O conceito de princípios constitucionais de relações internacionais
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Capítulo I
O Conceito de Princípios
Constitucionais de
Relações Internacionais
O
art. 4º da Constituição Federal representa a superação, ao menos
em relação a esse universo normativo especíco, da dicotomia
monista e dualista entre as ordens jurídicas doméstica e interna-
cional. No lugar da prevalência de um plano normativo sobre o outro, ambos
os ordenamentos são coincidentes em relação a esse universo materialmen-
te denido pelos princípios constitucionais de relações internacionais. A po-
sitivação dessa norma com status constitucional11 teve o condão de abrir o
direito interno ao direito internacional por meio da recepção de princípios,
subprincípios e regras desenvolvidos historicamente no direito das gentes. Ao
formalismo constitucional dessas normas agregou-se materialidade do direito
internacional. Essa premissa é retirada da redação do art. 4º: os princípios em
apreço se inscrevem nos Princípios Fundamentais do Título I da Constituição,
mas se dirigem à regulação de condutas do Brasil em suas relações internacio-
nais, isto é, em sua ação como sujeito de direito internacional público.
11“O art. 4º da Constituição de 1988 é indicativo desta abertura, pois os princípios nele
positivados estão próximos dos que basicamente regem, de acordo com o Direito
Internacional Público, ex vi do artigo 2o d a Carta da ONU, a comunidade internaciona l.
São muito semelhantes aos codicados, na época da coexistência pacíca da guerra-fria,
na Declaração Relativa aos Princípios do Direito Internacional referentes às relações de
amizade e coop eração entre os Estados aprovada pela As sembléia Geral em 24 de outubro
de 1970, na celebração dos 25 anos da Carta da ONU. O art. 4o aponta, assim, para a
complementaridade entre o Direito Internacional Público e o Direito Constitucional e
indica a irrad iação de conceitos elaborados no âmbito do Direito da s Gentes no plano do
Direito Público Interno”. Celso L afer, supra nota 1, p. 113.
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JOÃO ERNESTO CHRISTÓFOLO
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Em termos doutrinários, a distinção ora proposta entre forma e materia-
lidade obedece à lógica de um sistema jurídico tendo a Constituição como
ápice. Em sentido formal, os planos de existência e de validade dos princípios
de relações internacionais decorrem da autoridade conferida ao constituinte
para a promulgação da lei fundamental escrita com regras hierarquicamente
superiores e das quais derivam a validade das demais normas do ordenamento.
Em sentido material, a Constituição representa o conjunto de normas jurídi-
cas que regulam os órgãos do Estado quanto às suas composições, competên-
cias, relações e funcionamento.12 A dimensão formal impõe, assim, determinar
qual é a função especíca dos princípios do art. 4º como normas de hierarquia
constitucional. Já a dimensão material revela a força da Constituição no pós-
-positivismo, em que os princípios desempenham papel central na realização
dos valores consagrados no texto máximo do ordenamento.13
A tese de que os princípios do art. 4o se desdobram nessas duas dimen-
sões está amparada, igualmente, no entendimento de que a materialidade da
constituição é dada, de forma genérica, pelo conjunto de normas e ns estabe-
lecidos pelo legislador constituinte,14 ao passo que o caráter formal é resultado
da inserção positiva dessas normas na lei fundamental, a despeito da área do
direito relativa à respectiva matéria regulada por um determinado dispositivo
constitucional.15 Isso se observa não só no direito internacional, mas também
no direito administrativo, processual, econômico e tributário, entre outros.16
O contrário é igualmente verdadeiro: há normas de conteúdo constitucional
fora do diploma fundamental, a exemplo de princípios implícitos, como o
princípio da proporcionalidade.17 O fato de que princípios constitucionais de
12Celso D. de Albuquerque Mello, su pra nota 3, p. 8.
13Bonavides sustenta o advento da teoria material da Constituição, cujo seria o “Estado
principialista”. Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros,
1994, 5a ed., p. 17.
14“A constituição material designa as normas constitucionais escritas que regulam a
estrutur a do Estado, a organização de seu s órgãos e os direitos fundamentai s do homem”.
José Afonso da Silva , supra nota4, p. 38.
15“Todas as normas inser tas nesse documento-ato do pod er constituinte são const itucionais,
pouco importando s eu conteúdo”. Idem, p. 39.
16Ibidem, pp. 42-43.
17O conceito de constitu ição formal (legislad a, escrita e rígid a) “não exclui o reconhecimento
de normas constitucionais materiais, dentro como fora do documento supremo”. José
Afonso da Silva, s upra nota4, p. 40.
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O CONCEITO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
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relações internacionais sejam formalmente constitucionais tampouco signica
que pertençam ao universo material do direito constitucional. Esses princípios
mantêm sua materialidade de direito internacional não obstante sua natureza
formalmente constitucional.18
Noção de Princípio nas Ciências Jurídicas19
A noção de princípio, comum às Ciências Humanas em geral, relaciona-
-se à sua etimologia. Oriundo do latim principium, começo e causa primária,
m almejado e proposição fundamental, o conceito de princípio corresponde,
no Direito, a um conteúdo polissêmico que revela parâmetros fundamentais
da ordem jurídica.20 Tal amplitude semântica traduz-se em noções nem sem-
pre coincidentes. O termo é utilizado indistintamente para referir-se a tipos
especícos de normas jurídicas (princípios constitucionais, por exemplo), a
normas válidas a despeito de um ordenamento positivo (princípios gerais do
direito) ou ainda à própria noção de fundamento e ápice da ordem jurídica
(ratio iuris e substrato axiológico).21
Hodiernamente, é comum apresentar o conceito de princípio com base
na comparação com a noção de regras, ambas espécies do gênero norma nas
Ciências Jurídicas.22Grosso modo, essa distinção foi desenvolvida em duas
18Essa dist inção é abstrata, pois terão a mesma ju ridicidade das demais norma s inscritas na
Constituição.
19Não é aqui o objetivo esgota r o debate acadêmico sobre o conceito de princípios.
20Carmem Lúcia Antu nes Rocha, Princípios Constitucionais da Administração Pública, B elo
Horizonte, Del Rey, 1994, p. 21. Cf. também Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de
Direito Administrativo, São Paulo, Malhe iros, 1994, p. 450. Na doutrina internaciona lista,
Cançado Trindade leciona que “nor ca n one study the foundations of International L aw-
making abstraction of its basic principles, which form the substratum of the legal order
itself. It is indeed t he principles of International Law wh ich, permeating the corpus juri s of
the discipli ne, render it a truly normative system”. A. A. Canç ado Trindade, International
Law for Humankind: Towards a New Jus Gentium, e Hague Academy of International
Law Monographs, Mar tinus Nijho, 2010, pp. 85 e 86.
21Cf. Genaro Carrió, Princípios Jurídicos y Positivismo Jurídico, Buenos Aires, Abeledo-
Perrot, 1970, pp. 34-38.
22Eros Roberto Grau, A Ordem E conômica na Constituição de 1988 (Inter pretação e Crítica),
São Paulo, RT, 1990, p. 76. Cf. também Paulo Bonavides , supra nota13, p. 259; G.F. Mendes,
I.M. Coelho e P.G.G. Branco, Curso de Direito Constitucional, São Pau lo, Ed. Saraiva, 5a
ed., 2010, p. 97.
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