Responsabilidade civil por assédio judicial e o direito à liberdade de expressão

AutorAugusto Tanger Jardim e Fernanda Nunes Barbosa
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). / Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Páginas33-50
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ASSÉDIO
JUDICIAL E O DIREITO À LIBERDADE DE
EXPRESSÃO
Augusto Tanger Jardim
Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre
em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Professor da graduação e da pós-graduação em Direito da Fundação Escola Superior
do Ministério Público (FMP/RS). Advogado. E-mail: augusto_jardim@yahoo.com.br.
Fernanda Nunes Barbosa
Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre
em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora da
Graduação em Direito e do Mestrado em Direitos Humanos da UniRitter. Editora da
Série Pautas em Direito/Editora Arquipélago. Advogada. E-mail: fernanda@tjnb.adv.br.
Sumário: 1. Introdução – 2. O abuso do direito e o acesso à justiça – 3. A constitucionalização, a massi-
cação das relações sociais e o abuso do direito de demandar – 4. Casos brasileiros – 5. Assédio judicial,
judicialização predatória e autocensura – 6. Conclusão – 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Intimidações, ameaças, coações e mesmo a violência física sempre foram instru-
mentos utilizados por Estados, organizações e pessoas naturais na tentativa de conter o
uso da liberdade de expressão por outros iguais. Muito mais que um direito individual,
a liberdade de expressão constitui um direito social, coletivo, estrutural. Embora possa
ser reclamada pelos indivíduos, ela é precondição para um processo eminentemente
social, o da deliberação democrática. Quando o Estado mobiliza (ou deixa mobilizar) a
máquina pública para promover desinformação, polarização, reduzir a transparência e
deixar que os diferentes interesses sociais se autorregulem independentemente de suas
forças e dos valores que representem na sociedade ele não promove liberdade, mas a
sufoca.1
Promover a liberdade de expressão é também papel do Estado por meio de todos
os seus Poderes. O Estado é quem detém a autoridade de fazer valer esse direito para
todos, o que, em última análise, concretizará outro importante valor contemporâneo,
o da igualdade, agora numa compreensão material e não mais apenas formal. Quando
1. FISS aponta, por exemplo, que os ricos podem tão amplamente dominar os espaços publicitários na mídia e em
outros espaços públicos que só se possa ouvir a sua mensagem. “Consequentemente, a voz dos menos prósperos
pode ser soterrada”. FISS, Owen M. A ironia da liberdade de expressão: Estado, regulação e diversidade na esfera
pública. Trad. Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira Neto. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 48.
EBOOK RC E A LUTA PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.indb 33EBOOK RC E A LUTA PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.indb 33 01/06/2023 16:01:4701/06/2023 16:01:47
AUGUSTO TANGER JARDIM E FERNANDA NUNES BARBOSA
34
um Poder é utilizado com a nalidade de silenciar discursos, como se verica pela ins-
trumentalização do Judiciário nas chamadas demandas opressivas, tanto a liberdade
quanto a igualdade são violadas. E mais, com custos sociais e orçamentários para toda
a coletividade. Isso porque, “Na medida em que a garantia dos direitos depende da
vigilância judicial, os direitos custam no mínimo o montante necessário para recrutar,
treinar, fornecer, pagar e (como não?) monitorar os órgãos judiciais que guardam nossos
direitos básicos”.2
No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça do Poder Judiciário aprovou a recomen-
dação 127, de 15 de fevereiro de 2022, para o m de “recomendar aos tribunais a adoção
de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cercea-
mento de defesa e a limitação da liberdade de expressão. O fenômeno da judicialização
predatória foi levado ao Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário pelo
Ministério Público Federal, após denúncia da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
sobre o ajuizamento de ações ao redor do país contra um único jornalista devido a uma
publicação sua na rede social Twitter.3 Tratava-se do escritor J.P. Cuenca e o tuíte trazia
a seguinte frase: “O brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas
tripas do último pastor da Igreja Universal”. O escritor explicou que o tuíte era a paráfrase
de uma metáfora de quase 300 anos, na qual o sacerdote anticristão, materialista e ateu
Jean Meslier defendia que “o homem só será livre quando o último rei for enforcado
nas tripas do último padre”.
Com o declínio da censura imposta por outros Poderes em tempos autoritários,
aos juízes foi imposto o papel de censores, por uma pessoa, ou grupo de pessoas, com
a pretensão de fazer valer seus valores sobre o restante da sociedade por meio estranho
ao processo democrático. É sobre o uso disfuncional dos direitos, em especial do acesso
à justiça, com o m de constranger o pleno exercício do direito fundamental à liberda-
de de expressão e suas consequências no terreno da responsabilidade civil que trata o
presente texto.
Para enfrentar esse problema, o presente artigo propõe-se a, em um primeiro
momento, reetir sobre o exercício abusivo do direito de ação e como a massicação
das relações sociais pode impactar na sua caracterização e, em um segundo momento,
apresentar casos em que o exercício abusivo do direito de demandar congura judicia-
lização predatória que, além de causar prejuízos à parte passíveis de reparação, viola o
direito fundamental à liberdade de expressão.
2. O ABUSO DO DIREITO E O ACESSO À JUSTIÇA
É premissa essencial do estado democrático de direito, como o próprio nome sugere,
que os indivíduos possam exercer de forma plena seus direitos, seja em face do Estado,
2. HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. O custo dos direitos: por que a liberdade depende dos impostos? São
Paulo: Martins Fontes, 2019, p. 32.
3. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/les/original185501202202116206b105e6170.pdf. Acesso em: 10 ago.
2022.
EBOOK RC E A LUTA PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.indb 34EBOOK RC E A LUTA PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.indb 34 01/06/2023 16:01:4701/06/2023 16:01:47

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT