser identificado na apreciação da controvérsia propriamente dita"371.

Entretanto, a existência do mau uso desses instrumentais pelos empregados tem acontecido na prática, sendo mais frequentes as sessões de navegação pela internet em virtude das atrações que ela oferece aos seus usuários nos mais variados ramos do conhecimento humano e, também, pelas informações que são transmitidas com muito mais rapidez do que a de outros

Page 302

meios de comunicações. Além do mais, muitos sites disponibilizam informações sobre sexo. pornografia, esportes, baixa de download, contendo músicas, jogos e outros atrativos, os quais acabam motivando os empregados na sua utilização.

Existem também o e-mail corporativo e o e-mail particular. "O primeiro é aquele que se constitui em ferramenta de trabalho, entregue pelo empregador exclusivamente para o trabalho" enquanto o segundo "possui um caráter muito mais íntimo e totalmente garantido pelo texto constitucional"372.

A utilização desses meios de comunicação, no caso o e-mail corporativo e o e-mail particular, nas relações de trabalho é uma realidade vivenciada nos nossos dias com reflexos no ambiente de trabalho, a ponto de existirem várias demandas trabalhistas sobre o mau uso pelo empregado, algumas delas culminando com a ruptura do contrato de trabalho por justa causa. Também existem ações dos trabalhadores alegando invasão de sua privacidade pelo empregador, em virtude do monitoramento das suas atividades. Nesse caso, o pedido de rescisão indireta vem sempre acompanhado de pleito de indenização por dano moral.

Adverte, no entanto, Marco Aurélio Aguiar Barreto que "o monitoramento sem conhecimento e, sobretudo sem o consentimento que normalmente é colhido mediante assinatura de termo de uso e responsabilidade sobre acesso aos sistemas informatizados da empresa pode caracterizar ilicitude como previsto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT