Desafios da liberdade de expressão nas redes sociais e o papel da responsabilidade civil no direito brasileiro frente à tese da posição preferencial

AutorCarlos Eduardo Pianovski Ruzyk
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito pela UFPR. Professor de Direito Civil da UFPR. Presidente Estadual do IBDFAM/PR. Membro do IBERC. Advogado. Árbitro.
Páginas89-106
DESAFIOS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
NAS REDES SOCIAIS E O PAPEL
DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO
BRASILEIRO FRENTE À TESE
DA POSIÇÃO PREFERENCIAL
Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk
Doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Professor de Direito Civil da UFPR. Presidente
Estadual do IBDFAM/PR. Membro do IBERC. Advogado. Árbitro.
Sumário: 1. Introdução – 2. Do desenho da liberdade de expressão na constituição brasileira – 3. Redes sociais,
liberdade de expressão, e potencial lesivo: la calunnia è un venticello 4. Da opção do Marco Civil da Internet
quanto ao dever de apagar postagens – 5. Disponibilidade relativa dos direitos fundamentais e autonomia
privada – 6. À guisa de conclusão: alguns critérios para o controle das limitações à liberdade de expressão
dos usuários realizadas pelos provedores no cumprimento de suas condições gerais de contratação.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem o escopo de analisar o papel da responsabilidade civil frente
à liberdade de expressão nas redes sociais.
O estudo passa, por conseguinte, pelo perl constitucional da liberdade de expres-
são, como garantia/direito fundamental, assim como pela sua apreensão no âmbito da
Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).
Um duplo escopo compõe o objetivo deste artigo: (A) o exame do emprego lesivo
da liberdade de expressão pelo usuário, no que diz respeito ao desenho da responsabi-
lidade civil do provedor, e (B) a análise sobre o controle, pelo provedor, da liberdade de
expressão do usuário.
Circunscreve-se o estudo proposto ao âmbito da responsabilidade civil na relação
entre particulares, sem pretender, assim, examinar eventuais mecanismos regulatórios
por meio de outros ramos do Direito – ainda que as premissas aqui desenvolvidas, à
luz da metodologia civil-constitucional, possam indicar, mesmo que pontualmente,
balizas também a esses mecanismos, sobretudo no que tange à simbiótica relação entre
liberdade de expressão e democracia e ao princípio da proporcionalidade.
2. DO DESENHO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA
O inevitável ponto de partida da análise a respeito da responsabilidade civil de
provedores de Internet no âmbito das redes sociais consiste no exame do desenho
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da liberdade de expressão na ordem constitucional brasileira. Trata-se de etapa in-
dispensável, seja para compreender como pode se congurar dano indenizável (ou
passível de tutela de remoção de ilícito) causado pelo agente no exercício da liberdade
de expressão, com sua eventual repercussão sobre a esfera jurídica do provedor, seja
para investigar eventual responsabilidade civil do provedor por violação à liberdade
de expressão do usuário.
Esse desenho constitucional aponta para aquilo que se denomina posição preferen-
cial da liberdade de expressão.1 Embora não isenta de controvérsia doutrinária,2 a tese da
posição preferencial é contemplada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.3
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal rmou historicamente esse enten-
dimento, a partir do precedente decorrente da ADPF 130.4
A posição preferencial constitucionalmente definida em proveito da liberdade
de expressão frente a outros direitos constitucionalmente assegurados não consiste,
1. Em diferentes ordenamentos jurídicos, o desenho da liberdade de expressão pode variar consideravelmente,
sobretudo quanto à extensão e aos fundamentos das limitações impostas ao seu exercício. Sobre o tema, BRU-
GGER, Winfried. Proibição ou proteção do discurso do ódio? Algumas observações sobre o direito alemão e o
americano. Revista de Direito Público, v. 15, n. 117, Brasília, jan.-mar. 2007, e SARMENTO, Daniel. A liberdade
de expressão e o problema do hate speech. Revista de Direito do Estado. ano 1, n. 4, p. 56, Rio de Janeiro: Renovar,
out./dez. 2006.
2. Exemplo disso é o Enunciado 613 da VIII Jornada De Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “A liber-
dade de expressão não goza de posição preferencial em relação aos direitos da personalidade no ordenamento
jurídico brasileiro”. Em respaldo a essa concepção crítica, ver SCHREIBER, Anderson. Liberdade de Expressão
e Tecnologia. SCHREIBER, Anderson; MORAES, Bruno Terra de; TEFFÉ, Chiara Spadaccini de (Coord.).
Direito e mídia: tecnologia e liberdade de expressão. Indaiatuba, São Paulo: Foco, 2020, p. 8; FACCHINI NETO,
Eugenio; RODRIGUES, Maria Lúcia Boutros Buchain Zoch. Liberdade de expressão e discurso de ódio: o direito
brasileiro à procura de um modelo. Espaço Jurídico Journal of Law [EJJL], [S. l.], v. 22, n. 2, p. 481-516, 2021.
DOI: 10.18593/ejjl.29220. Disponível em: https://periodicos.unoesc.edu.br/espacojuridico/article/view/29220.
Acesso em: 8 mar. 2023; SOARES, Felipe Ramos Ribas; MANSUR, Rafael (2020). A tese da posição preferencial
da liberdade de expressão frente aos direitos da personalidade: análise crítica à luz da legalidade constitucional.
SCHREIBER, Anderson; MORAES, Bruno Terra de; TEFFÉ, Chiara Spadaccini de (Coord.). Direito e mídia:
tecnologia e liberdade de expressão. Indaiatuba, São Paulo: Foco, 2020.
3. Conforme Ingo Sarlet, ao explicar a tese prevalente no STF, “mesmo que, em um primeiro momento, a CF assegure
um idêntico status protetivo a privacidade e a garantia da liberdade de manifestação e expressão, percebe-se que,
em relação à segunda, o texto constitucional entendeu por bem ser mais explícito e detalhista no que se refere
aos critérios de controle e de restrição dessa liberdade, tal como se vê das regras constitucionais contidas nos
artigos 220 e 221. Isso porque a CF, além de xar de antemão impedimentos legislativos (§§ 1º e 3º do artigo 220),
entendeu por bem já prever a proibição categórica à censura (§ 2º do artigo 220), assim como xar princípios
diretivos que deverão guiar a produção publicitária, de rádio e de televisão (§§ 4º, 5º e 6º do artigo 220 e artigo
221). Tal opção constitucional pode ser interpretada como sendo um sinal de que o Constituinte foi mais seletivo
no que se refere às restrições que poderão ser aplicadas à liberdade de imprensa, de manifestação de pensamento
e de expressão do que foi em relação à proteção da intimidade e da privacidade, a qual deverá contar com uma
ponderação a posteriori para identicar as situações de grave e intolerável interferência na esfera de proteção
privada. Essa opção do constituinte de 1988 pode ser interpretada como indicando a escolha constitucional
por tratar restrições à liberdade de manifestação e expressão como sendo algo excepcional, exigindo que even-
tuais restrições adicionais necessitem de um esforço argumentativo diferenciado e mais intenso que consiga
justicar a necessidade particular de uma nova limitação”. SARLET, Ingo Wolfgang. Liberdade de expressão e
o problema da regulação do discurso do ódio nas mídias sociais. Rei – Revista Estudos Institucionais, [S.l.], v. 5,
n. 3, p. 1207-1233, dez. 2019. ISSN 2447-5467. Disponível em: https://estudosinstitucionais.com/REI/article/
view/428/443. Acesso em: 08 março 2023. doi:https://doi.org/10.21783/rei.v5i3.428.
4. STF – ADPF 130 – Rel. Min. Ayres Britto, DJE: 06.11.2009.
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