Direito comparado: Princípios constitucionais de relações internacionais em outras ordens jurídicas

Páginas85-100
Capítulo III
Direito Comparado:
Princípios Constitucionais
de Relações Internacionais
em outras Ordens
Jurídicas
A
Constituição brasileira não é a única a prescrever princípios ou
referências explícitas ao direito internacional com o objetivo de
regular as relações internacionais de um determinado Estado a
partir do texto constitucional.311 Nossa prática se inscreve em tendência mais
ampla de países com constituições escritas contendo disposições programáti-
cas na matéria. Embora, em sua maior parte, os textos constitucionais dispo-
nham sobre temas como a competência dos entes estatais em política exterior,
como no tocante à conclusão de acordos internacionais ou à declaração de
guerra, têm sido cada vez mais comuns referências sejam a normas positivas
de direito internacional, como é o caso do Brasil, sejam à relação do ordena-
mento jurídico doméstico com o direito internacional.312 O direito comparado
permite vericar que essas normas podem lidar com a supremacia do direito
internacional sobre o direito interno,313 a transferência de poderes soberanos
311 Não serão ana lisarão as d istintas moda lidades de intern alização de obr igações
internacionalmente assumidas.
312 Alberto C assese, ‘Modern C onstitutions and I nternational Law’ (1985-II) 192, R.C.A .D.I., pp.
331-475; e Anne Peters, ‘Supremacy Lost: Intern ational Law Meets Domestic Con stitutional
Law’, (2009) 3 Vienna Online Journal on International Constitutional Law 170.
313 Constitu ição da Federação Russa de 1993, por exemplo.
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JOÃO ERNESTO CHRISTÓFOLO
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a ente supranacional (União Européia), ou até mesmo ao reconhecimento da
jurisdição de órgãos como o Tribunal Penal Internacional (TPI). É igualmente
freqüente a remissão a direitos humanos protegidos por instrumentos inter-
nacionais, muitas vezes estabelecendo a prioridade do regime externo sobre
o doméstico. Esse fenômeno revela, antes de tudo, uma lógica observada no
constitucionalismo contemporâneo consistente na passagem das chama-
das Constituições-garantia dos séculos XVIII e XIX para as Constituições-
programáticas, que, no século XX, passaram a ir além da mera distribuição de
competências entre os Poderes constituídos para dispor, por meio de princí-
pios gerais, sobre programas de ação e linhas de orientação em matéria de p o-
lítica exterior.314 O resultado é a convergência material entre os ordenamentos
doméstico e internacional,315 na medida em que a interação formalmente re-
conhecida do direito interno com o direito internacional pressupõe que ambos
os ordenamentos sejam inter-relacionados.316
Direito Comparado
Historicamente, um dos precedentes mais signicativos em matéria de po-
sitivação de princípios de direito internacional em textos constitucionais se
deu com a Constituição francesa de 1793, que dedicava capítulo às relações da
República francesa com as nações estrangeiras. Nesse documento já se perce-
biam princípios como a não intervenção, a concessão de asilo político e a con-
denação à guerra de conquista territorial.317 Seria, porém, sobretudo no pós-
-Guerra, que várias constituições escritas passaram a inscrever princípios ou
314 Celso Lafer, sup ra nota 1, pp. 111-112 .
315 “Internationa l law and domestic const itutional law are converg ing, and t hereby also the st ate
constitutions inter se”. Anne Peters, ‘Supremac y Lost: International Law Meets Domest ic
Constitutiona l Law’, (2 009) 3 Vienna Online Journal on International Constitutional Law
170, p. 173.
316 El-Eria n, YbILC 1963, para. 42 .
317 Des rapports de la R épublique françai se avec les nations ét rangères. Art icle 118. - Le
Peuple français es t l’ami et l’allié naturel des peuples l ibres. Article 119. - Il ne s’im misce
point dans le gouvernement des autre s nations ; il ne soure p as que les autres nations
s’immisc ent dans le sien. Ar ticle 120. - Il donne asile aux étrangers b annis de leur pat rie
pour la cause de la lib erté. - Il le refuse aux t yrans. Artic le 121. - Il ne fait point la paix avec
un ennemi qui occ upe son territoire”. Cf. também G.F. de Martens , Précis du droit des gens
moderne de l’ Europe fondé sur les traités et l’u sage, Gottingue, de D ieterich, 1821 (3eme ed.
rev. et augm.)
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