Negociação Habitual por Conta Própria ou Alheia Sem Permissão do Empregador e quando Constituir Ato de Concorrência à Empresa para a qual Trabalha o Empregado, ou for Prejudicial ao Serviço (Art. 482, c, da CLT)

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas157-169

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1. Conceito

A Lei n. 62, de 5.6.35, anterior à CLT, dispunha no seu art. 5a, alínea b, como justa causa para a despedida do empregado "a negociação habitual por conta própria ou alheia, sem permissão do empregador". Nesse contexto, bastava a existência da negociação habitual pelo empregado, por conta própria ou alheia e a ausência de autorização do empregador para a caracterização da justa causa.

Por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n. 5.452, de Ia de maio de 43), houve modificação na redação dessa justa causa para considerá-la como tal na ocorrência de "negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço".

Por essa razão, o próprio texto da alínea c do art. 482 da CLT já nos dá o respectivo conceito dessa justa causa, cabendo apenas o registro de que o sentido da negociação emprestada ao citado dispositivo legal abrange todos os atos de comércio em que a participação do empregado é inerente, até porque para ele se direcionou o legislador. Nesse sentido, o posicionamento de Wagner Giglio ao dizer que "entende-se hoje que 'negociação' significa mais do que simples ato de comércio, para abranger todas as atividades do empregado, que sejam industriais, comerciais, rurais, de transporte etc."158.

Isso faz com que encontremos na doutrina conceito mais sintético sobre essa falta grave, como as de Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadro Pessoa Cavalcante para quem "negociação habitual ocorre quando o empregado realiza atos de comércio, sem permissão do empregador e de forma habitual"159.

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2. Requisitos configuradores

Os requisitos configuradores da justa causa prevista na alínea "c" do art. 482 são:

  1. negociação habitual ou concorrência desleal por conta própria ou alheia;

  2. não permissão do empregador; d) prejuízo ao serviço.

  3. Negociação habitual ou concorrência desleal por conta própria ou alheia. No direito do trabalho brasileiro não há nenhum impedimento de o trabalhador ter mais de um emprego, desde que não haja incompatibilidade de horário. É uma garantia constitucional expressada no inciso III do art. 5a da Carta Magna que dispõe: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". Assim, nada obsta que o empregado tenha outra atividade, em horário diverso, admitindo até que seja na mesma atividade do seu empregador, o que é normal em algumas atividades, como a do médico, dentista etc. O que não pode é com a sua atividade fora do serviço praticar atos de concorrência contra o seu empregador, como ocorre quando há desvio de clientela pela ação do empregado. Daí porque a expressão negociação habitual deve ser entendida na acepção do termo e executada de forma prejudicial ao empregador. Assim o é quando o empregado tira proveito da situação de forma sistemática, ou seja, procurando arregimentar os clientes do empregador e com isso causando-lhe prejuízo.

    Os ensinamentos de Valentim Carrion evidenciam esse quadro ao dizer: "Negociação habitual (c). Qualquer atividade, mesmo alheia ao comércio (LACERDA, Dorval ob. cit.). Exige-se habitualidade, não havendo necessidade de coincidência com os pressupostos do crime de concorrência desleal (Código da Propriedade Industrial, art. 195, X). Como o empregado é livre de trabalhar para mais de um empregador, é necessário que haja uma concorrência efetiva, que possa diminuir os lucros deste, mesmo em potência (MARANHÃO, ob. cit), podendo, por outro lado, haver prejuízo ao serviço sem concorrência (LTr 35/192, Emílio Gonçalves)160.

    Essa falta está muito ligada à violação do dever de fidelidade do empregado para com o seu empregador, do princípio da boa-fé161 e da função social que devem imperar em todo contrato de trabalho, pois na quebra desses elementos haverá fortes razão para a rescisão unilateral do pacto laborai, sem ónus para o empregador.

    No Direito Português, os deveres acessórios de lealdade são tratados no art. 128, \,f, do Código do Trabalho de 2009 vigente (Lei n. 7/2009, fevereiro), dispondo que são deveres do trabalhador "guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios".

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    Comentando o art. 128, \,f, do Código Português, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão afirma que:

    [...] entre os deveres acessórios de lealdade, a lei indica exemplificativamente os deveres de sigilo e de não concorrência, mas os deveres de lealdade são bastante mais amplos do que este. Efectivamente, por força do princípio da boa-fé (art. 126, n. 1), e do intuitu personae que caracteriza o contrato de trabalho, deve entender-se que ele institui uma relação de confiança entre as partes, que tem que ser mantida pelo trabalhador através do dever de lealdade. O conteúdo deste dever será tanto mais intenso, quanto maior for a posição hierárquica do trabalhador na empresa.

    Concretizando o dever de lealdade, a lei estabelece um dever de sigilo que recai sobre o trabalhador, implicando a proibição de divulgar informações referentes à organização do empregador, métodos de produção ou negócios. É assim vedada ao trabalhador a divulgação de quaisquer informações relacionadas com a esfera empresarial, que o empregador, com base num legítimo interesse económico, queira ver reservadas. Entre estas inclui-se o know-how técnico, as listas de clientes e de preços, os fornecedores, o balanço e inventário, a situação financeira da empresa e quaisquer outras informações reservadas.

    Outra concretização do dever acessório de lealdade corresponde à proibição de concorrência, sendo vedado ao trabalhador negociar por conta própria ou alheia em concorrência com o empregador. O fundamento da proibição de concorrência é o facto de a mesma potenciar o desvio da clientela do empregador, que o trabalhador poderia obter, aproveitando-se da especial posição que possuía pelo facto de trabalhar junto do empregador e conhecer os seus clientes e os seus métodos de produção. Consequentemente, a realização de negócios pelo trabalhador no mesmo âmbito em que se exerce a actividade empresarial, seja por conta própria ou alheia, apenas pode ser realizada com o consentimento do empregador, o qual pode ser concedido expressa ou tacitamente. Não sendo concedido esse consentimento, a realização de actividade concorrente pelo trabalhador constitui uma violação grosseira do contrato de trabalho, que lesa gravemente a confiança do empregador no trabalhador.

    Só é, no entanto, proibida a realização de actividade concorrente, não sendo vedado o pluriemprego ao trabalhador, salvo se tiver sido estabelecida a obrigação de exclusividade.162

    O dever de fidelidade ou de lealdade nas relações de trabalho é realçado por Luis Alberto Gonçalves Gomes Coelho, ao afirmar que "dever de lealdade decorre da própria essência do contrato de trabalho, sendo reflexo máximo do princípio da boa-fé inerente à execução de todo o contrato"163.

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    Acrescenta ainda Gomes Coelho que "a obrigação de lealdade consiste no dever de o empregado abster-se, a no desempenho de suas atividades no ambiente da empresa, seja fora dela, de praticar atos que venham ou possam vir a prejudicá-la, ou seja, não deve de tratar de negócios, por conta própria ou de terceiros, em concorrência com seu empregador, nem divulgar notícias ou informações relativas à organização e aos métodos de produção da empresa, ou ainda, fazer uso delas prejudicando a empresa. A lealdade é item essencial na contratação do trabalho subordinado e está vinculada à própria vontade do empregado, considerando que, ao se obrigar a colaborar e prestar serviços em prol de determinada empresa, não lhe é permitido agir contra esta, fazendo-lhe concorrência ou ainda valendo-se de informações e conhecimentos conseguidos em virtude de sua própria participação no dia a dia da empresa"164.

    No Brasil, já há um projeto de lei (PL n. 2.822/03) que visa à inclusão do princípio da boa-fé nas relações de trabalho ao enunciar que "é dever das partes proceder com probidade e boa-fé, visando ao progresso social do empregado e à consecução dos fins da empresa, em um ambiente de cooperação e harmonia". Entretanto, esse projeto não saiu do papel, destacando-se, no entanto, que houve um avanço no campo processual, conforme se verifica pelos termos dos arts. 793-A a 793-D165. Nesses artigos, fica claro que responde por perdas e danos aquele que litiga de má-fé como reclamante, reclamado e interveniente. Com isso, abre a possibilidade de ser responsabilizado aquele comete abuso na postulação que tem no direito material o suporte para o ajuizamento da ação.

    De notar-se, também, que no Código Civil de 2002, no art. 1.170, está previsto que "o preposto, salvo autorização expressa, não pode negociar por conta própria ou de terceiro, nem

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    participar, embora Índiretamente, de operação do mesmo género da que lhe foi cometida, sob pena de responder por perdas e danos e de serem retidos pelo preponente os lucros da operação". E fazendo alusão a este artigo, ensina Amador Paes de Almeida que "o dispositivo legal nominado fala em operação do mesmo género da que lhe foi cometida, sendo de todo conveniente lembrar que, em se tratando de preposto dependente, e necessariamente empregado, a concorrência desleal enseja a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, ex vi do disposto no art. 482, c, da CLT, sem prejuízo da sanção prevista no art. 1.170 do Novo Código Civil"166.

    Também o art. 195 da Lei n. 9.276/96 (Código de Propriedade Industrial)...

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