Aplicabilidade e interpretação das normas constitucionais

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas71-95
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APLICABILIDADE E INTERPRETAÇÃO
DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
3.1 APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: NOTAS
INTRODUTÓRIAS
José Afonso da Silva,1 em seu conhecido trabalho sobre a aplicabilidade das normas
constitucionais, esclarece que aplicabilidade “signif‌ica qualidade do que é aplicável”, e que,
no sentido jurídico, “diz-se da norma que tem possibilidade de ser aplicada, isto é, da norma
que tem capacidade de produzir efeitos jurídicos”. Podemos notar, nessa def‌inição, que a
aplicabilidade refere-se à aptidão, à potencialidade da norma de produzir os efeitos jurídicos
nela previstos.
A aplicabilidade das normas constitucionais, portanto, diz respeito à aptidão das normas
de uma constituição de produzirem, imediatamente ou não, os efeitos jurídicos pretendidos
pelo constituinte, e nelas f‌ixados. Com efeito, algumas normas constitucionais não dependem
da edição de qualquer outro diploma normativo para produzirem imediatamente os efeitos
jurídicos por elas preconizados. Outras, contudo, têm aplicação diferida, necessitando de
complementação legislativa, para produzirem todos os seus efeitos.
Essa distinção é facilmente verif‌icável, por exemplo, quando comparamos algumas
normas inseridas na própria Constituição de 1988. Com efeito, no caso específ‌ico das nor-
mas def‌inidoras dos direitos e garantias fundamentais, estas produzem os efeitos jurídicos
por elas preconizados imediatamente, independentemente da necessidade da edição de
normas infraconstitucionais, como, aliás, determina expressamente o artigo 5º, § 1º, de
nossa Carta Magna2.
Outras normas constitucionais inseridas na vigente Constituição Federal, entretanto,
não são dotadas daquela mesma aplicabilidade. É o caso, por exemplo, da norma f‌ixada pelo
artigo 37, inciso I, da Carta Magna, que prevê a possibilidade do acesso a cargos, empregos e
funções públicas, por estrangeiros, na forma da lei. No tocante a essa norma constitucional,
fez-se necessária a edição de uma norma infraconstitucional para que a mesma pudesse
produzir os regulares efeitos jurídicos ali previstos.
Outro exemplo de norma dessa última espécie está presente na regra f‌ixada pelo artigo
25, § 3º, da Constituição da República, que permite aos Estados instituir regiões metro-
politanas, aglomerações urbanas e microrregiões, mediante a edição de lei complementar.
Podemos citar, ainda, a norma do artigo 33, da Lei Maior, que determina que “a lei disporá
sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios”.
1. Aplicabilidade das normas constitucionais. Malheiros, 2007, p. 13.
2. Art. 5º, § 1º: “As normas def‌inidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
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Essa diferença entre as normas constitucionais, algumas aptas a produzirem imedia-
tamente os efeitos jurídicos pretendidos pelo constituinte, sem necessidade da edição de
qualquer norma infraconstitucional que a complemente, e outras não apresentando tal
característica, permitiu à doutrina classif‌icá-las em relação à sua aplicabilidade.
É exatamente sobre as diferentes formas de classif‌icar as normas constitucionais,
quanto à aplicabilidade, que nos deteremos em seguida. Trataremos, nas próximas seções,
da classif‌icação da doutrina clássica, bem como da famosa classif‌icação elaborada por José
Afonso da Silva, além da classif‌icação concebida por Uadi Lammêgo Bulos, que acrescenta
ao tema o conceito de normas constitucionais de ef‌icácia exaurida e aplicabilidade esgotada,
como veremos melhor um pouco mais abaixo.
3.2 EFICÁCIA JURÍDICA × EFICÁCIA SOCIAL
Na seção anterior, introduzimos o tema da aplicabilidade das normas constitucionais,
lembrando que algumas normas estão aptas a produzirem imediatamente os efeitos jurídicos
por elas f‌ixados, e que outras não o estão, e que, por isso, necessitam ser complementadas
pela legislação infraconstitucional, para alcançarem os objetivos desejados pelo constituinte.
Antes, contudo, de prosseguirmos no estudo da aplicabilidade das normas constitu-
cionais, trazendo as diferentes formas pelas quais referidas normas podem ser classif‌icadas
no tocante a esse tema, consideramos oportuno realizar uma breve distinção entre ef‌icácia
jurídica e ef‌icácia social das normas constitucionais.
A ef‌icácia jurídica da norma constitucional, nós já vimos, diz respeito à sua aptidão, à
sua capacidade de produzir os efeitos jurídicos nela previstos. No tocante a esse tema, não
se questiona se a norma efetivamente está produzindo os efeitos nela preconizados, se ela
está sendo concretamente aplicada pela sociedade. Cuida a ef‌icácia jurídica tão somente
da potencialidade da norma de produzir os efeitos desejados pelo legislador constituinte.
Já a ef‌icácia social, também denominada efetividade, esta sim tem por objetivo saber se
a norma constitucional efetivamente está produzindo os resultados pretendidos pela norma.
Diz respeito, portanto, à aplicação concreta (efetiva) da norma, pelo corpo social. Na lição de
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior,3 a efetividade “designa o fenômeno
da concreta observância da norma no meio social que pretende regular”.
Portanto, em conclusão, a ef‌icácia jurídica diz respeito à capacidade, à aptidão, à
potencialidade da norma constitucional de produzir, desde logo, os efeitos jurídicos por
ela preconizados. A ef‌icácia social, por sua vez, guarda relação com a efetiva aplicação da
norma, pela sociedade. Valendo-nos de uma expressão popular costumeiramente utiliza-
da, podemos dizer que o campo da efetividade (ef‌icácia social) procura indagar se a norma
constitucional “pegou”.
Contudo, é importante esclarecer que, nesta obra, quando falarmos em aplicabilidade
das normas constitucionais, estaremos nos referindo especif‌icamente à sua ef‌icácia jurí-
dica, à aptidão de produzirem, de maneira imediata ou não, os efeitos por elas previstos.
O campo da ef‌icácia social, este interessa mais propriamente a outro ramo científ‌ico – a
sociologia jurídica –, e não à ciência do direito constitucional, que é a que nos dedicamos
neste livro.
3. Curso de direito constitucional. 14. ed. Saraiva, 2010, p. 38.
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