Igualdade entre os estados

Páginas339-362
Capítulo IX
Igualdade
entre os Estados
O
princípio de igualdade entre os Estados é um dos fundamentos
sobre o qual repousa a ordem internacional contemporânea.1036
Sua codicação implica o reconhecimento da igualdade jurídica
dos Estados sob o direito internacional. Embora exigência lógica de um sis-
tema jurídico organizado por relações horizontais, a aplicação do princípio
de igualdade soberana depara-se incessantemente com a realidade de relações
verticais de poder. O princípio de igualdade de iure constitui, assim, contra-
peso à desigualdade de facto.1037 Como norma geral e abstrata, esse princípio
ignora desequilíbrios de poder ao proteger capacidades soberanas do Estado, a
despeito das condições reais de seu exercício.1038
Ao expressar o paradoxo entre a deontologia da justiça e a ontologia do
poder nas relações internacionais, o princípio de igualdade entre os Estados
é tema doutrinário controverso.1039 Raymond Aron considerava a igualdade
entre os Estados mera “ideologia” empregada pelos Estados mais fracos em
face da posição privilegiada das Grandes Potências.1040 Sob outra perspectiva,
1036 G. Abi-Saab, ‘Cour génér al de droit internat ional public’, R.C.A.D.I., 1987, 247, pp. 328,
330 e 333. Pa ra Dallari, trat a-se de um “paradigma do sistem a de relações em nível global ”.
Pedro Dallar i, supra nota 2, p. 168.
1037 Marcelo G. Kohen, su pra nota 446, p. 404.
1038 Dalmo de Abreu Da llari, Elementos d e teoria geral do Estado, São Paulo, Sa raiva, p. 24.
1039 “Le principe de l égal ité souveraine (...) est perçu comme u n vœux pieux qui ne rési ste
pas à la comparais on des inégalités a grantes qui fr appent les Etats dans les doma ines
économique, politique, m ilitaire ou autre ”. Marcelo G. Kohen, supra not a 446, p. 399.
1040 Raymond Aron, Paix et Guerre entre le s Nations, Paris, Ca lmann-Lév y, 8e ed., 1962 (réimp.
1985), p. 729.
BOOK-Princ.Const_Christofolo.indb 339 10/1/18 12:00 PM
JOÃO ERNESTO CHRISTÓFOLO
340
John Rawls sugeria que os Estados não estariam em nível de igualdade nem
mesmo no plano formal do direito internacional.1041 Em classicação na qual
os povos1042 se dividem em sociedades liberais (liberal well-ordered societies),
decentes (non-liberal societies) e fora da lei (outlaw), Rawls restringiu a apli-
cação do princípio de igualdade apenas à celebração de pactos, rejeitando sua
extensão aos princípios fundamentais do direito internacional, a começar pelo
respeito recíproco à independência.
Igualdade entre os Estados na Constituição
O princípio de igualdade jurídica entre os Estados não suscitou debates
acalorados na Assembléia Nacional Constituinte. Talvez porque o constituinte
entendesse que já constituísse pedra angular da prática diplomática brasileira,
ou então pelo reconhecimento do estádio de desenvolvimento dessa norma no
direito internacional, em especial na Carta das Nações Unidas, o tema foi tra-
tado tangencialmente em discussões sobre outros assuntos. Esse foi o caso, em
particular, do debate sobre a imunidade do Estado brasileiro em face de outras
jurisdições. À época, o tema se revestia de particular importância devido à crise
da dívida externa. Durante a Assembléia Constituinte, prevaleceu posição sobe-
ranista, baseada no princípio de igualdade e orientada pela rejeição à aceitação
de acordos celebrados com o Fundo Monetário Internacional (FMI) conten-
do cláusulas que estabelecessem outra jurisdição (no caso, os Estados Unidos)
como foro de arbitragem entre o Governo brasileiro e credores internacionais.
Prática diplomática brasileira
A defesa do princípio de igualdade jurídica entre os Estados é “um dos pa-
radigmas da política externa brasileira”. Revela, em última análise, a própria vi-
são do País sobre o direito internacional. Essa posição encontra-se enraizada no
início da atuação multilateral do Brasil, na II Conferência Internacional de Paz
de Haia, em 1907. Em linha com as instruções de Rio Branco,1043 Rui Barbosa
1041 John Rawls, e L aw of Peoples, Cambridge (Mas s.), Harvard University Press, 199 9, p. 199.
1042 Rawls uti liza a categoria de povos com o objetivo de rea lçar seu modelo de justiça glo bal.
1043 Carlos Henr ique Cardim (ed.), ´A Luta pela Igualdade entre as Nações´, prefácio à obra
II Conferência da Paz d a Haia, 1907 - A correspond ência telegráca entre o Barão do Rio
Branco e Rui Barbosa, su pra nota 995, p. 29.
BOOK-Princ.Const_Christofolo.indb 340 10/1/18 12:00 PM

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT