Independência nacional

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Capítulo V
Independência Nacional
O
princípio de independência nacional determina a defesa da so-
berania do Brasil em suas relações internacionais. Reete, talvez
da forma mais nítida entre os princípios do art. 4º, a vertente
nacionalista da política exterior. Em perspectiva sistêmica, o princípio de in-
dependência nacional é a contraface do dispositivo que consagra a soberania
nacional como fundamento do Estado brasileiro (art. 1º). A independência
como princípio regente de relações internacionais representa o pressuposto
constitucional da soberania do Brasil, enquanto sujeito de direito internacio-
nal, sobre o conjunto de bens, pessoas e relações juridicamente sujeitas à ju-
risdição nacional. Não obstante, o conceito de independência nacional é po-
lissêmico. Por denição indeterminado e abstrato, esse princípio corresponde
a um universo materialmente diverso e amplo. É tanto mandamento imbuído
de signicado político, quanto norma positiva que se densica por meio de
subprincípios e regras consolidadas sobre a matéria no direito internacional
público contemporâneo e na prát ica diplomática brasileira.
Independência Nacional na Constituição Federal
O princípio de independência nacional é o único dos dispositivos do art.
4º a constar, expressa ou implicitamente, em todas as constituições brasileiras.
Explicitamente previsto na constituição do Império de 1824, essa norma podia
ser deduzida nas constituições subseqüentes como princípio a regular as rela-
ções do Brasil com outros Estados até ser novamente resgatada, expressamen-
te, 1988. Na Constituição Federal, esse princípio não se esgota na norma geral
e abstrata do inciso I. Sua inclusão reete o princípio fundamental de sobera-
nia inscrito no inciso I do art. 1º, que se desdobra no texto constitucional em
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outros dispositivos relacionados ao setor econômico (arts. 170-178), à cultura
(art. 215), ao jornalismo (art. 222) e aos partidos políticos (inciso II, art. 17).435
O objetivo de resguardar a independência e a soberania nacionais foi
uma constante na Assembléia Nacional Constituinte.436 Além de dar nome à
Subcomissão e à Comissão responsáveis pela elaboração do primeiro antepro-
jeto, o tema da soberania foi o valor subjacente a várias propostas de consti-
tuintes, ora como tarefa fundamental do Estado, ora como princípio a guiar o
País nas relações internacionais. Em termos materiais, a preocupação com a
defesa da independência e da soberania nacionais se expressava em emendas
com o objetivo de proibir a presença de forças estrangeiras, sobretudo bases
militares, em território nacional.437 Brandão Monteiro, por exemplo, propôs
destaque para acrescentar ao art. 4º a vedação constitucional de “realização
de pactos e tratados militares” e a proibição da “fabricação, armazenamento
e estacionamento de armas nucleares, bem como a instalação de bases milita-
res estrangeiras em território nacional”.438 Roberto Freire propôs emenda para
estabelecer, como princípio regente das relações internacionais, o não-alinha-
mento permanente do Brasil a blocos ideológicos e militares (OTAN e Pacto
de Varsóvia, por exemplo), em linha com o princípio de política externa in-
dependente.439 Com inspiração na Constituição portuguesa de 1974,440 foram
propostas emendas com o objetivo de incluir o dever de o Brasil preconizar
435José Cretella Júnior, Comentá rios à Constituição bras ileira de 1988, Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 1998, p. 171.
436Recentes casos de espionagem c onrmam que o constituinte t inha razão de preocupar-se
com esse assunto.
437 Veja, por exemplo, a emenda 57 de Roberto Freire, que propunha artigo vedando “o
estabelecimento de bases ou tropas militares estrangeiras, em território brasileiro, seja
terrestre, mar ítimo ou aéreo”.
438Emenda 11137. Monteiro aduzia que “a proibição da instalação de bases militares
estrangeir as em território nacional” deveria c onstar da Constituição por “ ferir soberan ia
do País”.
439A mesma emenda 57 de Roberto Freire propunha a “defesa do não alinhamento
permanente”.
440O artigo 7 (2) da Constituição portuguesa estabelece que “Portuga l preconiza a abolição
do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e
exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e
controlado, a dissolução dos blocos político-milit ares e o estabelecimento de um sistema
de seguranç a colectiva, com vis ta à criação de uma ordem inter nacional capaz de asse gurar
a paz e a justiça nas rel ações entre os povos”.
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pela abolição dos blocos militares,441 tal como previsto no anteprojeto apre-
sentado pela Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e
da Mulher. Embora não tenham sido aprovadas integralmente, tais emendas
veiculavam o espírito predominante na Assembléia Constituinte: a defesa da
soberania e da independência nacionais em oposição à lógica de alinhamento
automático com potências estrangeiras.
A renovada importância conferida à proteção da independência e da so-
berania nacionais reetia a conjuntura doméstica à época. Viviam-se limita-
ções reais ao exercício pleno de nossa soberania em razão da crise econômica
e da dependência em relação a outros pólos de poder econômico e político.
Mais do que algo abstrato e distante da realidade social e política brasileira,
o cerceamento da capacidade decisória revelava-se na diminuta margem de
manobra de que o Governo brasileiro dispunha para lidar com temas como a
negociação da dívida externa. Nessa lógica, o conceito de soberania se relacio-
nava à defesa da capacidade soberana da sociedade brasileira de dispor de seus
recursos humanos e materiais sem submeter-se a constrangimentos impostos
a partir de interesses externos.442
Em termos teóricos, a opção do constituinte pelo termo “independência
em vez de “soberania” indica uma tautologia da própria existência do Brasil
como Estado na ordem internacional, isto é, enquanto sujeito dotado de per-
sonalidade jurídica plena no plano externo.443 Para alguns, não haveria nem
mesmo a necessidade desse termo na Constituição, pois a soberania é um atri-
buto, ipso facto , da existência do País.444 Não obstante, essa alternativa de inde-
pendência nacional na ordem externa parece-nos adequada na medida em que
441 Veja-se a emenda 19386 de Siqueira Campos na Comissão de Sistematização, em que
defendia a preconização “do desarmamento geral e a dissolução dos blocos político-
militares”. Acabou prevalecendo a opinião de Gerson Peres (PDS/PA), que em sua
justicativ a para emenda a 19546, parcial mente aprovada na Comissão de Sistematiz ação,
alegava a inviabi lidade desse dispositivo p orquanto “Blocos político-part idários decorrem
da própria dinâmica da vida internacional, sugerindo e dissolvendo-se a todo momento
histórico”.
442“O conceito de soberania é para nós não apenas uma gura jurídica, mas um conceito
operacional, profundamente ligado ao processo de desenvolvimento”. Renato Archer,
supra nota 385, p. 48.
443“A rigor (...) o t ema soberania, ou a própria expres são, não necessitaria esta r explicitado na
Constituição, p orque o Brasil é o Estado e, por ser Est ado, tem como característic a própria
a soberania”. Vicente Marotta R angel, supra nota 384, p. 6.
444Vicente Marotta Rangel, idem, pp. 6 -7.
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