A Desvalorização da Negociação Coletiva

AutorJorge Cavalcanti Boucinhas Filho
Páginas188-196

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1. Introdução

Em seus dois discursos de posse, em abril, como interino, e em agosto, como efetivo, do ano de 2016, o presidente Michel Temer evidenciou que uma de suas prioridades seria a realização de uma reforma trabalhista. Este anúncio causou preocupação e desconfiança entre numerosos operadores e estudiosos do direito do trabalho e entre parcela significativa das representações de trabalhadores. Provocou, por outro lado, certo alento e esperança entre os empresários e seus representantes.

O anúncio da proposta do governo foi feito em 21 de dezembro de 2016. De sua exposição de motivos se extrai que seus objetivos eram aprimorar as relações do trabalho no Brasil por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores; atualizar os mecanismos de combate à informalidade da mão de obra no país; regulamentar o art. 11 da Constituição Federal, que assegura a eleição de representante dos trabalhadores na empresa para promover-lhes o entendimento direto com os empregadores; e atualizar a Lei n. 6.019, de 1974, que trata do trabalho temporário.

As propostas, contudo, não agradaram completamente grande parcela dos empresários, que esperavam medidas mais drásticas. Confirmaram, contudo, e em grande medida, o receio da classe trabalhadora de que o novo governo empenhar-se-ia para flexibilizar as regras legais ainda vigente por meio da adoção de um modelo que permite derrogação da legislação estatal sobre algumas matérias por meio de negociação com sindicatos de trabalhadores.

Havia, naquele momento histórico, duas formas antagônicas de analisar as medidas já tomadas, e aquelas apenas propostas. Sob uma perspectiva pessimista, reconhecendo nelas o risco de “desagradar gregos e troianos”. As proposições não eram tão impactantes quanto pareciam desejar as representações dos setores econômicos, o que poderia desagradá-los. Modificariam, por outro lado, dogmas muito caros a representação dos trabalhadores, o que lhes provocaria descontentamento.

Sob uma perspectiva otimista, era possível, naquele momento, crer que ao apresentar ao parlamento medida que não interferia tão drasticamente quanto se temia no sistema vigente, o governo demonstrava preocupação em não desagradar por completo a classe trabalhadora reconhecendo, aparentemente, a importância da manutenção de um bom clima entre estes, a Administração e os empregadores para a retomada do crescimento do país.

Havia, contudo, um longo caminho a percorrer antes da aprovação final das medidas.

O Projeto de Lei inicialmente apresentado como “Minirreforma trabalhista” foi tombado como PL
6.787, de 2016. A Comissão Especial destinada a proferir parecer quanto ao seu texto, foi criada mediante Ato da Presidência da Câmara dos Deputados, de 3 de fevereiro de 2017, constituída e instalada em 9 de fevereiro desse mesmo ano. A Relatoria do Projeto de Lei apresentado pelo Poder Executivo coube ao Deputado Federal Rogério Marinho, do PSDB-RN.

Sob o pretexto de “ouvir todas as partes envolvidas, garantindo o direito de manifestação de setores do Governo Federal, do Judiciário Trabalhista, do Ministério Público do Trabalho, de representantes dos trabalhadores e dos empregadores, de especialistas os mais diver-sos, enfim, de todos os interessados em se manifestar”, foram realizadas 17 audiências públicas, 7 seminários e outras quarentas reuniões menores e debates. Foi colocado à disposição da sociedade o acesso tanto ao Portal e-Democracia quanto a um endereço eletrônico específico da Comissão Especial para o recebimento de críticas e sugestões. Ao todo foram apresentadas 850 emendas ao Projeto, das quais apenas 8 foram retiradas pelos próprios autores.

O relator, Deputado Rogério Marinho, apresentou seu relatório no final de abril de 2017, acolhendo

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grande número de emendas parlamentares e transformando a minirreforma numa reforma significativamente mais robusta. O projeto apresentado em dezembro daquele ano tinha 13 pontos específicos, o substitutivo apresentado no final de abril quase 40 itens que implicaram na alteração de cerca de 200 dispositivos (entre alteração de artigos, parágrafos e alíneas e inclusão de novos preceitos) da Consolidação das Leis do Trabalho.

Em 26 de abril de 2017 o relatório foi aprovado pela Comissão por 27 votos a 10, e seguiu para o Plenário, onde foi aprovado, na forma do substitutivo do relator, na madrugada do dia 27 de abril de 2017, por 296 votos a favor e 177 contra.

No Senado Federal, o Projeto recebeu a numeração PL n. 38/2017 e, por 46 votos a 19, foi aprovado requerimento de tramitação em caráter de urgência.

O principal efeito prático desta medida consistia justamente em impedir o retorno do texto para nova análise das comissões, caso fossem apresentadas emendas (sugestões de alterações) ao texto, o que acabou não acontecendo. Em 11 de julho de 2017, como já era esperado, o Senado Federal aprovou a reforma trabalhista por 50 votos favoráveis, 26 contrários e uma abstenção.

O texto aprovado foi idêntico ao aprovado pela Câmara dos Deputados. O seu relator no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), recomendou, contudo, que o Palácio do Planalto promovesse ajustes no PLC 38/2017, por veto ou medida provisória.

Em 13 de julho de 2017, sem demora alguma, o texto é sancionado pelo Presidente da República, com a promessa de que o governo editaria Medida Provisória para alterar pontos negociados com os Congressistas.

Além de consagrar a possibilidade de sobreposição das regras negociadas sobre as legisladas às regras estipuladas em lei, também quando em desfavor aos trabalhadores, o projeto de lei excluiu expressamente a exigência de negociação coletiva de situações onde haviam sido expressamente consagradas. Sentiu-se, a partir dessa constatação, a necessidade de se implementar uma análise mais atenta no texto aprovado para verificar se após tantas modificações o texto legal se manteve fiel ao escopo, inicialmente expresso, de valorizar a negociação coletiva.

A metodologia utilizada para tanto foi a análise dogmática do texto legal e dos entendimentos jurisprudenciais correlacionados, por meio de uma revisão bibliográfica em textos de direito do trabalho.

2. Exclusão da exigência de negociação coletiva

Lendo detidamente os preceitos de lei alterados e os inseridos no texto da Consolidação das Leis do Trabalho e na Lei n. 6.019/1974 percebe-se que as mudanças implementadas excluíram a exigência de negociação coletiva de diversas situações para as quais a jurisprudência havia consagrado a medida.

A primeira situação digna de menção é a do banco de horas. Contrariando o disposto na Súmula n. 85, V do Tribunal Superior do Trabalho1, que claramente exigia que o regime anual de compensação de jornada fosse negociado coletivamente, a Lei
n. 13.467/2017, no novo § 5º do art. 58-A da Consolidação das Leis do Trabalho, expressamente estatui que: O banco de horas de que trata o § 2º deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses.

De forma similar, a reforma trabalhista dispensou a prévia aprovação em negociação coletiva para a formalização da jornada 12x36, permitindo que ela seja pactuada também por acordo individual escrito. O art. 59-A não poderia ser mais claro em sua redação:

Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.

A nova lei contrariou, outrossim, o entendimento dos Tribunais do Trabalho, notadamente do Tribunal Superior do Trabalho2, contudo, essa jornada, por ser excepcional, somente poderia ser autorizada por meio de negociação coletiva de trabalho.

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O texto legal deixa dúvidas, inclusive, quanto à exigência de acordo individual escrito para a formalização do banco de horas e da jornada 12x36. Não obstante a literalidade dos arts. 58-A e 59-A, o texto do art. 59-B parece caminhar no sentido de autorizar, ou pelo menos reconhecer validade, a compensação mesmo mediante acordo tácito. Observe-se:

Art. 59-B. O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional.

É possível, portanto, a depender da forma como o dispositivo em comento vier a ser aplicado, que passemos de uma situação de exigência de negociação coletiva para formalização da compensação por banco de horas para uma situação de admissão até mesmo de acordo tácito.

O art. 61, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, permaneceu inalterado. Permanece possível que a duração do trabalho exceda do limite legal ou convencionado para fazer face a motivo de força maior, atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto. O projeto de lei fez questão de reafirmar, no § 1º, a dispensa de negociação coletiva para tanto, ao estatuir que “O excesso, nos casos deste artigo, pode ser exigido independentemente de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.” A única mudança perpetrada no aludido dispositivo foi a dispensa da comunicação à autoridade competente em matéria de trabalho, que deveria, ante-riormente, ser feita no prazo de dez dias.

A instituição do regime de contratação intermitente mediante acordo escrito, o que, a princípio, permite que seja...

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