População transgênero, direitos fundamentais e responsabilidade civil

AutorLeandro Reinaldo da Cunha
Ocupação do AutorPós-doutorado e doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ? PUC/SP e Mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos ? UNIMES. Professor Titular-Livre de Direito Civil da Universidade Federal da Bahia (graduação, mestrado e doutorado). Líder dos grupos de pesquisa 'Direito e Sexualidade' e 'Conversas ...
Páginas275-290
POPULAÇÃO TRANSGÊNERO, DIREITOS
FUNDAMENTAIS E RESPONSABILIDADE CIVIL
Leandro Reinaldo da Cunha
Pós-doutorado e doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC/SP e Mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos –
UNIMES. Professor Titular-Livre de Direito Civil da Universidade Federal da Bahia
(graduação, mestrado e doutorado). Líder dos grupos de pesquisa “Direito e Sexuali-
dade” e “Conversas Civilísticas”. leandro.reinaldo@ufba.br.
Sumário: 1. Introdução – 2. População transgênero e sua delimitação – 3. Ofensa aos direitos fundamen-
tais da população transgênero e a responsabilidade civil; 3.1 Direito à vida e à saúde; 3.1.1 Expectativa
de vida e homicídios; 3.1.2 Atendimento médico e processo transexualizador; 3.1.3 Integridade física em
estabelecimentos prisionais; 3.2 Direito à igualdade e à diferença; 3.3 Direito à educação; 3.4 Direito ao
nome e à sexualidade – 4. Responsabilidade civil e a leniência legislativa do Estado – 5. Considerações
nais – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Pessoas transgênero são pessoas e, portanto, destinatárias de todos os direitos
fundamentais previstos e garantidos.
Muitas vezes até mesmo o óbvio precisa ser exaltado para que não seja esquecido.
Ou ignorado.
Os dias atuais nos colocam inseridos em uma sociedade dinâmica, dotada de acesso
à informação praticamente ilimitado, restrito apenas pelo interesse individual de cada
um. O espetáculo da inserção digital que atinge um grande percentual da população
brasileira e mundial nos oferta um mundo de possibilidades innitas, sendo possível
se informar acerca de praticamente todos os temas imagináveis.
Contudo não podemos olvidar que é pouco recorrente que as pessoas busquem
informações sobre temas que não as toca diretamente ou acerca dos quais nunca ouviu
falar. Ou mesmo aqueles sobre os quais possuem uma compreensão pré-concebida (e
nem sempre das mais qualicadas), fundada em um “conhecimento geral” adquirido
pela sua vivência ou então por tudo o que “já ouviu falar”.
Nesse contexto é comum que temas complexos sejam tomados como dominados
por uma enorme parcela da população sem que efetivamente tenham o adequado en-
tendimento do assunto, o que pode dar azo a uma enormidade de equívocos, os quais,
em sua conguração extrema, ensejadores de danos, discriminações e preconceitos.
Evidentemente que os parâmetros da sexualidade de cada pessoa compõem a
sua essência, motivo pelo qual não podem jamais ser dela apartado. Todo e qualquer
ser humano há de ser entendido e respeitado em suas características nucleares, o que
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engloba, necessariamente, aspectos relativos à sua sexualidade como um todo, abran-
gendo seus pilares de sustentação, quais sejam, o sexo, o gênero, a orientação sexual e
a identidade de gênero.
O fato que atualmente se verica é que aqueles que não estão inseridos nos contex-
tos majoritários da sexualidade acabam por ser destinatários de uma menor proteção
jurídica, como se seus direitos fundamentais fossem menores ou que pudessem ser
ignorados ou relegados.
Exatamente em face dessa realidade é premente que se entenda os aspectos basilares
que compõem a sexualidade, como os direitos fundamentais incidem sobre tais pessoas
e as consequências de uma proteção ineciente para tais pessoas.
2. POPULAÇÃO TRANSGÊNERO E SUA DELIMITAÇÃO
O ponto inicial para garantir a plena compreensão do que se busca trazer no presente
texto versa sobre a população transgênero. Os transgêneros inserem-se como uma das
possibilidades consideradas quando da aferição da identidade de gênero das pessoas,
sendo essa entendida como a percepção que o indivíduo possui acerca do seu gênero,
independentemente do sexo que lhe foi atribuído quando de seu nascimento.
Nesse contexto, quando a pessoa se reconhece como pertencendo ao gênero que
seria o esperado em decorrência do sexo indicado no momento de seu nascimento se
arma que se trata de uma pessoa cisgênero. Se, de outra sorte, houver uma incompa-
tibilidade entre o sexo atribuído e o gênero ao qual a pessoa entende-se pertencente, há
a conguração da condição de transgênero.
À guisa de esclarecimento é pertinente pontuar aqui que a identidade de gênero
não é uma opção ou escolha do indivíduo,1 tampouco se confunde com o sexo (enten-
dido aqui como aspecto físico da conguração genital do indivíduo), com o gênero em
si (aspectos sociais e culturais ordinariamente vinculados ao sexo) ou mesmo com a
orientação sexual (a quem se direciona a atração afetivo-sexual da pessoa).
Elucidada tal questão podemos nos concentrar naqueles que podem ser inseridos
na condição de transgêneros, como os transexuais e as travestis, principais categorias
para a discussão que se pretende entabular no presente texto.
Não há uma caracterização muito clara de discernimento entre transexuais
e travestis, sendo certo que parte da comunidade até mesmo trata as expressões
como sinônimos. Todavia, seguindo um padrão que já utilizamos há tempos, tra-
balhamos com a percepção de que a distinção estaria na existência de uma repulsa
ou ojeriza com relação aos órgãos genitais que levaria os transexuais a almejarem
(não necessariamente efetivarem) mudanças em sua genitália visando adequar o
1. CUNHA, Leandro Reinaldo da. Direitos dos transgêneros sob a perspectiva europeia. Revista Debater a Europa,
n. 19, p. 49. 2018.
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