Defesa da paz
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Capítulo X
Defesa da Paz
A
paz é o propósito ulterior de uma sociedade de entes soberanos
organizada sobre as bases ainda imperfeitas do direito interna-
cional. Com a criação das Nações Unidas, a guerra foi proscrita
do direito e cedeu lugar a um regime político e jurídico no qual a cooperação
e a solução pacíca de controvérsias tornaram-se o caminho natural para o
encaminhamento de conitos no sistema internacional. A admissibilidade do
uso da força foi relegada, mesmo quando decidida de forma coletiva, a cir-
cunstâncias excepcionais e como ultima ratio. Mas a paz vai além da mera
ausência de conito armado. Implica também universo de condições factuais
no qual paz, desenvolvimento e direitos humanos são objetivos interligados.
Ao contrário do que ocorre com a maioria dos princípios do art. 4º, porém,
a formulação adotada pelo constituinte no inciso VI não corresponde prima
facie a um princípio especíco do direito internacional. Na Carta das Nações
Unidas e em outros instrumentos convencionais, essa norma é um propósito
fundamental a ser realizado na ordem internacional. O princípio de “defesa da
paz” caracteriza-se, assim, por grande abertura hermenêutica1145 à luz de dado
inarredável da realidade: a impossibilidade de obter o m colimado - a paz -
com base exclusivamente na ação diplomática do Brasil.
Assembléia Nacional Constituinte
A inclusão no art. 4º do princípio de “defesa da paz”, dispositivo de es-
copo marcadamente aberto, deveu-se tanto ao pacismo predominante na
Assembléia Constituinte, quanto à tradição de repulsa à guerra de conquista.1146
1145Manoel Gonçalves Ferreira Filho, supra nota 423, p. 21; Celso D. de Albuquerque Mello,
supra nota 3, p. 148.
1146Francis co Rezek, supra nota 1312, p. 32.
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JOÃO ERNESTO CHRISTÓFOLO
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A partir desse dispositivo previsto em constituições anteriores e constante des-
de os primeiros anteprojetos, emergiu, de forma clara e sistematizada, a con-
vicção de que o Brasil deveria guiar-se pela defesa da paz em suas relações
internacionais.1147 Denido inicialmente em termos da repulsa à guerra, esse
sentimento manifestou-se ora abstratamente em discursos e justicativas de
emendas, ora em propostas concretas voltadas à regulação de aspectos espe-
cícos da política externa. Várias propostas foram apresentadas com o m de
manter, sob o marco do pacismo,1148 a vedação da guerra de conquista como
baliza axiológica da diplomacia brasileira.1149 Por motivos de concisão, prevale-
ceu o entendimento de que o sentimento de repúdio à guerra partilhado pelos
constituintes estaria resguardado por princípios como a não intervenção.1150
Mas se consolidou aspecto central da identidade internacional do Brasil: a luta
pela em nossa ação diplomática.1151
1147Ao apresentar emenda (00213) para inclu ir os princípios da “solução pacíca dos con itos
internacionais e da renú ncia à guerra de agressão ou de conqui sta, como direito soberano
da nação”, Jairo Carnei ro asseverou que “o Brasil é um povo pacíc o e pacista. O repúdio
à guerra é vocação e determinação do seu povo. Somente em legítima defesa e vencidos
todos os esforços para a solução p or meios pacícos, de um conito, é que poderá o país
exercer o direito de defesa”. Segundo o relator, porém, o conteúdo já estava implícito no
Anteprojeto.
1148Cf. a emenda 26397 (rejeitada) apresentada na Comissão de Sistematização por Nelson
Gibson, na qual opinava que “o Brasi l é um país de índole pacíc a. Este parágra fo reproduz
o texto da Carta de 1946 e representa, perante o cenário internacional, a nossa postura
favorável à negociação dos con itos internacionais”. Lúcio Alcâ ntara defendia a inserçã o da
proibição da guerra de conqu ista (emenda 25810, também rejeitada) por “sermos um povo
pacista, voltado à solução dos conitos internacionais através das negociações. Por isso
mesmo, creio ser da maior opor tunidade que se repita, nesta Const ituição democrática, o
preceito que foi introduzido na Ca rta de 1946 vedando a guerra d e conquista”.
1149“Desde a Constituição de Império (art. 102), é considerado que a declaração de guerra
pressupõe negociações pré vias que procurem evitá-la. A C onstituição republicana de 1891
(art. 34) preconizou o recu rso à arbitragem, cânone repe tido na Lei Magna de 1934 (art. 4º),
e retomado na de 1946 (art. 4º). Portanto, em uma longa t radição, o Direito Constit ucional
Brasileiro e avesso à e spécie de beligerância que ca racteriza o imperi alismo”. Justicativa à
emenda 19736, que propunha reins erir dispositivo vedando a g uerra de conquista.
1150“O que se condena é a guer ra de agressão, é a guerra de conquist a. Porque, muitas vezes,
o Estado participa de uma guerra malgrè lui même, porque ele é envolvido num conito
armado”. Vicente Marotta Ra ngel, supra nota 384, p. 7.
1151“A luta pela paz (...) deve ser uma das tarefas prioritárias da política externa brasileira”.
Brandão Monteiro, Diário da Assembléia Nacional Constituinte, Suplemento C, 27 de
janeiro de 1988, p. 912.
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DEFESA DA PAZ
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Durante a Constituinte, outro elemento associado à noção de defesa da
paz foi a preconização de políticas de desarmamento e desnuclearização.
Havia profundo receio entre os constituintes quanto aos riscos para a paz
mundial decorrentes da corrida armamentista naquele momento histórico.1152
Para muitos, era preciso alçar essa tarefa a nível constitucional, fazendo-a -
gurar entre as regras a guiar o Brasil nas relações internacionais.1153 No art. 26
do anteprojeto da Comissão de Soberania e dos Direitos indicavam-se áreas
em que o Brasil deveria agir em favor da paz mundial: a “união de todos os
Estados Soberanos contra a competição armamentista e o terrorismo”; o “de-
sarmamento geral, simultâneo e controlado”; a “dissolução de todos os blocos
político-militares” e o “estabelecimento de um sistema universal de seguran-
ça, com vistas à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a
paz e a justiça nas relações entre os povos”.1154 Essa convicção associava-se
também a propostas que proibiam a fabricação e o armazenamento de armas
nucleares em território nacional,1155 algo que viria a consagrar-se no art. 21,
inciso XXIII, alínea “a” da Constituição Federal.1156 As propostas de vedação
de toda atividade nuclear para ns bélicos, bem como o armazenamento ou
1152A emenda 497, parcialmente aprovada, de Maurício Nasser, incluía entre os princípios
constitucionais de relações internacionais a condenação ao armamentismo e à guerra,
ao lado da condenação ao colonialismo sob todas as formas, à discriminação racial e
ideológicas, ao ter rorismo e à tortura.
1153Algu ns chegaram a propor a vedação de exp ortar armamentos. A emenda 5 06 de Noel de
Carvalho estabelecia os princípios de “defesa da paz, preservação da autodeterminação
dos povos, do respeito às minorias; repúdio à guerra, à competição armamentista e ao
terrorismo”, e agregava, como imp erativos: “§ 1o. - Fica vedada a fabricação de a rmamento
bélico milit ar para ns de export ação. § 2o. - O Brasil não produzirá , nem mesmo a título
experimental, qualquer artefato nuclear para ns militares ou como fonte energética.
Justicativa: coerência com sua vocação pacista”. Em sua extensa justicativa, aduz,
entre outras coisas , que “negócio amoral, onde não há valores, nem pr incípios, a venda de
armas é inc ontrolável”.
1154Esse tex to deu lugar, na Comissão de Sistematiz ação, ao princípio de “defesa da pa z”.
1155O tema havia sido objeto de emend a popular apresentada à Comissão d e Sistematização
pelas seções paulistas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC/SP),
da Sociedade Brasileira de Física (SBF/SP) e da Associação Brasileira de Antropologia
(ABA/SP), a qual previa o dever do Brasi l de “envidar esforços em prol do desarma mento
nuclear mu ndial”.
1156Art. 21, XXIII (a) estabelece que a exploração de serviços e instalações nucleares de
qualquer natureza “em território nacional somente será admitida para ns pacícos e
mediante aprovação do Cong resso Nacional”.
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