Autocuratela: Planejamento para o caso de uma incapacidade

AutorThais Câmara Maia Fernandes Coelho
Páginas413-428
AUTOCURATELA: PLANEJAMENTO PARA
O CASO DE UMA INCAPACIDADE
Thais Câmara Maia Fernandes Coelho
Sócia do Escritório Câmara e Valadares Advogados especializado em Direito das Famí-
lias e das Sucessões.Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professora de Direito
de Família do UNIBH. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.
Presidente da Comissão de Sucessões da OAB/MG.
Sumário: 1. Introdução – 2. A autocuratela: uma nova realidade de autoproteção antecipada
do curatelado de acordo com a vontade – 3. Autocuratela como negócio jurídico atípico – 4.
Instrumentos de autocuratela como alternativa para a proteção patrimonial e existencial para
serem utilizadas em situações supervenientes de ausência de discernimento. 4.1. Diretivas
antecipadas de vontade; 4.1.1. Testamento Vital; 4.1.2. Mandato duradouro; 4.2. Escritura
pública ou documento particular; 4.3. Mandato permanente – 5. Considerações nais –
6. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
Considerando as mudanças demográficas com o avanço da proporção popula-
cional de idosos1 no Brasil e o consequente crescimento de doenças degenerativas,
tem-se colocado uma situação peculiar para o Direito no campo das incapacidades.
Com a evolução da medicina, tem ocorrido um aumento da expectativa de vida, mas
que muitas vezes é acompanhado por doenças que podem causar a perda ou dimi-
nuição da capacidade de fato. Nesse sentido, percebe-se uma maior preocupação das
pessoas em planejar o futuro, tentando se proteger patrimonialmente em relação aos
acontecimentos vindouros quando estariam impossibilitadas de gerenciar a sua vida.
Atualmente, a atenção dada aos casos de incapacidade é mais dedicada aos cui-
dados com a saúde e questões médicas, no sentido de resguardar a autonomia para
consentir na relação médico paciente. Não há dúvidas que as questões pessoais são
muito importantes para o indivíduo, todavia, as questões patrimoniais também o são,
e será nesse enfoque que se desenvolverá o artigo. A questão patrimonial do incapaz
será analisada de uma forma diferenciada da tratada anteriormente no Código Civil
de 1916 e a que é apresentada atualmente na nossa legislação.
1. “Em 2050, 30% da população brasileira terá mais de 60 anos – hoje eles somam apenas 5,8%. Diante dessa
estatística, o Brasil começa a entrar no padrão europeu e americano no que diz respeito à terceira idade:
oferece opções de lazer e consumo compatíveis e de alta qualidade, (re) abre portas – e cria novas possibi-
lidades – no mercado de trabalho e acena com simpatia para as relações que se formam depois dos netos
nascidos.” (REVISTA ISTOÉ. Editora Três, n. 2.168, ano 35, p. 82, 1º jun. 2011).
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A administração do patrimônio do incapaz deve ser avaliada pelo viés da sua
autodeterminação, ou seja, o indivíduo escolhe antecipadamente antes de uma
eventual incapacidade a forma e quem irá administrar o seu patrimônio de acordo
com as suas escolhas pessoais.
É por meio da autodeterminação que os indivíduos possuem que se daria a possi-
bilidade de administração dos interesses patrimoniais e existenciais, orientado sobre
as suas escolhas de vida para serem projetadas no futuro. Dessa forma, é por meio
da promoção da autonomia privada que se pretende modular esses novos institutos,
considerando que o Direito tem mudado a sua perspectiva, privilegiando a autono-
mia do sujeito, na busca da efetividade das escolhas que deve fazer para a sua vida.
No entanto, o que ainda se busca na autocuratela é, por exemplo, que uma
pessoa sozinha, sem parentes, ou até que tenha parentes, mas sem laço afetivo que
lhe assegure socorro em uma velhice incapacitante, possa planejar que, no caso de
ausência de discernimento, a sua vontade pré-estabelecida seja cumprida. Esse idoso
já poderia escolher, a clínica em que gostaria de passar os últimos dias de sua vida e
algumas outras exigências como ter um enfermeiro 24 horas, assistência regular de
nutricionista, fisioterapia, terapia ocupacional, psicólogos, aula de dança, massagis-
ta, salão de beleza, entre outros serviços. Todavia, os valores dessas despesas serão
pagos pelas receitas do curatelado, que muitas vezes tem um vasto patrimônio, mas
que apenas ele administrava.
Uma má gestão patrimonial prejudicaria substancialmente a qualidade de vida
do curatelado, que não poderia usufruir das suas economias e dos frutos de seus bens
para ter o que sempre esperou. Por isso, um planejamento prévio é importante, para
que o curatelado tenha qualidade de vida no momento que ele se encontrar mais
vulnerável para se manifestar.
A autocuratela, no aspecto patrimonial, entra em uma dessas situações em que
é possível estabelecer a pessoa de sua confiança que teria aptidão técnica para admi-
nistrar as questões financeiras, não precisando ser ela um parente. Assim, a pessoa
capacitada para essa função e remunerada para isso iria administrar tecnicamente
e, com os frutos e rendimentos auferidos, proporcionar uma curatela com mais
dignidade e qualidade de vida, como sempre aspirou. Assim, cumprimos a função
promocional da curatela também no aspecto patrimonial.
2. A AUTOCURATELA: UMA NOVA REALIDADE DE AUTOPROTEÇÃO
ANTECIPADA DO CURATELADO DE ACORDO COM A VONTADE
A expressão autocuratela2 é a instituição pela qual se possibilita que a pessoa
capaz, mediante um documento apropriado, deixe preestabelecidas as suas ques-
tões (patrimoniais e/ou existenciais), para ser implementadas em uma eventual
2. A expressão utilizada pelo autor é autotutela, todavia para adequarmos ao sistema jurídico brasileiro adap-
tamos para autocuratela.
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