Adaptação Razoável como Garantia de Inclusão dos Trabalhadores com Deficiência

AutorRicardo André Maranhão Santiago
Páginas266-276

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Empregabilidade, para as empresas, não deve ser compreendida tão somente como oferecer emprego para as pessoas com deficiência, mas deve sobretudo abranger ações de inclusão e permanência mais efetiva desses profissionais no mundo do trabalho. Para isso é preciso conhecer os métodos necessários para qualificá-las, saber fazer a gestão das suas potencialidades e integrá-las nas equipes certas para que elas possam se desenvolver.

João Ribas

1. Introdução

Os direitos sociais estão entre as conquistas históricas do estatuto civilizatório humano, integrando o rol dos direitos fundamentais de segunda geração e coincidiram em parte com o modelo do Estado de Bem-Estar Social, com forte intervenção na vida política e econô-mica, saindo de mero expectador à protagonista da cena viabilizadora de avanços materiais para as sociedades que o experimentaram.

Com o processo de globalização e suas várias face-tas, não apenas os direitos sociais pendentes de concretização (no Brasil, por exemplo, a mora legislativa quanto ao inciso I do art. 7º, da CF/1988), como os que lograram alcançar alguma efetiva materialização, passaram a ser alvo de acusações várias e considerados como óbice ao sucesso econômico que, na busca de sua plenitude, defende um mercado livre das amarras estatais, ao argumento de que estas fracassaram no seu desiderato de manutenção e expansão do Welfare State.

No cenário dos direitos trabalhistas brasileiro, a força da liberalização é sentida toda vez que volta à discussão a necessidade de reformas encabeçadas pela prevalência da livre negociação entre os atores da relação laboral em vez de um regramento estatal sentenciado como predileto culpado pelas mais diversas crises (desemprego, recessão econômica, corrupção etc). Movimento cíclico e repetitivo aparentemente ínsito ao modelo de produção predominante.

Se nesta ótica reformista as perdas devem ser repassadas ao fator humano da cadeia produtiva, afetando todo o mercado de trabalho, apesar dos discursos legislativos pela melhoria das condições, a crueza toca de forma mais aguda o contingente de trabalhadores com deficiência diante da errônea ideia de limitação de sua produtividade pelas próprias características das pessoas envolvidas.

Pela manutenção das conquistas ou como incentivo à inclusão desta camada da população, a adaptação razoável figura como uma das alternativas para a inclusão laboral e será objeto de análise mais detalhada usando como bússola a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) da ONU, centrando o estudo mais especificamente nas normas sobre adaptação dos locais de trabalho como instrumento impactante no anseio inclusivo das pessoas com deficiência.

2. Providência estatal em relance

Em breve relato impõe pontuar o cenário no qual o Welfare frutificou, em meio aos escombros da 2ª Guerra Mundial, assumindo destacado papel no (re)

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direcionamento das políticas econômicas com ganhos sociais palpáveis. Ambiente impregnado da necessidade de investimentos públicos maciços para a reconstrução de um mundo devastado. Investimentos tais de pouca atratividade para a iniciativa privada que prega(va) a não intervenção estatal na economia, mas não assume(ia) o ônus dos grandes investimentos estruturais, interessada muito mais nos bônus dos investimentos especulativos financeiros.

A respeito do Welfare State Claus Offe o percebeu como: “Um conjunto multifuncional e heterogêneo de instituições políticas e administrativas cujo objetivo é gerir as estruturas de socialização da economia capitalista”1. A centralidade estatal nesse processo repercutiu nos mais diversos setores da sociedade, afetando diretamente o rol de direitos, no que a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH – 1948) é considerada como um dos marcos simbólicos na tentativa de reafirmação dos direitos humanos tão afetados pelo conflito mundial, colocando a dignidade da pessoa humana no centro das atenções. Juntamente com a DUDH e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP – 1966), o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC – 1966) integra a “Carta Internacional de Direitos Humanos”, tratamento dado aos três instrumentos gerais de direitos humanos redigidos pela Comissão de Direitos Humanos da ONU e adotados pela sua Assembleia Geral2. O PIDESC demonstrou considerável avanço pela superação de barreiras criadas por vários Estados e pela doutrina da época que entendiam a pauta dos direitos sociais com mero caráter sugestivo3, sem obrigatoriedade.

Um dos ambientes afetados positivamente com o Welfare foi o dos direitos sociais, no geral, e os direitos trabalhistas, no particular, atraindo lição de Castel, ao resumir o Estado de Bem-Estar Social com ênfase para o trabalho, e apontar os ganhos obtidos na época de ouro do Welfare, mesmo já antevendo as dificuldades no horizonte das conquistas4.

É tal o conjunto de avanços que começou a sofrer refluxo, no que os dois choques do petróleo na década de 1970 foram críticos para o modelo, colocando em xeque o dirigismo estatal por conta da necessidade constante de recursos financeiros, àquela altura já escassos, para o atendimento das demandas sociais tidas como pilastras do modelo (saúde e previdência social), com reflexos negativos no seu financiamento, quadro agravado com o envelhecimento populacional fruto dos avanços da medicina e no saneamento básico, além do processo de globalização econômica, segundo Daniel Sarmento5. Especificamente quanto ao uso da expressão “globalização”6, parece ser contemporâneo ao século XX, o que, todavia, não afeta a visão de Fátima Wermelinger, no sentido de íntima relação entre o capitalismo e sua genética reprodutiva com mutações adaptáveis às circunstâncias de tempo e espaço7, como já ensinara antes Joseph Schumpeter, ao tratar do processo da destruição criadora fruto da constante evolução da estrutura econômica capitalista, destronando o antigo e criando o novo8.

O viés financeiro, considerado por Luciano Coutinho e Luiz Belluzzo como o mais importante do processo de globalização, é apontado como reflexo das políticas que tencionaram enfrentar a desarticulação

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do bem sucedido arranjo capitalista do pós-guerra, reconhecendo que as decisões políticas norte-americanas, devido ao esfacelamento do sistema de Bretton Woods, foram responsáveis pela circulação do capital monetário no espaço supranacional9, em movimento que começava uma jornada crescente por mercados mais atrativos e de preferência com fraca regulação estatal.

Apesar de Eros Grau não perceber relação necessária entre globalização e neoliberalismo, vendo naquela um processo histórico e neste uma ideologia10, negar totalmente a influência dessa ideologia na globalização é algo que ninguém parece estar disposto a fazer sem enfrentar sérias dificuldades, destacando-se Friedrich August von Hayek11 e Robert Nozick como defensores do neoliberalismo e de sua “ordem espontânea” que, para Perry Anderson, ao fazer um balanço do modelo, concluiu que ele fracassou na economia: na sociedade serviu para criar desigualdades, não tão desestatizadas quanto esperava, mas na política prosperou como único caminho viável, sem outras alternativas12.

Mesmo com vários efeitos deletérios para os excluídos dos ganhos do mercado laissez-faire, suas propos-tas tornaram-se hegemônicas desaguando no Consenso de Washington com receitas como a abertura dos mercados nacionais, rígida disciplina fiscal com corte de gastos públicos nas áreas sociais, privatizações, desregulamentação do mercado, reforma tributária, flexibilização das relações de trabalho, enfim, uma série de medidas13 para melhor atender interesses de grandes empresas controladores da economia internacional14.

Houve certo refluxo devido às crises enfrentadas por muitos países que adotaram as diretrizes daquele Consenso, levando nomes de destaque como Joseph Stiglitz e Michel Candessus (representantes do Banco Mundial e FMI, respectivamente, à época) a reconhecerem a necessidade de revisão do plano para combater a pobreza no mundo em desenvolvimento, como enfatizou Flávia Piovesan15, muito também por conta dos números absurdos da desigualdade material que o regime vinha causando16, merecendo de Jack Donelly diagnóstico no sentido de que os direitos humanos civilizam a democracia e o Welfare State civiliza o mercado, sendo essencial o papel das políticas sociais na garantia de mínimo respeito das minorias em desvantagem ou excluídas pelo mercado livre17, público que se identifica com os trabalhadores com deficiência.

3. Avanço da adaptação razoável

Se as conquistas sociais, no geral, e as trabalhistas, no particular, foram visíveis na época do Welfare, os efeitos de reformas desregulamentadoras foram, são e serão danosos para elas, caso mantidas as premissas operacionais de redução de direitos, como, por exemplo, retração da oferta de emprego, novas formas de trabalho atípicas, aumento da fragmentação social, gerando um discurso de rivalidade entre pessoas, regiões e territórios, crescimento das pressões migratórias18, além da precarização nas condições de trabalho (trabalho degradante, infantil e escravo em pleno século XXI em determinados países), pejotização, terceirizações e fragilidade sindical, rol ilustrativo e desafiador do poder

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de regulação de instâncias nacionais e internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho19.

Os reflexos nocivos para os direitos trabalhistas ganham tons mais dramáticos quando analisado o segmento das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, grupo historicamente estigmatizado, o que tem merecido atenção da OIT por meio de suas Recomendações e Convenções.

Não à toa, a Recomendação n. 168 da OIT sobre Reabilitação Profissional e...

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