Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade

Páginas527-594
Capítulo XIII
Cooperação entre os
Povos para o Progresso
da Humanidade
Cooperação, termo oriundo do latim cooperatio, signica o ato
ou o efeito de cooperar e corresponde, semanticamente às ações
de auxiliar ou colaborar. O princípio de cooperação preconiza a
atuação coletiva e individual dos Estados em favor da realização dos propó-
sitos fundamentais da ordem jurídica internacional: paz, desenvolvimento e
direitos humanos. Trata-se de vis directiva às relações interestatais que sur-
ge “da necessidade que têm os povos, como indivíduos, de se relacionarem
entre si”.1790 Embora polissêmico, o conceito de cooperação é utilizado no
direito internacional em duas acepções fundamentais. Na primeira, como
sinônimo de diplomacia, isto é, como o compromisso dos Estados de busca-
rem soluções para problemas e desaos no marco do direito internacional.
Na segunda, o princípio de cooperação adquire contornos mais nítidos nos
compromissos de auxílio mútuo de promoção do desenvolvimento socioe-
conômico lato sensu, de forma que custos e benefícios sejam compartilhados
proporcional e igualitariamente na medida das condições, dimensões e está-
dios de desenvolvimento de cada Estado.
1790 Rubens Ferreir a de Mello, Tratado de Direito Diplomático, Ministério d as Relações
Exteriores, Ser viço de Publicações, R io de Janeiro, 1948, vol. I, p. 11.
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JOÃO ERNESTO CHRISTÓFOLO
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Assembléia Nacional Constituinte
Embora com redação inovadora, o inciso IX do art. 4º não foi a primeira
manifestação do princípio de cooperação internacional no constitucionalismo
brasileiro. O art. 7º da Constituição de 1967 já fazia referência à “cooperação
dos organismos internacionais de que o Brasil participe” para a resolução dos
conitos internacionais por meios pacícos. O conceito de cooperação pre-
conizava, então, a atuação do Brasil no marco de organizações internacionais
que, como as Nações Unidas, foram criadas com a nalidade de promover a
paz e o desenvolvimento.
No curso dos debates da Constituinte de 1988, o legislador brasileiro tinha
em mente essa noção genérica do princípio de cooperação internacional: esti-
mular o intercâmbio entre os povos de forma pacíca e em benefício mútuo,
à luz dos objetivos mais amplos de promover o desenvolvimento socioeconô-
mico e manter a paz e a segurança internacionais. O termo cooperação corres-
pondia ora à idéia de diplomacia como meio pacíco para a defesa e a reali-
zação dos interesses nacionais nos planos bilateral, regional e multilateral, ora
à noção de cooperação técnica como instrumento de promoção do desenvol-
vimento socioeconômico e de relações de amizade com outros países. Em sua
primeira dimensão, a cooperação internacional se manifestou em propostas1791
e comentários nos quais a prática da diplomacia nos mais diversos âmbitos
era entendida como instrumento de promoção da paz e, sobretudo, do desen-
volvimento.1792 Nessa acepção política, a cooperação associava-se ao impulso
1791 Na justicat iva à emenda 00089 (rejeitad a) que resgatava o art. 7º da C onstituição de
1967 (“Os conitos com outros Est ados deverão ser resolvidos p or negociações diret as,
arbitragem e outros meios pa cícos, com a cooperaç ão dos organismos inter nacionais
de que o Brasil par ticipe”), Farabuli ni Júnior argü ia que “a armação de u ma conduta
pacíca subordi nada à negociação e uti lização do fóru m internacional pa ra solução
das controvérsias, det er como complemento a renúncia ao aventureiris mo bélico, bem
como neutralidad e obrigatória face ao con ito entre terceiros países . Trata-se de uma
postura respons ável a consciente destinad a a merecer o reconhecimento ent re as Nações
que laboram no itiner ário da paz e da concordâ ncia”. De mesmo teor, a emenda 06503,
rejeitada, de Antônio Ca rlos Konder Reis na Comissão de Sistemati zação.
1792 O então Secret ário Gera l do Itamarat y, Embaixador Paulo Tarso Fle cha de Lima, mencionou ,
como exemplos concretos dessa ace pção política de cooperação internac ional, “uma série
de organismos e expres sões de cooperação internac ional”, como as Nações Unidas e outra s
organizaçõe s multilaterai s como o Banco Mundial , o FMI, o Banco Intera mericano de
Desenvolvimento (BID) e o então mecan ismo do GATT, além de iniciativ as de integração
regional, arr anjos plurilatera is como o Tratado da Antárt ida e iniciativa s brasileiras
conduzidas em âmbito mult ilateral, como a ZOPACAS. Supra nota 486, pp. 10-11.
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dado pelo constituinte ao processo de integração,1793 sob o entendimento de
que organizações regionais corresponderiam ao que havia de mais avançado
em matéria de cooperação internacional.1794 Em se tratando da América do
Sul, em particular, ganhava força a visão de que a cooperação internacional
avançaria na medida em que o Estado Democrático de Direito se fortalecesse
nos países do subcontinente após a derrocada dos regimes de exceção vigentes
no Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.1795 Aí se incluía, também, a
cooperação jurídica internacional por meio de institutos como a extradição.1796
Já em sua vertente cientíca e tecnológica, as menções ao conceito de coopera-
ção se orientavam pelo papel do Brasil na condição de receptor e de difusor de
conhecimento nas relações com outros Estados.1797
A formulação do preceito de cooperação internacional evoluiu ao lon-
go da Constituinte. O princípio já estava implícito no art. 19 do anteprojeto
apresentado pela Subcomissão, pois a Declaração das Nações Unidas sobre os
Princípios do Direito Internacional de 1970, mencionada nesse dispositivo,
reconhece “o dever dos Estados de cooperarem uns com os outros de acordo
com a Carta”.1798 Na Subcomissão, o tema também se reetiu, indiretamente,
1793 “Todos os vínculo s sociocultur ais impulsionam o s povos de nossa América a u m
estreitamento de laço s, eliminaç ão de fronteiras coopera ção cientica e tecnológ ica – à
realizaç ão enm de um vasto me rcado comum capaz de tra nscender as lim itações e
vicissitudes de c ada estado-membro, abrindo e spaço para as forças cr iativas da nossa
herança comum”. Justicativ a à emenda 34239, rejeitada, apresent ada por Marcondes
Gadelha ao Prime iro Substitutivo do Relator na Comiss ão de Sistematização.
1794 Francisc o Rezek, supra nota 1312, p. 33.
1795 “Ninguém ma is duvida dos propósitos paci stas, dos propósitos de co operação, dos
propósitos construtivo s do Brasil. A sua dimens ão continental, que por muitos anos foi fator
de desconança s e preocupação, hoje é um fator de ag regação, um fator de coopera ção,
graças justa mente à nossa trans parência, ao pleno func ionamento das nossas in stituições
democráticas, que p ermitem não apenas visibi lidade absoluta, mas ta mbém que debatamos,
com descontração e des embaraço, essas questões t ão relevantes”. Idem, p. 15.
1796 Ao propor emenda que proibia a concessã o “de extrad ição por crime polít ico nem, em
caso algu m, a de brasileiro”, Alf redo Campos ar mava que seria “necessá rio, também,
estabelecer os pri ncípios fundamenta is que orientam o indeferi mento de extradiç ão,
instituto que vi sa à cooperação internacional na repres são da criminalid ade”. Justicativ a
à emenda 11353, apresentada na Comissão de Sistemat ização.
1797 “As nossas formas de expres são diplomática, sejam c omerciais, sejam de coop eração técnica,
são também um dos vetore s da nossa presença internacional ”. Supra nota 386, p. 15.
1798 “Nas relações i nternacionais, o Bra sil adotará atit ude de coexistência pa cíca e se regerá
pelos princípios consta ntes da Carta d a Organizaçã o das Nações Unidas, t al como
explicitados na Res olução 2625 (XXV) da Assembléia Ger al”.
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