Deveres do colunista: há limites à liberdade de opinar?

AutorGuilherme de Mello Franco Faoro e Felipe Zaltman Saldanha
Páginas283-302
DEVERES DO COLUNISTA:
HÁ LIMITES À LIBERDADE DE OPINAR?
Guilherme de Mello Franco Faoro
Advogado. Mestre em Direito Civil pela UERJ.
Felipe Zaltman Saldanha
Advogado. Mestre em Direito Civil pela UERJ. Mestre em Law & Economics pela Eu-
ropean Masters in Law and Economics (Università di Bologna, Gent Universiteit and
Erasmus University Rotterdam).
1. INTRODUÇÃO
Recentemente, Felipe Moura Brasil e a Revista Veja foram condenados a indenizar
o ex-ministro Carlos Minc por terem escrito e publicado coluna na qual se af‌irmava
que o político estaria “sempre ao lado dos bandidos”. A jornalista Monica Iozzi, por
sua vez, foi processada pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes,
por postagens em sua conta do Instagram nas quais af‌irmava que “Gilmar Mendes
concedeu Habeas Corpus para Roger Abdelmassih, depois de sua condenação a 278 anos
de prisão por 58 estupros”, “se um ministro do Supremo Tribunal Federal faz isso... Nem
sei o que esperar...”. Arthur Xexéo, ao comentar a eleição da ex-governadora do Rio
de Janeiro, Rosinha Garotinho, disse: “dormi domingo acreditando que teríamos um
2º turno e acordei com Rosinha na cabeça. Que ressaca! Rosinha ganhou, mas ganhou
escondida. Foi tudo muito estranho”. Já Reinaldo Azevedo af‌irmou que a cartunista
Laerte seria “um farsante. E nem me ref‌iro ao fato de ele ter decidido parar de se vestir
de homem para ser baranga na vida. Fosse uma sílf‌ide, sua ética não seria melhor. Não
é a mulher horrenda que há nele que o faz detestável, mas o que há de estúpido”. Nada
melhor do que fatos da vida real para demonstrar, desde já, a importância do tema
alvo do presente artigo.1
Nos dias de hoje, parece lugar comum falar que a todos é assegurado o direito à
liberdade de expressão, especialmente por ter sido este direito positivado na Consti-
tuição Federal de 1988. Ainda assim, nestes tempos que ainda não foram capazes de
deixar de lado o recente histórico de mordaça à imprensa livre e de apagar da lembran-
ça coletiva a f‌igura do censor, a liberdade de expressão vem sendo constantemente
reaf‌irmada e citada até mesmo como um supraprincípio dentre o rol relacionado aos
1. A ação movida por Rosinha Garotinho contra o jornalista Arthur Xexéo, motivada pelo comentário acima
transcrito, foi julgada improcedente no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 2005, conforme
noticiado à época (Disponível em https://consultorjuridico.com.br/2005-ago-15/colunista_globo_nao_inde-
nizar_rosinha. Acesso em 01.08.2019). Já a ação judicial movida por Laerte em decorrência dos comentários
de Reinaldo Azevedo será devidamente analisada na parte f‌inal do artigo.
GUILHERME DE MELLO FRANCO FAORO E FELIPE ZALTMAN SALDANHA
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direitos fundamentais.2 Há pouco tempo, a mídia buscava eternizar a frase célebre
da Ministra Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ação
direita de inconstitucionalidade n° 4.815: “cala boca já morreu”.
O presente artigo busca contribuir para um dos principais dilemas envolvendo
a possibilidade de mitigação de tal princípio por meio da técnica da ponderação,
tratando especif‌icamente da liberdade de expressão do colunista. Isso porque exis-
tem casos em que a liberdade de expressão irrestrita do prof‌issional afetará outros
interesses que também merecem tutela constitucional, principalmente os direitos da
personalidade que, ao f‌im, buscam garantir proteger ao máximo a pessoa humana.
Como se verá, a opinião expressa por um colunista guarda particularidades que
deverão ser levadas em consideração quando da análise, seja de uma reprimenda
prévia, impedindo que o colunista venha a publicar sua opinião, seja de posterior
reparação por meio dos mecanismos disponibilizados pela responsabilidade civil.
O presente estudo se divide da seguinte forma. No título II, é feita uma breve
introdução teórica dos princípios da liberdade de expressão e de imprensa. No título
III, adentra-se no ofício do colunista, endereçando as particularidades dos interesses
contrapostos no atuar daquele que em diversas ocasiões criticará terceiros, para então,
no título IV, tratar dos limites ao direito de crítica. Tais limites, que se encontrarão
na maioria dos casos delimitados pelos direitos da personalidade e pela tutela da
dignidade da pessoa humana, são explorados no título V, sendo o título VI dedicado
ao estudo da colisão entre os interesses envolvidos. Por f‌im, é feita uma análise dos
remédios existentes para a efetiva tutela dos direitos da personalidade quando pre-
valecentes na técnica da ponderação (título VII), e do caso envolvendo a cartunista
Laerte, buscando trazer a discussão teórica para o plano fático.
2. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O PAPEL DA IMPRENSA
Não é nenhuma novidade o fato de ser a liberdade de expressão um valor vital a
qualquer regime democrático. A estima que goza tal prerrogativa nas constituições
dos mais variados países do globo advém, como há muito se sustenta, de dois polos
legitimadores distintos, mas organicamente coexistentes:3 o do interesse individual
do emissor, já que a liberdade de se expressar é um pressuposto à sua dignidade;4 e o
do interesse social na obtenção da verdade, sendo esta, no f‌inal das contas, alcançada
2. “A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser
uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades”, STF, Reclamação n. 18.638,
Min. Rel. Roberto Barroso, julg. 02.05.2018.
3. Cf. BARBOSA, Fernanda Nunes. Biograf‌ias e liberdade de expressão. Porto Alegre: Arquipélago Editorial,
2016, pp. 97-98.
4. BODIN DE MORAES, Maria Celina. Honra, liberdade de expressão e ponderação: comentários ao acórdão no
REsp. nº 1.021.688/RJ (Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 16/7/2009). In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo (Co-
ord.) O Superior Tribunal de Justiça e a reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,
p. 605-606.

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