Os princípios constitucionais de relações internacionais no constitucionalismo brasileiro

Páginas101-130
Capítulo IV
Os Princípios
Constitucionais de
Relações Internacionais
no Constitucionalismo
Brasileiro
A
existência de princípios de relações internacionais nas consti-
tuições brasileiras é uma constante em nossa tradição jurídica.
Normas dessa natureza estão presentes, ainda que em formatos
variados, desde a primeira lei fundamental outorgada no Primeiro Império,
em 1824. A evolução do tratamento da matéria foi inuenciada pelo impe-
rativo do desenvolvimento nacional e pela conjuntura internacional, em que
guerras de proporções mundiais se sucederam em meio à emergência de no-
vas potências e nações. Para o presente estudo, a análise da evolução desses
princípios nas constituições brasileiras revela não só uma prática do direito
brasileiro que se aperfeiçoou e se expandiu ao longo das décadas, mas também
percepções sobre a identidade internacional do Brasil. Entre esses traços de-
nidores sobressaem, como vetores permanentes de nosso constitucionalismo
internacionalista, o universalismo expresso no apego ao direito internacional
e o realismo nacionalista orientado pela salvaguarda da soberania do País em
uma ordem externa desigual. O esforço de equilibrar esses dois vetores é a
síntese axiológica que caracteriza a existência de princípios de relações inter-
nacionais no constitucionalismo brasileiro.
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JOÃO ERNESTO CHRISTÓFOLO
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Perspectiva histórica - A evolução dos princípios
nas constituições anteriores
Na Constituição de 1824, o único parâmetro relativo às relações do Brasil
com o exterior consistia no princípio de independência nacional, reetido, ain-
da que de forma indireta, no art. 1º da primeira lei fundamental: “O Império
do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros. Eles formam
uma nação livre e independente que não admite com qualquer outro laço al-
gum de união ou federação, que se oponha à sua independência. Esse marco
de relações exteriores, característico de uma nação que havia pouco adquirira
sua independência, denota três objetivos fundamentais. Primeiro, resguardar a
independência política do País em face de tendências regressistas coloniais por
parte de setores da sociedade que defendiam a reunicação com a coroa portu-
guesa em meio à dinâmica sucessória em Lisboa.354 Segundo, manter a unida-
de territorial diante da ameaça de secessão em províncias do país. O exemplo
da fragmentação na América espanhola se fazia ainda mais presente em razão
das revoltas que se sucederam à declaração de independência em 1822, das
quais a Confederação do Equador, em 1824, foi o exemplo de maior relevo. Por
m, esse dispositivo tinha o condão de vedar, de forma peremptória, qualquer
iniciativa voltada à integração – ou anexação - territorial do Brasil com países
limítrofes da América espanhola.355
A primeira constituição do período republicano, de 1891, não enume-
rou princípios voltados às relações exteriores. Preparada por inspiração no
constitucionalismo norte-americano, a temática das relações internacionais é
tratada apenas em seus aspectos formais, relativos à distribuição de compe-
tências entre os Poderes.356 Materialmente, no entanto, é possível identicar
354 “A palavra independência refere-se a no ssa liberdade ex terna, e quer dize r que a Nação
brasileira não recon hece outra que lhe seja sup erior, pode exercer livremente qua nto
julgar necessá rio a sua conser vação, sem que alg uém a possa pertu rbar no exercício de
seus direitos, nem obri gá-la a dar contas de suas ações, ou ana lisar os seus atos; governa-
se pelas suas leis , exerce livremente todos os d ireitos majestáticos , todas as funç ões da
soberania, e a re speito das outras nações es tá no estado de uma perfeita ig ualdade natura l”.
Lourenço José Ribei ro, ‘Análise da Constituiç ão Política do Império do Brasil ’, Arquivos do
Ministér io da Justiça, R io de Janeiro, n. 142, abr./jun., 1977, ano 34, p. 7.
355 Tenha-se presente a confederação lati noamericana propug nada por Simón Bolíva r em
1824, na convocatória para o Cong resso do Panamá, em 1826. Cf. também Pedr o Dallari,
supra nota 2, pp. 29-30.
356 Historicamente , essa tendência se just icava pela organ ização do Esta do brasileiro em
torno do federalismo, em op osição ao regime unitário e ce ntralizador do Império.
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