Métodos alternativos de solução de conflitos no direito de família e sucessões e a sistemática das cláusulas escalonadas

AutorGustavo Tepedino e Danielle Tavares Peçanha
Páginas39-54
MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE
CONFLITOS NO DIREITO DE FAMÍLIA
E SUCESSÕES E A SISTEMÁTICA DAS
CLÁUSULAS ESCALONADAS
Gustavo Tepedino
Professor Titular de Direito Civil e ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Danielle Tavares Peçanha
Mestranda em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Advogada.
Sumário: 1. Introdução: novos desdobramentos da autonomia nas relações familiares – 2.
Formas alternativas de solução de conitos: mediação e arbitragem como instrumentos de
ampliação do acesso à justiça – 3. As cláusulas escalonadas de mediação e arbitragem – 4.
Família como ambiente de vulnerabilidades: limites do uso de métodos alternativos de reso-
lução de conitos – 5. Notas conclusivas.
1. INTRODUÇÃO: NOVOS DESDOBRAMENTOS DA AUTONOMIA NAS
RELAÇÕES FAMILIARES
O atualíssimo tema da resolução alternativa de conflitos no âmbito do direito de
família e das sucessões associa-se a duas premissas fundamentais. Pressupõe, por um
lado, a compreensão dos valores normativos que norteiam os núcleos familiares na
contemporaneidade, à luz das peculiaridades das relações familiares e sucessórias;
por outro, a constatação de que o acesso à justiça não se restringe ao Judiciário. Tais
premissas inserem-se em temática mais ampla, atinente à passagem, ocorrida nas
últimas décadas, da família como instituição patriarcal, com projeções religiosa, eco-
nômica e patrimonial, para a relação familiar plural, como comunidade intermediária
instrumental voltada à promoção da igualdade e ao desenvolvimento da personalidade
de seus integrantes, a partir do reconhecimento da autonomia existencial.1
Com efeito, a tutela da família, constituída por multifacetados desenhos de
convivência, adquire perfil funcional, justificando-se como instrumento de proteção
da dignidade humana, constituindo-se o ambiente familiar em espaço democrático e
privilegiado para a afirmação das individualidades e potencialidades de cada um dos
1. Cfr. TEPEDINO, Gustavo. Dilemas do afeto. Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões, v. 14, 2016, p. 11-27.
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seus integrantes. Nesse ambiente familiar, manifestam-se algumas das expressões mais
sensíveis da autonomia existencial. Por isso, torna-se tão relevante o papel reservado
pela Constituição da República às famílias, como comunidades intermediárias des-
tinadas à promoção da pessoa humana na igualdade e solidariedade constitucionais.
Diante de tal moldura axiológica, o espaço, o conteúdo e a dinâmica da auto-
nomia nas relações familiares diferenciam-se das relações empresariais.2 Os conflitos
familiares, ainda quando parecem resumir-se a questões patrimoniais, acabam por
trazer à tona aspectos existenciais subjacentes à relação afetiva. Afloram diversos e
contrastantes sentimentos e não é incomum que o conflito seja motivado (ou per-
meado) por ressentimentos, de tal modo que, paradoxalmente, o seu prolongamento
funcione como espécie de postergação da relação afetiva já fracassada.
Nesse cenário, ganha cada vez mais espaço, no cotidiano da prática jurídica, a
invocação dos denominados métodos alternativos de resolução de conflitos também
no âmbito das relações de família e sucessórias. Ao lado da garantia de autonomia na
constituição das entidades familiares, mostra-se de fato benfazejo, em linha de princípio,
o exercício da liberdade existencial para a solução dos conflitos no momento patológico
da relação familiar, possibilitando às partes a afirmação de sua autonomia também nessa
face disruptiva. Trata-se de novo desdobramento da autonomia nos núcleos familiares.
Nessa esteira, no propósito de retirar do Estado a exclusividade da prestação jurisdi-
cional, traduzida em decisões unilaterais e não raro dissociadas de recônditos interesses
subjacentes às partes litigantes, deve-se buscar ferramentas que procurem reduzir o
exponencial crescimento de litígios. Nessa direção, as cláusulas escalonadas de media-
ção e arbitragem traduzem acordos, pactuados pelas partes em pactos antenupciais e de
convivência, em testamentos e em convenções específicas, nos quais a solução de conflitos
deve ser submetida, necessariamente, a etapas escalonadas de negociação, de mediação
e de solução extrajudicial. Tais cláusulas, conforme sintetizado em doutrina, consti-
tuem-se em “estipulações que preveem a utilização sequencial de meios de solução de
controvérsias, em geral mediante a combinação de meios consensuais e adjudicatórios”.3
2. FORMAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: MEDIAÇÃO E
ARBITRAGEM COMO INSTRUMENTOS DE AMPLIAÇÃO DO ACESSO À
JUSTIÇA
Com o desenvolvimento da sociedade e do exercício da cidadania, assiste-se à
explosão reivindicatória em todo o mundo ocidental, espécie de proclamação de um
2. Sobre a necessidade de compatibilização entre autonomia e solidariedade no ambiente familiar, v. TEPE-
DINO, Gustavo, Solidariedade e autonomia na sucessão entre cônjuges e companheiros. Editorial. Revista
Brasileira de Direito Civil (RBDCivil), v. 14, n. 4, 2017, p. 11-13.
3. LEVY, Fernanda Rocha Lourenço, Cláusulas escalonadas. A mediação comercial no contexto da arbitragem, São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 173, que observa: “Inseridas no contexto do procedimento multietapas podem ser
previstas de diversas maneiras, de acordo com o conceito ‘tailor made’ de resolução de conflitos, ou seja, o
desenho de um método feito sob medida para a gestão e resolução de conflito, sob o paradigma da adequação.”
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