Princípio fundamentais

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas97-115
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PRINCÍPIO FUNDAMENTAIS
4.1 NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO À ESPÉCIE: PRINCÍPIOS E REGRAS
Durante um longo período, considerou-se que os princípios não serviam para a impo-
sição de deveres e obrigações a terceiros, não possuindo, portanto, qualquer força normativa.
Entendia-se que eles consistiam em simples proposições de valor, de conteúdo meramente
programático, destinados a inspirar, nos diversos operadores do direito, os ideais de justiça.
Estava-se no período a que Paulo Bonavides1 denomina de fase jusnaturalista.
Num segundo momento, já sob a égide do positivismo jurídico, passou-se a reconhecer
alguma força normativa (jurídica) aos princípios, mas apenas em caráter subsidiário, ou
seja, quando não houvesse norma expressa (positivada) disciplinando uma determinada
relação jurídica. Nessa fase, os códigos passaram a prever, em seus textos, a possibilidade
de aplicação subsidiária dos princípios gerais de direito, na hipótese de omissão legislativa.
Foi nesse diapasão, por exemplo, que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasi-
leiro (Decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942), dispôs expressamente, em seu artigo 4º,
que, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes
e os princípios gerais de direito”. Vê-se expressamente, nessa norma de sobredireito, que
o magistrado somente poderia valer-se dos princípios gerais de direito quando houvesse
omissão legislativa, asseverando o caráter subsidiário dos princípios.
Até aquele momento, portanto, os princípios não eram considerados propriamente
normas jurídicas. Tratava-se de uma categoria à parte, justamente por ser destituída de efetiva
força normativa. Durante tal período, como é fácil perceber, princípios e normas pertenciam
a categorias distintas: estas consubstanciadas em imposições legais, vinculando a todos os
que se encontrassem nas hipóteses nelas tipif‌icadas; aqueles, sem tal conteúdo impositivo.
Modernamente, contudo, já não se nega mais a força normativa aos princípios. Com
efeito, na fase atual, a que a doutrina denomina de pós-positivista, passou-se a reconhecer aos
princípios força cogente, obrigatória, de maneira semelhante (porém não idêntica) àquela
conferida às demais normas positivas. A partir dessa nova realidade, abandonou-se a antiga
dicotomia entre princípios e normas, passando-se a adotar a distinção entre princípios e regras,
ambas como espécies do gênero norma jurídica.2
Transpondo o tema para o direito constitucional, vimos, no Capítulo 1 deste livro,
que a constituição pode ser def‌inida como a norma jurídica fundamental, a qual, em síntese,
1. Eis as palavras do ilustre doutrinador: “A primeira – a mais antiga e tradicional – é a fase jusnaturalista; aqui, os princípios
habitam ainda a esfera por inteiro abstrata e sua normatividade, basicamente nula e duvidosa, contrasta com o reconhe-
cimento de sua dimensão ético-valorativa de ideia que inspira os postulados de justiça”. Curso de direito constitucional.
18. ed. Malheiros, p. 259.
2. Alguns doutrinadores, ao invés de distinguir as duas espécies de normas denominando-as de princípios e regras, preferem
chamá-las, respectivamente, de normas-princípio e normas-disposição.
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
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disciplina a organização fundamental do Estado, bem como estabelece os direitos e garan-
tias fundamentais. E, por se tratar de norma jurídica (a norma fundamental), é inequívoco
que a constituição contém em seu corpo aquelas 2 (duas) espécies de normas: princípios e
regras constitucionais.
A despeito de a moderna doutrina estar praticamente pacif‌icada no que tange ao reco-
nhecimento dos princípios e regras constitucionais como espécies do gênero norma jurídica
constitucional, a mesma homogeneidade de entendimento não se apresenta, contudo, no
tocante à def‌inição daquelas duas espécies normativas, ou seja, à adequada distinção entre
princípios e regras constitucionais.
Com efeito, como nos lembra Manoel Gonçalves Ferreira Filho,3 a distinção tradicional
apoia-se num critério formal, que encara os princípios como normas generalíssimas, e as
regras como espécie de norma com um grau muito menor de generalidade, em que se pode
notar uma predef‌inição tanto das condutas que se pretende regular, como das consequências
jurídicas advindas daqueles comportamentos tipif‌icados. O critério formal, portanto, dis-
tingue princípios e regras em razão do grau de generalidade de cada uma daquelas espécies
normativas.
A despeito de permitir distinguir princípios e regras quando estamos diante de casos
extremos – normas dotadas de grande generalidade (princípios) e normas com um grau
mínimo de generalidade (regras) –, é fácil percebermos que o critério formal não se presta
a tal distinção quando estamos em face de normas jurídicas cujo grau de generalidade é
intermediário.
De fato, há normas dotadas de considerável grau de generalidade, não se destinan-
do a regular um fato específ‌ico, e que permitem extrair de seus termos um incontável
número de interpretações e comandos, e que, por isso, são facilmente identif‌icadas
como princípios. É o caso, por exemplo, do princípio da dignidade da pessoa humana,
previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, e do princípio democrático,
consagrado pelo artigo 1º, parágrafo único, da mesma Carta Magna.
Outras normas, ao contrário, são dotadas de um grau muito menor de generalidade, nas
quais os fatos e também as consequências jurídicas por elas regulamentadas estão amplamente
def‌inidos em seu texto, e que, por essa razão, são facilmente identif‌icáveis como regras jurí-
dicas. É o caso, por exemplo, das normas que tipif‌icam os diversos delitos penais. Na Carta
Magna vigente, podemos citar, exemplif‌icativamente, a regra que estabelece a necessidade
de concurso público para investidura em cargo ou emprego público (artigo 37, inciso II).
Contudo, além das hipóteses mencionadas supra, há ainda um grupo de normas ju-
rídicas, mais expressivo que os anteriores, que se situa no que Manoel Gonçalves Ferreira
Filho chama de zona cinzenta,4 em que o grau de generalização não é tão evidente – nem
tão elevado nem tão diminuto – a ponto de permitir sua fácil def‌inição como princípio ou
regra jurídica. Para tais normas, a toda evidência, a distinção baseada tão somente em um
critério formal não é suf‌iciente para a distinção entre aquelas duas categorias de normas.
Foi assim que surgiu uma nova parcela de doutrinadores que enxergam entre princípios
e regras uma diferença de caráter substancial, e não apenas formal. Trata-se da denominada
3. Curso de direito constitucional. 35. ed. Saraiva, 2009, p. 394.
4. Nas palavras do ilustre doutrinador: “Claro está que há um continuum entre os dois extremos – a generalidade máxima
(de alguns princípios) e a generalidade mínima (de algumas regras) –, de modo que, separando o que é notoriamente
um princípio do que é visivelmente uma regra, há uma zona cinzenta, onde cabem hesitações”. Op. cit., p. 394.
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