Reforma Trabalhista - 10 (Novos) Princípios do Direito Empresarial do Trabalho

AutorRodrigo Trindade
Páginas87-102

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1. Introdução

Godzila chega a Tóquio; a Estrela da Morte está pronta e operacional; o Inverno aporta definitivamente em Whesteros. Não importa sua idade ou referência apocalíptica, a Reforma Trabalhista, tal como proposta é isso: o desastre de mundo do trabalho. E fugir para as montanhas não vai ajudar muito.

Somos uma sociedade de trabalho, em que os indivíduos se identificam em relações de pertencimento a partir de seus ofícios. É difícil imaginar um campo da interação humana com maior dinamicidade que o das relações laborais. A importância que possuem as estruturas produtivas em nossa ossatura institucional faz com que sigam em permanente dinamicidade, em um fluxo contínuo de complexidade.

Por isso, não é exagero afirmar que novas profissões, novos modos de trabalhar e de empreender surgem e são extintos diariamente. É não apenas natural, como esperado que a regulação também siga esse movimento.

Alterações de regulação são essenciais para acompanhar as tantas modificações do mundo do trabalho. Pelo menos nos últimos duzentos anos, a trajetória de demo-cratização e concepção de concretude dos direitos fundamentais tem tido grande significado para o Direito do Trabalho. Ainda que com revezes pontuais, o caminho vem sendo de democratização do ambiente de trabalho e, principalmente, de soma de condições laborais dignas. Em grande resumo, as novas legislações buscam o seguinte:
a) adequar tempo de trabalho a necessidades biológicas e sociais;

  1. fazer crescer a massa salarial;
    c) melhorar as condições de saúde e segurança;
    d) proteger e garantir trabalho a parcelas populacionais marginalizadas;

  2. estimular a continuidade de vínculos de trabalho;
    f) incentivar contratações que encerrem maior rol de benefícios sociais.

Por mais que insistam com pessimismos, esses aperfeiçoamentos significaram melhora geral da condição de vida dos trabalhadores, crescimento de mercado consumidor e estabilização social.

O Projeto de Lei n. 6.787/2016, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, aparece como condensador de diversas outras iniciativas de alterações legislativas, consolidando uma grande reforma trabalhista que altera cerca de uma centena de artigos da CLT e também avança em outras leis.

Se há certeza da necessidade de constantes aperfeiçoamentos na legislação trabalhista, a mesma fortaleza de convicção não alcança a identificação do PL em análise como tendo essa finalidade. Essencialmente, há dificuldade de integrar a proposição reformista em quaisquer dos seis elementos acima listados.

A maior parte dos dispositivos modificados ou inseridos estabelece inovações no campo de restrição de direitos trabalhistas. Há, no entanto, artigos objeto do projeto de lei que, ou apenas legalizam entendimentos já ordinariamente aplicados pelos tribunais, ou promovem atualizações de expressões e adequações ao Código de Processo Civil. Nesse grupo estão os seguintes dispositivos, todos da CLT:
• art. 477, § 4º, II: permite pagamento de rescisão com depósito bancário;

• art. 477, § 6º: fixa prazo de 10 dias para empregador alcançar documentos ao ex-funcionário, após encerramento do contrato;

art. 775: contagem de prazos processuais em dias úteis, seguindo-se sistema do Código de Processo Civil;

• art. 791-A: fixação de honorários de sucumbência – atende antiga e justa pretensão da advocacia.

arts. 793-A a 793-D: utilização da sistemática do Código de Processo Civil para definição de litigância de má-fé e repressão de práticas indevidas no processo;

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• art. 800: protocolos de exceção de incompetência territorial;

art. 818: regras mais claras sobre ônus probatório, seguindo o Código de Processo Civil;

• Art. 840: redação contemporânea para a petição inicial trabalhista;

• art. 844, § 1º: regra de estabilização do processo, a partir da apresentação de defesa;

• Art. 847, parágrafo único: reconhecimento do processo judicial eletrônico.

Mas os dispositivos realmente importantes são outros. Em artigo anterior, tratei sobre conveniência, legitimidade e oportunidade da proposta reformista (http:// www.conjur.com.br/2017-mar-22/rodrigo-souza-conveniencia-legitimidade-reforma-trabalhista), buscando desmistificar fantasias que costumam permear os arroubos precarizantes. Em outro, busquei tratar em específico os efeitos do negociado sobre o legislado no tempo de trabalho (http://www.conjur.com.br/2017-abr-01/rodrigo-trindade-negociacao-livre-esculhambara-ambiente-trabalho). Neste, gostaria de analisar o Projeto a partir de 10 grandes princípios e suas instrumentalizações.

2. Alteração da matriz principiológica do direito material e processual do trabalho

a) Direito Comum como fonte absoluta subsidiária A redação vigente do Parágrafo Único do art. 8º da CLT prevê que o direito comum é fonte subsidiária do Direito do Trabalho, naquilo que em que não for incompatível com os princípios fundantes deste.

Na proposta de redação do art. 8º, § 1º, o PL exclui a condicionante de compatibilidade ideológica. A amputação é a mais transcendente do Projeto porque tende a lançar orientações para toda matéria que não for expressa e integralmente prevista na legislação trabalhista.

Referir a “direito comum” é tratar de direito civil, especialmente o obrigacional. Desde pelo menos o início do século XX, o Direito do Trabalho é ramo autônomo dentro da Ciência Jurídica, possuidor, por conseguinte, de princípios próprios. A regra hermenêutica universal é de que, tratando-se de caso difícil a ser interpretado, sem solução evidente no regramento específico, a regra a ser construída no caso concreto deve observar a principiologia própria. Assim, a regra do “direito mãe”, o Direito Civil, deve observar condicionante de aplicação em compatibilidade com os princípios da ciência próxima.

O Direito Civil Obrigacional possui orientações principiológicas diversas, dada a evidência de – tal como o Direito do Trabalho – ser ciência jurídica autônoma. A regra proposta nega autonomia do Direito do Trabalho, exclui a força jurígena de seus princípios e tende a divorciar concepções imanentes da relação obrigacional de emprego. Orientações típicas do direito comum, como visão majoritariamente economicista, prevalência da autonomia da vontade, e ausência de transcendência social passam a ser as determinantes hermenêuticas, pois são animadoras das regras.

Mas há uma seletividade no rol de regramento civilista que pode ser aplicado nas relações trabalhistas. A proposta de texto para o art. 223-A determina que para reparações de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes de relações de trabalho, as regras aplicáveis são exclusivamente as do Título II-A da CLT. Eventuais aportes de outros diplomas normativos que promovam avanços no campo da identificação de danos e potencial de reparação não podem ser utilizados.
b) Negociado sobre Legislado
Em uma sociedade democrática, espera-se que sindicatos tenham plena liberdade de negociar condições de trabalho com empresas. Mas há limites ao magnetismo da autocomposição. Nossa construção histórica é de que a lei e a Constituição fixam elementos mínimos de condições de trabalho. Não há previsão de “gorduras”, mas o estabelecimento de regras de salário, jornada e condições de saúde que são apenas básicas. Sair delas é abandonar a civilização.

Por evidente, estimulam-se sindicatos a avançar, passando do mínimo de existência. Mas veda-se que ingressem no subterrâneo de dignidade e permitam condições ainda piores que o mínimo legal. A isso dá-se o nome de “progressividade” e “vedação de retrocesso social”.

Uma das mais importantes propostas de Reforma Trabalhista do Governo Federal envolve o desamarrar do mastro, permitir que sindicatos e empresários fiquem “livres” para fixar condições de trabalho piores que as da lei. Em poucas palavras, que as relações de trabalho possam regredir, retroceder.

O trabalhador vai poder negociar com o patrão

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O Projeto original previa que as normas coletivas poderiam estabelecer acesso ao subterrâneo em 13 itens. O substitutivo em análise colocou mais três an-dares no subsolo.

Além de significar subversão à regra de dignidade de trabalho, a proposta impede ambiente leal de concorrência entre as empresas. A opção brasileira de ter um Direito do Trabalho federal – aplicado de modo uniforme por todo território nacional – serve a objetivos importantes da República: garantir os primados de redução de desigualdades regionais e de condições justas de concorrência.

Permitir acordos coletivos restritivos de direitos legais tende a gerar graves comprometimentos no esperado equilíbrio de acesso ao mercado. Pela proposta, os pactos podem ser feitos por empresa e, se uma consegue precarizar o trabalho – e, por conseguinte, reduzir custos – e outra não, forma-se situação de concorrência desleal. Nesse cenário, os lucros de quem mais precariza são privativos, mas os custos ficam socializados.
c) Prevalência da Proteção ao Empregador
O Princípio da Proteção está atado ao Direito do Trabalho e reconhece o empregado como o ente da relação de emprego que demanda cuidado especial, frente à sua menor capacidade econômica. Em poucas palavras, compensa-se a desigualdade econômica com proteção jurídica.

A própria razão de ser do Direito do Trabalho é reequilibrar a desigualdade, a partir da proteção estatal. Constata-se a aparente unilateralidade do Direito do Trabalho, expresso na intenção deliberada de tutelar o hipossuficiente na relação com o...

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