A materialidade dos princípios constitucionais de relações internacionais

Páginas59-84
Capítulo II
A Materialidade dos
Princípios Constitucionais
de Relações Internacionais
Normas hierarquicamente superiores da perspectiva doméstica,
os princípios constitucionais do art. 4º expressam ns que se re-
ferem materialmente a condutas reguladas pelo ius gentium. A
abertura promovida pelo art. 4o impõe o recurso ao direito internacional para
a obtenção do conteúdo normativo dos princípios constitucionais de relações
internacionais.232 Essa característica nos remete ao problema das fontes ma-
teriais desses princípios na ordem externa. Alguns casos são facilmente iden-
ticáveis em textos convencionais. Na Carta das Nações Unidas e em outros
instrumentos convencionais de que o Brasil é parte, encontram-se positivados
princípios como igualdade entre as nações, não intervenção, solução pací-
ca de controvérsias, autodeterminação dos povos e cooperação internacional.
O princípio de concessão de asilo político também pode ser densicado por
meio do recurso a instrumentos convencionais que regulam a matéria no di-
reito das gentes, em especial os dois tratados sobre asilo diplomático e terri-
torial concluídos em Caracas, em 1954. Outros princípios, por criatividade
do constituinte brasileiro, apresentam maior elasticidade conceitual e abertura
interpretativa. Embora possam ser remetidos ao direito internacional, reque-
rem exegese levando em consideração não só normas do direito das gentes,
como também seu signicado mais amplo para o sistema internacional e o
ordenamento jurídico brasileiro. Esse é caso de princípios como prevalência
dos direitos humanos e defesa da paz. Por essa razão, a análise do processo
232 Celso Lafer, sup ra nota 1, p. 113.
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JOÃO ERNESTO CHRISTÓFOLO
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deliberativo durante a Assembléia Nacional Constituinte e, em especial, da
prática diplomática brasileira, é fundamental para a obtenção do signicado e
do sentido dos princípios constitucionais de relações internacionais.
Este capítulo tem o objetivo de descrever as fontes materiais dos princípios
constitucionais de relações internacionais. A tese aqui proposta é que as fontes
primárias desses princípios devem ser buscadas nos principais instrumentos
convencionais e consuetudinários do direito internacional público, além de
fontes subsidiárias, como a jurisprudência e a doutrina, que regulam, por meio
de subprincípios e regras especícas, cada um dos dispositivos genéricos e abs-
tratos consignados no art. 4º da Constituição Federal. É nesse sentido que, to-
mando por base o universo normativo desenvolvido no direito internacional,
cada princípio deve ser examinado também a partir tanto da interpretação
dada pelo Brasil no contexto de sua prática diplomática (interpretação dinâmi-
ca), quanto da visão do legislador ao inscrever essas normas na Constituição
Federal na Assembléia Nacional Constituinte (interpretação estática).
As Fontes dos Princípios
Fundamentais do Direito Internacional
Uma das maiores diculdades no estudo dos princípios fundamentais do
direito internacional decorre da sobreposição de fontes em um sistema jurídi-
co no qual coexistem processos normativos autônomos e independentes.233 Os
princípios fundamentais do direito internacional emergem, simultaneamente,
de fontes convencionais e consuetudinárias. Em alguns casos, a própria posi-
tivação de uma norma em um tratado internacional deriva de um processo
de codicação originário no direito consuetudinário.234 Em outros, a natureza
233 Alguns i nternacionalis tas rejeitam que uma me sma norma de direito inter nacional
possa advir de v árias fontes juríd icas. Sugerem, alter nativamente, que as fontes ser iam
mutuamente exclusivas . Cf. Charles de Visscher, ‘Cours G énéral de Droit Internat ional
Public, 136 R.C.A.D.I. (1972), p. 116.
234 Muito têm contribuído os tra balhos da Comi ssão de Direito Internac ional (CDI) das
Nações Unidas. Nos termos do a rt. 15 do Estatuto d a CDI, “the expression “progres sive
development of international law ” is used for convenience as meaning the prepar ation of
dra conventions on subject s which have not yet been regu lated by internationa l law or
in regard to which the l aw has not yet been suciently developed in t he practice of States.
Similarly, the ex pression “codication of inter national law” is use d for convenience as
meaning the more preci se formulation and systemati zation of rules of internationa l law in
elds where there alre ady has been extensive State pract ice, precedent and doctrine”.
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