O dano-morte: a responsabilidade civil pela violação ao direito fundamental à vida

AutorNelson Rosenvald
Ocupação do AutorPós-doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic Oxford University. . Doutor e mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Professor Visitante na Universidade Carlos III. Professor do corpo permanente do doutorado e mestrado do IDP/DF. Procurador de Justiça do Ministério...
Páginas385-404
O DANO-MORTE:
A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA VIOLAÇÃO
AO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA
Nelson Rosenvald
Pós-doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-doutor em Direito Societário
na Universidade de Coimbra. Visiting Academic Oxford University. . Doutor e mestre
em Direito Civil pela PUC/SP. Professor Visitante na Universidade Carlos III. Professor
do corpo permanente do doutorado e mestrado do IDP/DF. Procurador de Justiça do
Ministério Público de Minas Gerais. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de
Responsabilidade Civil (IBERC).
Não tema a morte porque – se houver morte – você não está lá e –
e se você estiver lá – não há morte” (Epicuro)
Sumário: 1. Introdução – 2. O dano post mortem – 3. O dano ao morto enquanto vivo – 4. A morte como
fato ilícito de consequências múltiplas; 4.1 O dano reexo à morte; 4.2 O dano pré-morte – 5. O dano-
-morte como terceira via – 6. O dano-morte para além da função compensatória da responsabilidade
civil: vindicatory damages 7. A quanticação do dano-morte – 8. Conclusão – 9. Referências.
1. INTRODUÇÃO
No direito civil brasileiro não há previsão legal para o chamado dano-morte. O
dano que provoca a morte de uma pessoa é escassamente discutido pela doutrina e
praticamente ignorado pela jurisprudência. Contudo, esta não é originalmente uma
lacuna brasileira. Há muito, importantes doutrinadores tentam dar uma explicação
ao aforismo do lósofo Epicuro. A sua advertência é clara: se a pessoa não mais existe,
consequentemente não existe compensação pela privação de sua vida.
É da natureza das coisas que o fato jurídico morte descortina o cenário do direito
das sucessões, envolvendo a conexão entre o óbito e as situações jurídicas advindas
da transmissão do seu patrimônio.1 Porém, por muito tempo o direito negligenciou a
repercussão do fato jurídico morte em termos de responsabilidade civil, decorrente de
uma conduta de terceiro que se coloca como causa adequada para a abruta interrupção
de uma vida.
E pior, sem que se perceba, a evolução do ordenamento brasileiro, consistiu apenas
na preocupação com o dano reexo sofrido por aqueles que cam. Em um primeiro
momento através de uma indenização por luto e pela estipulação de alimentos aos depen-
1. Art. 1784, Código Civil Brasileiro: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos
e testamentários”.
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dentes e, mais recentemente, pela consagração do dano moral a uma classe de pessoas que
presumivelmente mantinha relações afetivas com a vítima de uma conduta antijurídica.
Porém, assim como ultimamente evoluímos no planejamento sucessório mediante
a gestão convencional dos efeitos jurídicos do fato jurídico morte, cremos que há es-
paço para visualizamos a morte enquanto fato ilícito, e as suas consequências sobre a
pessoa do morto, não mais como “de cujus” e sim como vítima de um ato que de forma
anômala mitigou o seu tempo de vida. Isto é fundamental, o dano não pode car com
quem o sofre, sendo a morte um fato que deve desencadear uma indenização autônoma,
transferindo-se o dano ao patrimônio do ofensor.
Três são as questões que se colocam: primeiro, se para além dos danos morais
sofridos pelos parentes próximos, o fato da morte da vítima primária dá lugar a um
dano autônomo indenizável (seja ou não morte instantânea); segundo, se os herdeiros
do falecido têm o direito de reclamar os danos que o falecido sofre durante o período
de tempo que decorre entre o dano e a morte. Terceiro, qual seria a natureza jurídica de
uma indenização pelo dano-morte
2. O DANO POST MORTEM
Qual é o cenário jurídico brasileiro atual? Inexiste indenização pelo dano-morte,
diante da supressão ilícita de uma vida. O fundamento para tanto consiste na própria
falta da pessoa a quem a perda do bem possa estar ligada e, em cujo espólio, a indenização
possa ser consolidada. O paradoxal é que, como veremos adiante, torna-se economica-
mente muito mais vantajoso matar uma pessoa instantaneamente do que lentamente e,
de fato, mais barato matar rapidamente do que feri-la gravemente.
Face à impossibilidade jurídica da indenização pelo dano-morte, quais são as al-
ternativas que se colocam? Antes de tratarmos propriamente dos danos que nascem da
morte em si, cabe referenciar brevemente os danos decorrentes de atos ilícitos posteriores
ao óbito e totalmente desvinculados do fato jurídico que ensejou a morte. Intitulo-os
como “danos post mortem”.
O parágrafo único do art. 12 do Código Civil2 defere tutela post mortem aos membros
da família pela ofensa à memória do falecido. Cuida-se de uma tutela póstuma da per-
sonalidade em atenção a bens jurídicos que não fenecem com o seu titular. Se é evidente
que a morte é o marco temporal da extinção dos direitos da personalidade, o legislador
reconhece a sua projeção em prol dos membros da família diante de uma violação da
honra, bom nome e imagem do de cujus, após o seu passamento. Nesse primeiro plano
não está em jogo um bem jurídico de titularidade originária do falecido transmitido
por efeito hereditário.
2. Art. 12 Código Civil Brasileiro: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e
reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de
morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente
em linha reta, ou colateral até o quarto grau”.
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