Concessão de asilo político

Páginas595-650
Capítulo XIV
Concessão de
Asilo Político
A
etimologia oferece a melhor introdução ao conceito de asilo po-
lítico.2050 É com o signicado da não entrega do perseguido que
se encontra sob a proteção de algum tipo de organização (social,
política ou religiosa) que o instituto se desenvolveu ao longo do tempo.2051 Em
linha com a tradição jurídica latino-americana, o instituto tem longa trajetória
na prática diplomática brasileira, amparado sempre em princípios de huma-
nidade como justicativa para a concessão do benefício. Ausente em consti-
tuições anteriores, a inclusão do asilo político na Constituição de 1988 con-
solidou o compromisso histórico da sociedade brasileira com a proteção de
estrangeiros perseguidos por convicções políticas e religiosas.
Asilo político na Assembléia Constituinte
A inclusão do instituto do asilo político entre os princípios do art. 4º é
mais uma inovação da Carta de 1988.2052 Mas conceitos correlatos já vigiam
2050 “Asilo deriva del nombre griego asylon formado por la partícula priv ativa a, que signica
no y de la palabra asylao, que equiva le a quitar, arrebatar, saca r, extraer. Y eso quiere decir el
asilo: un refug io del que no se puede sacar, extraer a l a persona en él refugiada”. Luís Carlos
Zarate, El Asilo en el Derecho Intern acional Americ ano, Bogotá, Editoria l Iqueima, 1958,
p. 21. Cf. também Maria-Teresa Gil-Bazo, ‘Asylum as a General Pr inciple of International
Law’, 27 International Journa l of Refugee Law (2015), issue 1, Oxford, pp. 20-21.
2051 A prática é tão a ntiga quanto a humanidade. Egídio Rea le, “Le droit d’asile”, (1938) 63(1)
R.C.A.D.I., 473-601, pp. 475–476.
2052 A inclusão do asi lo político entre os princípios do art . 4º é mais um exemplo de inspiração
na constituição p ortuguesa de 1976, cujo art . 33 garante “o direito de asilo aos est rangeiros
e aos apátridas pers eguidos ou gravemente ame açados de persegu ição, em consequência
da sua activ idade em favor da democracia, da liber tação social e nacional, da pa z entre os
povos, da liberdade e dos d ireitos da pessoa humana”.
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JOÃO ERNESTO CHRISTÓFOLO
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desde a Constituição de 1934, no rol de direitos e garantias fundamentais.2053
À exceção da Constituição do Estado Novo, de 1937, as demais leis fundamen-
tais brasileiras proibiam expressamente a extradição de estrangeiro por “cri-
me político ou de opinião”.2054 Foi a partir dessa perspectiva subjetivista que o
processo deliberativo sobre asilo político se associou, no início da Assembléia
Constituinte, às discussões sobre direitos e garantias fundamentais:2055 como
instrumento de proteção a indivíduos que buscavam o benefício por motivo de
perseguição losóca, religiosa ou política.2056 Nessa lógica inicial, o instituto
constituía direito subjetivo de indivíduos em face do poder público e não facul-
dade soberana do Estado.2057
Ao longo da Constituinte, o dispositivo relativo ao asilo político foi re-
tirado do rol dos direitos e garantias fundamentais (que viria a constituir o
atual art. 5º) e, no Plenário, foi inserido no art. 4º como princípio de relações
internacionais. Ao justicar a emenda que promoveu essa mudança, Chagas
Neto armou que “o asilo político, diplomático ou territorial, não constitui
2053 Pedro Dalla ri, supra nota 2, p. 180.
2054 Prevista em circu lar do Barão do Cairu de 1847, a exceção de crime pol ítico à extradição
se reproduziu nas Const ituições de 1934 (art. 113, para. 31), de 1946 (art. 141, para. 33), de
1967 (art. 150. para 19) e de 1969 (art. 153, para 19). Artur de Brito Guei ros Souza, ‘Direito
de Asilo ao Estra ngeiro Perseguido’, in Ca rolina Valença Ferraz , Glauber Salomão Leite
(Org .), Direito à diversidad e, São Paulo, Editora Atlas, 2015, 525, pp. 536-537.
2055 Cândido Mendes , supra nota 374, p. 67.
2056 O anteprojeto apresentado pela Subcomis são dos Direitos e Garantias Ind ividuais incluía,
entre direitos e gara ntias individuais, o s eguinte dispositivo (§ 29): “têm direito de asi lo os
perseguidos em ra zão de suas ativ idades e convicçõe s políticas,  losócas ou religios as,
bem como em razão da defes a dos direitos consagrados nesta Cons tituição”. Agregava-se
ainda (§ 30) que “a negativa de asilo e a ex pulsão do refugiado ou estra ngeiro que o tenha
pleiteado subordinar-se- ão a amplo controle jurisdicional ”.
2057 “Estabelecemos ta mbém o direito de asilo, que é um pouco diferente. S egundo a tradição
latino-americ ana, sempre foi respeitado o d ireito do refugiado, do sujeito p erseguido
por suas convicções re ligiosas, políticas, ser abr igado no país recipiente. Mas a expressão
corrente nas Nações Unidas é de qu e precisava haver um temor justic ado de que ele estava
sendo perseguido por r azões polític as ou religiosas et c. Mas essa expres são inglesa well
founded fear é uma expressão nebu losa e dá margem de inter pretação ao país recipiente.
Estabelecemos que, nu m primeiro momento, o país do pri meiro asilo, o Brasi l não
discutir ia se ele veio por razões econômicas, por simples i migração ou se veio por razões
políticas, ma s ele caria sob custódia até que se apu rassem as verdadeiras ra zões. Mas não
poderia o Brasil ne gar-lhe o direito de asilo”. Lysâneas Maciel, 12ª Reuniã o Ordinária da
Subcomissão dos Direito s e Garantias Ind ividuais da Comis são da Soberania e dos Di reitos
e Garantias do Homem e d a Mulher, 13/5/1987, supra nota 374, p. 23.
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direito ou garantia de brasileiro ou estrangeiro residente, matéria objeto do
artigo 5º, mas princípio que tem a ver com as relações internacionais do Brasil,
matéria versada no artigo 4o. A contradição decorrente da colocação do dis-
positivo é manifesta”.2058 Prevalecia a concepção de que a concessão de asilo é
faculdade discricionária do Poder Executivo e não direito subjetivo de indiví-
duos estrangeiros em face do Estado brasileiro.2059 Não obstante, a inserção do
dispositivo na Constituição obedecia à lógica universalista e humanista que
orientou a formulação de outros princípios de relações internacionais. A refe-
rência ao asilo político associava-se à redemocratização em curso à época,2060
servindo como síntese entre a experiência particular brasileira e o desenvolvi-
mento normativo do instituto no direito internacional, sobretudo em âmbito
latino-americano.
O Instituto de Asilo Político no Direito Internacional
O conceito de asilo em acepção ampla refere-se ao direito humano de bus-
car e usufruir de proteção sob a jurisdição de um Estado estrangeiro em razão
de perseguição sofrida pelo indivíduo em um determinado país.2061 É com esse
sentido genérico, da perspectiva dos direitos subjetivos em face do Estado res-
ponsável pela perseguição, que se originou o instituto do asilo lato sensu no
direito internacional, tanto sob as modalidades de asilo político (diplomático
ou territorial stricto sensu), quanto de refúgio.2062 Tomado nesse sentido amplo,
como gênero de proteção concedida ao estrangeiro perseguido no exterior, o
2058 Emenda 2T01189-0.
2059 Manteve-se a regra proibiti va da extrad ição de estrangei ros por crime polít ico ou de
opinião entre os direitos e g arantias f undamentais consagrados no ar t. 5o, a exemplo das
constituiçõ es anteriores.
2060 Pedro Dallari, su pra nota 2, p. 182.
2061 Guy S. Goodw in-Gill, ‘ e 1967 Declaration on Territorial A sylum’, United Nations
Audiovisual Librar y of International Law, New York, United Nations, 2012.
2062 Em 1999, realizou-se, n a Cidade do México, sob os auspícios d a OEA, o chamado
“Seminar io Regional sobre Acciones Prá cticas en el Derecho de los R efugiados”. Nos
termos do parágr afo 6 da Parte II d a “Declaração de T latelolco sobre Ações Prátic as no
Direito dos Refugi ados na América Lat ina e no caribe”, “los tér minos “asilo” y “refugio”
(...) son sinónimos, porque extienden la protecc ión a extranjeros que la amer iten. El asilo es
la institución genéric a que permite la protección del Estado a las v íctimas de persecución,
cualquiera que se a el procedimiento, por med io del cual en la prác tica se formalic e
dicha protección, sea el rég imen de refugiados según la Convención de 1951 Relativa a e l
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