Retificação de informação através do direito de resposta: propostas para o seu reconhecimento

AutorDanielle Fernandes Bouças e Marina Duque Moura Leite
Páginas383-403
RETIFICAÇÃO DE INFORMAÇÃO ATRAVÉS
DO DIREITO DE RESPOSTA:
PROPOSTAS PARA O SEU RECONHECIMENTO
Danielle Fernandes Bouças
Mestre em Direito Civil pela UERJ. Pós-Graduada em Direito Civil pela UERJ. Pós-
-Graduada em Direito Processual pela Universidade Cândido Mendes. Advogada.
Marina Duque Moura Leite
Mestre em Direito Civil pela UERJ. Advogada.
1. INTRODUÇÃO
Clarice Lispector em um de seus aforismos clássicos menciona que o erro das
pessoas inteligentes é o mais grave: elas têm argumentos que o provam. Essa é a par-
ticularidade que marca a informação def‌iciente emitida pelos mais diversos meios
de comunicação. Seja pela reputação no mercado, pela qualif‌icação do emissor da
informação, pelos demais embasamentos presentes na notícia que supostamente
provariam o que lá restou informado; a mídia costuma respaldar sua atuação em
inúmeros argumentos, o que dif‌iculta tanto a prova contrária da suposta vítima da
informação defeituosa ou distorcida, quanto a cessação da veiculação das informações
alegadamente danosas, provenientes de um emissor que, em regra, inspira conf‌iança
no público.
O conf‌lito entre os veículos de informação que divulgam informações danosas
nem sempre ancoradas em fatos e provas e as pessoas, físicas ou jurídicas, atingidas
por elas foi uma das forças motrizes do presente trabalho.
Na linha do pensamento de Lispector, muitas vezes, os veículos de comuni-
cação social empregam a suposta posição preferencial da liberdade de expressão
como argumento insuperável e escudo contra a retif‌icação da informação danosa
inverídica. Pela pressa ao propagar o “furo” antes da concorrência ou até gerar mais
cliques, muitas vezes se informa com negligência, valendo-se de exageros aos fatos
e de af‌irmações categóricas quando os elementos reunidos pelo emissor permitiriam
apenas especulações e suposições.
Um dos remédios historicamente encontrados para situações como essa é o
direito de resposta, o qual permite que a parte prejudicada, no mesmo veículo em
que foi atingida, realize sua resposta, proporcional ao agravo.
Em estudo específ‌ico do tema, Fábio Carvalho Leite ressalta que é mais comum
requerer-se apenas indenização quando caberia o pedido de direito de resposta e
que os magistrados tendem a conceder direito de resposta, quando requerido, em
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conjunto também com a condenação pecuniária ao pagamento de danos morais.1
Outra conclusão que o autor obteve em sua pesquisa é que haveria uma zona cinzenta
em casos de simples resolução, seja pela procedência ou improcedência do pedido
e, o que se tem na prática, é uma incoerência “pela variação de entendimento pelas
diversas instâncias que julgam um mesmo processo”.2
Assim, a mídia ou bem assume os riscos de sua atuação ao publicar a notícia,
ou tem, de certo modo, a sua liberdade de expressão ferida ao deixar de publicar
algo que pode ser considerado lesivo por entender que há risco de condenação em
divulgar determinada notícia.
Em processo que tramitou perante o Tribunal de Justiça do Estado Rio de
Janeiro,3 um político apresentou agravo interno em face de decisão emitida pela
terceira Vice-Presidência do Tribunal que, por sua vez negou seguimento a recurso
extraordinário no qual se defendia a condenação de jornalistas em danos morais
ante conteúdo supostamente inverídico. Tratava-se de matéria divulgada tanto em
jornal físico quanto em via digital em que lhe foi atribuída propriedade de um imóvel
decorrente de suposto benefício oriundo de relação com doleiro. O político ressaltou
que o fato não fora comprovado e que, ao divulgá-lo, a imprensa agiu sem cautela e
sem ressalvas.
Em interessante ponderação, o Tribunal f‌luminense entendeu que o acórdão
vergastado pontuou que os jornalistas adotaram todas as precauções necessárias à
publicação e não incorreram em excesso de qualquer natureza, motivo pelo qual o
agravo foi conhecido e não provido.4
Tal exemplo demonstra a complexidade das questões que envolvem a aplicação
do direito de resposta, que em regra abrange questionamentos sobre a veracidade de
informações controvertidas, a diligência vinculada à atividade jornalística ao apu-
rar a informação, bem como a relatividade do direito de liberdade de comunicação,
pontos que serão abordados a seguir.
O que se pretende com o presente artigo é a análise, à luz da jurisprudência, do
manejo da retif‌icação como uma forma de exercício do direito de resposta. A partir do
estudo do tratamento atual do tema, propõe-se o correto reconhecimento do direito
de retif‌icação mediante balizas sugeridas para melhor conf‌iguração da responsabili-
1. “Os dados apresentados no artigo sugerem que: (i) os autores das ações judiciais tendem a não requerer
direito de resposta, apenas indenização; (ii) os magistrados tendem a conceder direito de resposta, quando
requerido, mas (praticamente em todos os casos, com uma única exceção) condenando os réus também em
indenização por danos morais. Desconheço a causa desta resistência dos magistrados em condenar os réus
apenas a concederem direito de resposta, mas é possível especular sobre as consequências”. (LEITE, Fábio
Carvalho. Por uma posição preferencial do direito de resposta nos conf‌litos entre liberdade de imprensa
e direito à honra. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 7, n. 2, 2018. Disponível em:
por-uma-posicao-preferencial/>. Data de acesso 11.08.2019.)
2. LEITE, Fábio Carvalho. ibidem. Data de acesso 11.08.2019.
3. TJRJ, Processo nº 0353381.17.2015.8.19.0001.
4. TJRJ, Agravo Interno no Recurso Extraordinário nº 0353381-17.2015.8.19.0001, Órgão Especial, Relatora
Desembargadora Maria Augusta Vaz Monteiro de Figueiredo, j. 20.08.2018.
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dade civil subjetiva, quais sejam: dano à pessoa ofendida, culpa por parte do ofensor
e nexo causal entre a conduta e o dano.
Também será objeto de análise a particularidade da lesão que permite o manejo
do direito de resposta. Enquanto a ignorância, a não informação, é uma página em
branco, a informação errada assemelha-se a uma página já escrita, que demanda que
primeiro o erro seja apagado para após ser corrigido. O erro impõe que primeiro se
ande para trás com o já caminhado de forma equivocada para que então ainda se ande
mais para que se chegue f‌inalmente até a verdade.5 Assim, é através da correção da
informação que se tutela tanto a pessoa lesada pela notícia como também se permite
que quem a tenha absorvido possa reaproximar-se da verdade. 6
Como se verá a seguir, em que pese a relevância da liberdade de imprensa e da
livre expressão do pensamento, não é razoável que a informação errada ou distorcida
seja merecedora de tutela irrestrita, quando então será cabível o direito de resposta.
2. O DIREITO DE RESPOSTA E SUA DISCIPLINA NORMATIVA
O direito de resposta consiste em um poder atribuído à pessoa física ou jurídica
de fazer inserir no veículo de comunicação que a ofendeu uma nova versão dos fatos,
na qual defenderá sua interpretação a respeito deles ou retif‌icará fatos inverídicos.7 Seu
exercício possibilita ao ofendido exigir a publicação de esclarecimento, a elucidação
ou o exercício do contraditório ao conteúdo divulgado pelo ofensor, nas mesmas
condições em que houve a exposição inicial.8
5. Adaptado da frase do escritor inglês, Charles Caleb Colton, “It is almost as diff‌icult to make a man unlearn
his errors as his knowledge. Mal-information is more hopeless than non-information; for error is always more
busy than ignorance. Ignorance is a blank sheet, on which we may write; but error is a scribbled one, on which we
must f‌irst erase. Ignorance is contented to stand still with her back to the truth; but error is more presumptuous,
and proceeds in the same direction. Ignorance has no light, but error follows a false one. The consequence is, that
error, when she retraces her footsteps, has further to go, before she can arrive at the truth, than ignorance”.
6. Fábio Carvalho Leite, inclusive, defende que haveria uma posição preferencial do direito de resposta sobre
a indenização pecuniária: “(...) apontar vantagens do direito de resposta nesse mesmo contexto, proponho
que o direito de resposta seja considerado uma espécie de sanção preferencial, em comparação com a inde-
nização por danos morais.” (LEITE, Fábio Carvalho. ibidem. Data de acesso 11.08.2019)
7. CRETELLA NETO, José et al. Comentários à lei de imprensa: Lei n. 5.250. de 09.02.1967, e alterações inter-
pretadas à luz da Constituição Federal de 1988 e da Emenda Constitucional n. 36, de 28.05.2002. Rio de
Janeiro: Forense, 2008, pp. 150-151.
8. Noemi Mendes Siqueira Ferrogolo af‌irma que: “O direito de resposta e de retif‌icação constitui-se em um
específ‌ico direito de expressão, uma contramensagem, cujo conteúdo é def‌inido pela primeira mensagem,
uma vez que seu objeto é sempre uma informação transmitida por órgão de comunicação social que tenha,
de qualquer modo ou forma, atingido alguém que demonstre interesse em se defender” (FERRIGOLO,
Noemi Mendes Siqueira. Liberdade de expressão: direito na sociedade da informação: mídia, globalização e
regulação. São Paulo: Editora Pilares, 2005, p. 155). Célia Zisman trata do direito de resposta como reação
ao abuso da liberdade de expressão: “O abuso do direito de liberdade de expressão ocorre sempre que se
ferir a honra, a imagem, a vida privada ou a intimidade de alguém, ou mesmo de certo grupo, ou ainda de
pessoa jurídica, o que resulta em obrigatoriedade de reparação dos danos, morais e patrimoniais, por aquele
que cometeu o abuso, bem como em responsabilidade penal, em casos determinados. Por outro lado, há o
direito de resposta, daquele que se sentiu ofendido, e que pode manifestar-se pelo mesmo veículo em que
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O Decreto n. 4.743/1923 foi o primeiro a tratar expressamente do direito de res-
posta no Brasil, ao dispor que os gerentes de jornal ou periódicos tinham a obrigação
de inserir, dentro de três dias, a resposta de toda pessoa atingida por ofensas diretas
ou referências a fatos inverídicos ou errôneos que pudessem afetar a sua reputação
e boa fama.9 As Constituições Federais que vieram em seguida, nos anos de 1934,10
1937,11 194612 e 196713, previram o direito de resposta como contraponto à livre
manifestação do pensamento.
Posteriormente, a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/1967) regulou de forma mais
detalhada a legitimidade ativa e passiva, o procedimento e a forma de exercício do
direito de resposta.14 Contudo, em 2009, no julgamento da Arguição de Descumpri-
mento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, o Plenário do Supremo Tribunal Federal
declarou tal lei como não recepcionada pela Constituição de 1988.15 No acórdão,
destacou-se que o direito de resposta é exercitável com fundamento direto no artigo
5º, inciso V, da atual Constituição,16 do qual se extrai norma dotada de ef‌icácia plena
e de aplicabilidade imediata.17
foi propagada a ofensa” (ZISMAN, Célia Rosenthal. A liberdade de expressão na Constituição Federal e suas
limitações: os limites dos limites. São Paulo: Livraria Paulista, 2003, p. 124).
9. Também chamado de Lei Adolfo Gordo, o Decreto n. 4.743/1923 tratou do direito de resposta em seu artigo
16, verbis: “Os gerentes de um jornal ou de qualquer publicação periódica são obrigados a inserir, dentro
de três dias, contados do recebimento a resposta de toda a pessoa natural ou jurídica que for atingida em
publicação do mesmo jornal ou periódico por ofensas diretas ou referências de fato inverídico ou errôneo,
que possa afetar a sua reputação e boa fama”.
10. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, art. 113, n. 9.
11. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937, art. 122, n. 15.
12. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 15 de setembro de 1946, art. 141, §5.
14. A Lei de Imprensa tratou especif‌icamente do direito de resposta nos artigos 29 a 36.
15. Destaca-se o seguinte trecho da ementa do acórdão da ADPF 130: “NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI
5.250 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. 10.1. Óbice lógico à confecção de uma lei de imprensa
que se orne de compleição estatutária ou orgânica. A própria Constituição, quando o quis, convocou o
legislador de segundo escalão para o aporte regratório da parte restante de seus dispositivos (art. 29, art. 93
e § 5º do art. 128). São irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo
ou substrato da liberdade de informação jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na própria
interdição da prévia interferência do Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade
normativa que, em tema elementarmente de imprensa, surge e se exaure no próprio texto da Lei Suprema.
10.2. Incompatibilidade material insuperável entre a Lei n° 5.250/67 e a Constituição de 1988. Impossibi-
lidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina toda a Lei de
Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de que para cada
regra geral af‌irmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo desfaz; b) quanto
ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização
de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no País. 10.3 São
de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/67 com a Constituição, seja
mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o emprego dessa ref‌inada
técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de ‘interpretação conforme a Constituição’”
(STF, Tribunal Pleno, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, j. 30.04.2009, publ. 6.11.2009).
16. CFRB/88, verbis, art. 5º, V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem”.
17. Na ementa do acórdão da ADPF 130, o STF esclareceu que: “O direito de resposta, que se manifesta como
ação de replicar ou de retif‌icar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua
honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal.
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Atualmente, além de ser assegurado constitucionalmente, o direito de respos-
ta é previsto pelo Pacto de San José da Costa Rica, no seu artigo 14,18 e pela Lei nº
13.188/2015,19 que dispõe sobre o direito de resposta ou retif‌icação do ofendido em
matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.20
Em 11/03/2021, o Supremo Tribunal Federal julgou conjuntamente três Ações
Diretas de Inconstitucionalidade de nº 5.415, 5.418 e 5.436 nas quais foram ques-
tionados dispositivos da Lei 13.188/2015 que regulam o direito de resposta.21
O Tribunal, por maioria, conheceu os pedidos formulados nas Ações Diretas e
os julgou parcialmente procedente para declarar a constitucionalidade dos artigos 2º,
§ 3º; 5º, §§ 1º e 2º; 6º e 7º da Lei nº 13.188/2015; declarar a inconstitucionalidade da
expressão “em juízo colegiado prévio”, anteriormente presente no texto do art. 10 da
Lei nº 13.188/2015; e conferir interpretação conforme ao dispositivo, no sentido de
permitir ao magistrado integrante do tribunal respectivo decidir monocraticamente
sobre a concessão de efeito suspensivo a recurso interposto em face de decisão pro-
ferida segundo o rito especial do direito de resposta.22
Ao longo do tempo, inúmeros casos de embate entre a liberdade de comuni-
cação exercida pelos meios de comunicação social e a tutela dos chamados direitos
da personalidade foram submetidos à apreciação jurisdicional com vistas ao reco-
Norma, essa, ‘de ef‌icácia plena e de aplicabilidade imediata’, conforme classif‌icação de José Afonso da Silva.
‘Norma de pronta aplicação’, na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutri-
nária conjunta (STF, Tribunal Pleno, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, j. 30.04.2009, publ. 6.11.2009).
18. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), verbis: “Art. 14: Direito
de retif‌icação ou resposta 1. Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu
prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito
a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retif‌icação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei. 2. Em
nenhum caso a retif‌icação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver
incorrido. 3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cine-
matográf‌ica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades
nem goze de foro especial”.
19. A Lei n. 13.188/2015 foi objeto de três ações diretas de inconstitucionalidade: (i) ADI 5415, ajuizada pelo
Conselho Federal da OAB, com pedido principal de declaração da inconstitucionalidade do seu art. 10,
a f‌im de afastar a exigência de manifestação de “juízo colegiado prévio” para suspender, em recurso, o
direito de resposta; (ii) ADI 5418, ajuizada pela Associação Brasileira de Imprensa, com o pedido principal
de declaração da inconstitucionalidade da lei em sua totalidade ou dos artigos 2ª, § 3º; 5º, §1º; 6º, I e II;
e 10; e (iii) ADI 5436, ajuizada pela Associação Nacional de Jornais, com pedido principal de f‌ixação de
interpretação conforme a Constituição do artigo 2º, §3º, da Lei n. 13.188/2015, bem como a declaração de
inconstitucionalidade dos artigos 2º, §3º; 5º, §§1º e 2º; 6º; 7º e 10.
20. Lei n. 13.188/2015, verbis: “Art. 2º Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo
de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retif‌icação, gratuito e proporcional ao agravo,
§ 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se matéria qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por
veículo de comunicação social, independentemente do meio ou da plataforma de distribuição, publicação
ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco de informação, contra a honra, a
intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identif‌icada
ou passível de identif‌icação”.
21. As ações discutiam, entre outros pontos, se as retratações eximem o veículo de comunicação de assegurar
o direito de resposta e afastam o dever de indenização por dano moral.
22. No momento do fechamento desse artigo, não havia ainda a íntegra do acórdão disponível, apenas o resultado
de julgamento.
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nhecimento do direito de resposta.23 Fato é que o permanente conf‌lito instaurado
demanda a ponderação entre os interesses contrapostos no caso concreto, sem que
se possa admitir solução apriorística desconectada das nuances de cada situação
específ‌ica.24 A dif‌iculdade decorrente da incerteza daí resultante não afasta, porém,
a importância de se buscar balizas para a análise das inúmeras hipóteses de atrito.
3. A LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO E O DIREITO DE RESPOSTA
A veiculação de notícias pelos meios de comunicação social insere-se no espec-
tro da liberdade de imprensa ou de comunicação,25-26 resguardada pelos artigos 5º,
incisos IX e XIV, e 220 da CRFB/88.27
23. Não será tratada no presente trabalho a disciplina específ‌ica do direito de resposta na seara eleitoral, mas
vale registrar que o art. 243, §3º do Código Eleitoral assegura “o direito de resposta a quem for, injuriado
difamado ou caluniado através da imprensa rádio, televisão, ou alto-falante”.
24. No julgamento da ADPF 130, o Min. Celso de Mello destacou em seu voto que a Lei de Imprensa não poderia
f‌ixar uma ponderação apriorística entre os interesses postos, já que a manutenção da proporcionalidade
entre a resposta e o agravo precisa ser realizada caso a caso pelo Poder Judiciário: “É que a Constituição, no
art. 5º, V, assegura o ‘direito de resposta, proporcional ao agravo’, vale dizer, trata-se de um direito que não
pode ser exercido arbitrariamente, devendo o seu exercício observar uma estrita correlação entre meios e
f‌ins. E disso cuidará e tem cuidado o Judiciário. Ademais, o princípio da proporcionalidade, tal como expli-
citado no referido dispositivo constitucional, somente pode materializar-se em face de um caso concreto.
Quer dizer, não enseja uma disciplina legal apriorística, que leve em conta modelos abstratos de conduta,
visto que o universo da comunicação social constitui uma realidade dinâmica e multifacetada, em constante
evolução. Em outras palavras, penso que não se mostra possível ao legislador ordinário graduar de antemão,
de forma minudente, os limites materiais do direito de retorção, diante da miríade de expressões que podem
apresentar, no dia a dia, os agravos veiculados pela mídia em seus vários aspectos” (STF, Tribunal Pleno,
ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, j. 30.04.2009, publ. 6.11.2009, voto do Min. Celso de Mello).
25. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já assegurava a liberdade de comunicação,
verbis: “Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem;
todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta
liberdade nos termos previstos na lei.”
26. Emprega-se no presente trabalho a liberdade de comunicação como sinônimo da tradicional liberdade de
imprensa, que assegura o direito à informação. Daniel Sarmento ensina que: “O direito à informação des-
dobra-se em três diferentes dimensões: o direito de informar, que é uma faceta das liberdades de expressão
e de imprensa; o direito de se informar, também conhecido como direito de acesso à informação, que envolve
a faculdade de buscar informações por todos os meios lícitos; e o direito de ser informado, que é o direito
da coletividade de receber informações do Estado e dos meios de comunicação sobre temas de interesse
público. A doutrina distingue o direito de informar da liberdade de expressão stricto sensu. O primeiro diz
respeito à comunicação de fatos, enquanto a segunda está relacionada à manifestação do pensamento, de
ideias, juízos de valor, sentimentos e obras artísticas e literárias” (SARMENTO, Daniel. Liberdades comu-
nicativas e “direito ao esquecimento” na ordem constitucional brasileira. Revista Brasileira de Direito Civil.
Rio de Janeiro, v. 7, jan./mar. 2016, p. 195).
27. CRFB/88, verbis: “Art. 5º, IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científ‌ica e de comu-
nicação, independentemente de censura ou licença; [...] XIV – é assegurado a todos o acesso à informação
e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício prof‌issional. Art. 220: A manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão
qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que
possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação
social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza
política, ideológica e artística. § 3º Compete à lei federal: I – regular as diversões e espetáculos públicos,
cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais
e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II – estabelecer os meios legais que garantam à
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A doutrina costuma distinguir o direito de informar da liberdade de expres-
são stricto sensu, por entender que o primeiro diz respeito à comunicação de fatos,
enquanto a segunda compreende a manifestação de pensamento, ideias, juízos de
valor, sentimentos, obras artísticas e literárias.28 Enquanto a liberdade de expressão
é mais ampla e abrange também a manifestação de ideias e opiniões, a liberdade de
informação se exerce através da difusão de fatos noticiáveis.29 Isso signif‌ica que, dife-
rentemente da liberdade de expressão em sentido estrito, a liberdade de informação
conecta-se de forma mais íntima aos fatos objetivos e à imparcialidade.30
Uma vez que o exercício da liberdade de comunicação se destina a dar ciência
da realidade a seus receptores, a veracidade dos fatos ganha especial relevância. Por
essa razão, há quem defenda que apenas a notícia verdadeira é objeto da liberdade
de imprensa e, por conseguinte, não abarca no seu âmbito de proteção as notícias
deliberadamente falsas, injuriosas, caluniosas, difamatórias ou danosas à pessoa de
forma geral.31 A veracidade funciona, assim, como um limite interno à liberdade de
informação.32
Em sentido diverso, defende-se aqui o entendimento de que a veracidade não
restringe internamente a esfera de proteção da liberdade de comunicação, mas age
como limite externo nas situações de embate com interesses contrapostos.33
pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que
contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser
nocivos à saúde e ao meio ambiente. § 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos,
medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e
conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. § 5º Os meios de
comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. § 6º A
publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade”.
28. SARMENTO, Daniel. Liberdades comunicativas e “direito ao esquecimento” na ordem constitucional brasileira,
cit., p. 195
29. ASENJO, Porf‌irio Barroso; TALAVERA, María del Mar López. La libertad de expresión y sus limitaciones
constitucionales. Madri: Fragua, 1998, p. 49
30. Luís Gustavo Grandinetti esclarece a distinção entre a liberdade de informação e a liberdade de expressão:
“Enquanto que a expressão de uma ideia, uma opinião, um pensamento, não encontra, necessariamente,
qualquer apego aos fatos, à veracidade, à imparcialidade, atributos que não lhe cumpre preencher, a infor-
mação, como bem jurídico que é, não pode ser confundida como simples manifestação do pensamento.”
(CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Direito de informação e liberdade de expressão. Rio de
Janeiro: Forense, 1999. p. 24-25.)
31. ASENJO, Porf‌irio Barroso; TALAVERA, María del Mar López. La libertad de expresión y sus limitaciones
constitucionales, cit., p. 51.
32. Nesse sentido, v. BARROSO, Luís Roberto. “Liberdade de Expressão versus direitos da personalidade.
Colisão de direitos fundamentais e critérios de ponderação”. In: Temas de Direito Constitucional, t. III. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 109-110. Em sentido semelhante, Edilsom Pereira de Farias defende que “a
liberdade de expressão teria âmbito de proteção mais amplo que o direito à informação, vez que aquela não
estaria sujeita, no seu exercício, ao limite interno da veracidade, aplicável e este último. O limite interno
da veracidade, aplicado ao direito à informação, refere-se à verdade subjetiva e não à objetiva” (FARIAS,
Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade
de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000, pp. 163-164) V. também:
CALDAS, Pedro Frederico. Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral. São Paulo: Saraiva, 1997, p.
108).
33. Gustavo Binenbojm ensina que as liberdades de expressão e de imprensa são asseguradas pelo constituinte
brasileiro como regra em seu aspecto defensivo, mas estão sujeitas a outros princípios e regras constitucionais
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De todo modo, as liberdades comunicativas sujeitam-se a limites quando se
chocam com a proteção à honra, à intimidade, à imagem ou, de forma abrangente,
aos chamados direitos da personalidade.34 Nesse contexto, como forma de assegurar
a limitação às ofensas perpetradas pelos meios de comunicação social no exercício
de tal liberdade,35 o art. 5º, inciso V, CRFB/88 assegura à pessoa ofendida resposta
proporcional ao agravo.36
Gustavo Tepedino ressalta que a retif‌icação solicitada há de ser objetiva, em rela-
ção a fatos errôneos ou inverídicos.37 Por se preocupar com os excessos presentes no
direito de resposta exercido de forma indiscriminada, pondera que: (i) o instrumento
empregado pelo ofendido deve ser adequado aos f‌ins perseguidos; (ii) o exercício
do direito de resposta deve ser medida necessária para reparação do dano; e (iii) os
bens jurídicos sacrif‌icados pela medida devem ser menos relevantes que o benefício
alcançado por ela.38
De modo a assegurar que o exercício do direito de resposta não esvazie a proteção
à liberdade de comunicação, é fundamental que os conf‌litos submetidos ao crivo do
Poder Judiciário sejam respaldados pela apresentação de provas e pelo contraditório.
Além disso, o conteúdo a ser veiculado no meio de comunicação como direito de
resposta também passará pelo exame do magistrado sempre que a questão for judi-
cializada.39 Verif‌icando-se que houve distorção dos fatos, injusta lesão ao ofendido e
presentes os elementos de culpa, nexo causal e dano, em ponderação à liberdade de
atinentes à matéria. Por conseguinte, deve o agente concretizador da Constituição – seja ele o legislador, o
juiz, o administrador ou mesmo o particular – buscar uma concordância prática entre os valores conden-
sados nos princípios em tela. Nas palavras do autor: “Além das normas constitucionais mencionadas logo
no introito deste capítulo, alguns direitos individuais relacionados no art. 5° também mitigam a dimensão
puramente negativa da liberdade de imprensa (art. 220, § 1°). Dentre eles, o direito de resposta (art. 5°
inciso V) e o direito de acesso à informação (art. 5° XIV) guardam pertinência mais direta com o ponto que
se deseja demonstrar” (BINENBOJM, Gustavo. Meios de comunicação de massa, pluralismo e democracia
deliberativa: as liberdades de expressão e de imprensa nos Estados Unidos e no Brasil. Revista da EMERJ.
Rio de Janeiro, v. 6, n. 23, 2003, p. 375).
34. Luís Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho esclarece que: “Tanto a liberdade de expressão quanto a
de informação encontram limites constitucionais. A diferença básica é que, enquanto na primeira há maior
licença para a criação e a opinião, a segunda deve prestar obediência à verdade objetiva. Mas nenhuma
delas é totalmente imune de controle, do mesmo modo que nenhum direito é absoluto” (CARVALHO, Luís
Gustavo Grandinetti Castanho de. Direito de informação e liberdade de expressão, cit., p. 49).
35. O art. 2º, §1º da Lei n. 13.188/2015 trata como ofensiva a matéria cujo” conteúdo atente, ainda que por
equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem
de pessoa física ou jurídica identif‌icada ou passível de identif‌icação”.
36. Daniel Sarmento esclarece que: “O direito de resposta assegurado pela Constituição protege a honra, a
imagem e a reputação de pessoas físicas ou jurídicas, que tenham sido acusadas ou ofendidas mediante os
meios de comunicação social, ao conferir a elas a faculdade de fazerem publicar ou transmitir, no mesmo
veículo de comunicação, uma resposta proporcional à acusação ou ofensa sofrida” (SARMENTO, Daniel.
In: CANOTILHO, J.J. Gomes; Mendes, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz.
(coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 261).
37. TEPEDINO, Gustavo. O direito à liberdade de expressão à luz do texto constitucional. In: Soluções práticas
de direito: pareceres, v.1. São Paulo: RT, 2012, p. 119
38. TEPEDINO, Gustavo. O direito à liberdade de expressão à luz do texto constitucional, cit., p. 123
39. A ressalva aqui é feita em razão da possibilidade de solução extrajudicial da controvérsia, com a publicação
espontânea da resposta, por exemplo.
391
RETIFICAÇÃO DE INFORMAÇÃO ATRAVÉS DO DIREITO DE RESPOSTA
expressão, f‌inalmente haverá o direito de retif‌icação da informação originalmente
veiculada.
Liberdade de informação e direito de resposta são dois lados da mesma moeda,
tanto que se defende a íntima conexão entre eles.40 Por um lado, interferir na atividade
informativa dos meios de comunicação social para inserir uma retif‌icação compul-
sória da informação originalmente publicada pode ser taxado de censura.41 De outra
ponta, a informação não é privativa do informador, mas de todos que a recebem, bem
como de todos que são mencionados na matéria jornalística.
Assim, tanto a informação quanto o direito da pessoa que se sentiu ofendida
são, a priori, merecedores de tutela e devem ser ponderados para que, f‌inalmente,
verif‌ique-se no caso concreto qual dos dois deverá prevalecer. Se for verif‌icado que o
uso da liberdade de comunicação se deu de forma disfuncional, prevalecendo, desse
modo, o interesse do ofendido, a retif‌icação se faz necessária, atendendo-se, de uma
vez, não apenas aos interesses do lesado injustamente, mas também ao de todos os
receptores da mensagem que terão a oportunidade de, no mesmo meio, formar a sua
própria concepção da informação agora retif‌icada.42
4. A RETIFICAÇÃO DE INFORMAÇÕES COMO EXERCÍCIO DO DIREITO DE
RESPOSTA
Dentro do sentido mais amplo do direito de resposta, inclui-se o direito de
retif‌icação, que assegura a correção de fatos ou esclarecimentos sobre informações
40. “O direito de resposta já foi considerado tão necessário à liberdade de imprensa que seria intolerável se
não existisse, uma vez que a responsabilidade nasce da liberdade e, assim, defender o direito de resposta é
defender também a liberdade de imprensa. Ambas se acham em relação de estreita conexidade. Cessando
a liberdade de imprensa, cessa o direito de resposta. Este dever deve ser considerado um verdadeiro estado
de legítima defesa, pois o ofendido para restabelecer a verdade e lutar contra o poder coletivo do jornal”
(ARRUDA MIRANDA, Darcy de. Comentários à lei de imprensa. São Paulo: RT, 1995, p. 559)
41. Rejeita-se no presente trabalho a tese de que “a simples veiculação de uma resposta não traz qualquer
prejuízo ao órgão de imprensa” (GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. Do direito de resposta. In: Comentários
à lei de imprensa: Lei 5.250, de 09.02.1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 345). Em verdade,
a imposição da veiculação da resposta ou retif‌icação representa limite à plena liberdade de comunicação,
mas será devida sempre que se reconheça dano a ser reparado. A respeito da censura, Luís Roberto Barroso
af‌irma que: “em todos os tempos e em todos os lugares, a censura jamais se apresenta como instrumento
da intolerância, da prepotência ou de outras perversões ocultas. Ao contrário, como regra, ela destrói em
nome da segurança, da moral, da família, dos bons costumes. Na prática, todavia, oscila entre o arbítrio, o
capricho, o preconceito e o ridículo” (BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão, censura e controle
da programação de televisão na Constituição de 1988. In: Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, pp. 345-346).
42. Gustavo Binenbojm defende a compreensão do direito de resposta como instrumento de mídia colabora-
tiva, a f‌im de que não seja “compreendido no Brasil como direito puramente individual, nem tampouco
como exceção à autonomia editorial dos órgãos de imprensa. De fato, além de um conteúdo tipicamente
defensivo da honra e da imagem das pessoas, o direito de resposta cumpre também uma missão informativa
e democrática, na medida em que permite o esclarecimento do público sobre os fatos e questões do interesse
de toda a sociedade” (BINENBOJM, Gustavo. Meios de comunicação de massa, pluralismo e democracia
deliberativa, cit., p. 375).
DANIELLE FERNANDES BOUÇAS E MARINA DUQUE MOURA LEITE
392
inverídicas ou errôneas.43 Enquanto a resposta é uma réplica em que se refutam
alegações e se expõe reação a imputações efetuadas, na tentativa de reparar o dano
sofrido, a retif‌icação propriamente dita consiste em correção ou emendas à inexatidão
da informação previamente veiculada,.
Na França, desde o século XIX, adotou-se distinção bastante demarcada entre o
direito de resposta e o de retif‌icação, revelada legislativamente pelo tratamento sepa-
rado em dois dispositivos da Lei francesa de 29 de julho de 1881.44 Até os dias atuais,
sustenta-se que os dois direitos obedecem a condições e modalidades de exercício
distintas e, portanto, devem ser tratados de forma separada, atenta às peculiaridades
dos seus regimes.45
Contudo, defende-se no presente trabalho que o direito de retif‌icação é espécie
dentro do gênero abrangente do direito de resposta,46 e que a disciplina aplicada a
ambos deve ser a mesma. Aliás, a Lei n. 13.188/2015 trata de forma conjunta dos
direitos de resposta e de retif‌icação de informações inverídicas.47
O exercício do direito de retif‌icação pode ser exemplif‌icado por acórdão da 7ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Tratava-se de matéria
jornalística veiculada pelo Diário do Barão de acordo com a qual projeto de lei enviado
pelo prefeito à Câmara teria criado mais sete cargos de conf‌iança na Prefeitura de
Barão de Cocais. Apurou-se, contudo, que projeto de lei de número distinto daquele
apontado pela matéria propunha a criação de apenas dois cargos comissionados, e não
sete. Nesse contexto, julgou-se procedente o pedido de retif‌icação das informações e
destacou-se que a “imprensa tem o dever de informar objetivamente a coletividade
sobre fatos relevantes, veiculando a notícia de forma f‌idedigna, sem alterar a verdade
ou desnaturar o sentido”.48
Também se reconheceu a procedência do pedido de retif‌icação em ação de di-
reito de resposta apreciada pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná, sob o rito da Lei n. 13.188/2015.49 Membro do Conselho do Clube Atlética
Paranaense alegou, em síntese, que sua honra fora ofendida em virtude de imputa-
43. Vital Moreira diferencia o direito de resposta do de retif‌icação, ao estabelecer que o primeiro pode ter por
objeto também juízos de valor, além das referências de fato, ao passo que a simples retif‌icação alcança tão
somente as circunstâncias fáticas a serem corrigidas. (MOREIRA, Vital. O direito de resposta na comunicação
social. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 76). Luiz Paulo Rosek Germano defende que a retif‌icação “diz
respeito a informações e matérias incorretas, as quais, de maneira como veiculadas, podem causar danos
àqueles que foram citados ou nominados em seu contexto” (GERMANO, Luiz Paulo Rosek. Direito de
resposta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 137)
44. CRETELLA NETO, José et al. Comentários à lei de imprensa, cit., p. 134.
45. DERIEUX, Emmanuel. Droit des médias: droit français, européen et international. 7. ed. Paris: Lextenso
éditions, 2015, p. 467.
46. Nesse sentido, v. FERRIGOLO, Noemi Mendes Siqueira. Liberdade de expressão, cit., p. 160.
47. Na exposição de motivos da lei, lê-se: “Dispõe sobre o direito de resposta ou retif‌icação do ofendido em
matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social”, e em todos os dispositivos
da lei fala-se em “direito de resposta ou retif‌icação”.
48. TJMG, 7ª C.C., Ap. Cível 1.0054.14.002962-7/002, Rel. Des. Alice Birchal, j. 3.10.2017, publ. 10.10.2017.
49. TJPR, 6ª C.C., AI 1593224-0, Rel. Des. Lilian Romero, j. 2.05.17, publ.16.05.2017.
393
RETIFICAÇÃO DE INFORMAÇÃO ATRAVÉS DO DIREITO DE RESPOSTA
ções caluniosas e difamatórias publicadas no site da editora O Estado do Paraná, as
quais alegavam que o conselheiro teria vencido o pleito eleitoral do clube mediante
a utilização de recursos da própria agremiação esportiva e de seus sócios.
Tanto na primeira quanto na segunda instância se entendeu pela ausência de
verossimilhança das informações veiculadas em matéria publicada pela editora, pois
se respaldavam em indícios documentais frágeis. Portanto, com base no art. 7º da Lei
n. 13.188/2015, determinou-se a publicação da resposta pleiteada. 50
Há que se ter em mente, porém, que a exigência da veracidade da informação
deve ser vista com cautela.51 Não se pode exigir uma verdade of‌icial inquestionável
sobre acontecimentos controvertidos, impedindo-se o desenvolvimento de debates
sobre a ocorrência, contornos e circunstâncias de fatos relevantes, em prejuízo à
livre formação da opinião pública.52 Com efeito, a verdade objetiva em si mesma não
existe ou pelo menos é desconhecida pelo ser humano, uma vez que a realidade é
apreendida por meio de dados subjetivamente apurados por alguém.53
Por essa razão, deve o requisito da verdade ser compreendido do ponto de
vista subjetivo, de modo a demandar a diligência do informador na apuração séria
dos fatos a serem publicados.54 Cabe a ele desincumbir-se do dever de diligência ou
apreço pela verdade, no sentido de contatar a fonte dos fatos noticiáveis e verif‌icar a
seriedade ou idoneidade da notícia antes da sua divulgação.55
50. O acórdão foi assim ementado: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIREITO DE RESPOSTA.
COLUNA DE OPINIÃO NA QUAL FORAM DIRIGIDAS CRÍTICAS AO AUTOR DA AÇÃO. CONTEXTO
FÁTICO QUE ENVOLVIA A SUSPEITA DE IRREGULARIDADES NA CAMPANHA ELEITORAL DO CLU-
BE ATLÉTICO PARANAENSE. CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS ESPECÍFICOS
E NÃO CONCOMITANTES PREVISTOS NO ART. 7º DA LEI 13.188/2015. JUSTIFICADO RECEIO DE
INEFICÁCIA DO PROVIMENTO FINAL. AUSÊNCIA. MATÉRIA VEICULADA HÁ MAIS DE UM ANO E
PUBLICADA APÓS O RESULTADO DO PLEITO ELEITORAL. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES
DO AUTOR AGRAVADO. REQUISITO PRESENTE. CRÍTICA JORNALÍSTICA BASEADA EM FATO NÃO
VEROSSÍMIL. ACUSAÇÃO DE QUE O AUTOR TERIA VENCIDO O PLEITO ELEITORAL DO CLUBE
ATLÉTICO PARANAENSE MEDIANTE A UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DA PRÓPRIA AGREMIAÇÃO
ESPORTIVA E DE SEUS SÓCIOS. AFIRMAÇÃO SUSTENTADA EM FRÁGEIS INDÍCIOS DE VERACI-
DADE. DECISÃO SINGULAR MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO (TJPR, 6ª C.C., AI 1593224-0, Rel.
Des. Lilian Romero, j. 2.05.17, publ.16.05.2017).
51. Claudio Godoy esclarece que “o jornalista, no desempenho da atividade de informar, tem inegável dever de
verdade, de noticiar sem criar, distorcer ou deturpar fatos. É certo que esse dever de verdade não pode ser
levado a extremos, dadas as limitações que ao órgão de imprensa se impõem no mister de apuração fática”
(GODOY, Claudio Luiz de Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São Paulo: Atlas,
2008, p. 65).
52. SARMENTO, Daniel. Liberdades comunicativas e “direito ao esquecimento” na ordem constitucional brasileira.,
cit., p. 196.
53. FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a
liberdade de expressão e informação, cit., p. 132.
54. BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de Expressão versus direitos da personalidade. Colisão de direitos
fundamentais e critérios de ponderação, cit., pp. 110-111. Na jurisprudência, ver: STJ, 3ª T, REsp 1297567/
RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23.04.2013, publ. 2.05.2013; STJ, 3ª T., REsp 1414004/DF, Rel. Min. Nancy
Andrighi, j. 18.02.2014, publ. 6.03.2014).
55. FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a
liberdade de expressão e informação, cit., 132.
DANIELLE FERNANDES BOUÇAS E MARINA DUQUE MOURA LEITE
394
Nessa linha, posicionou-se acertadamente a 9ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado Paraná ao apreciar ação em que se pleiteava tutela provisória, com
a retirada de editorial ofensivo e, em sequência, a publicação de resposta à ofensa. O
pano de fundo da controvérsia era matéria jornalística a respeito da possível adul-
teração de combustíveis vendidos por posto localizado no Município de Cornélio
Procópio. Sob a alegação de divergência entre os laudos dos laboratórios que ana-
lisaram as amostras de combustíveis coletadas e a contraprova, a autora sustentava
as imprecisões das informações veiculadas como causa de pedir para a retirada do
editorial e a publicação da retif‌icação elaborada pela autora.56
Em seu voto, o Rel. Des. Coimbra de Moura destacou que a probabilidade do
direito do autor era remota, pois não havia indícios suf‌icientes do caráter ofensivo da
matéria, nem da ausência de veracidade das informações, cujas fontes foram indica-
das na reportagem e corroboradas pelo próprio autor no âmbito da ação judicial. A
reportagem jornalística estava pautada em entrevista concedida pelo Chefe do Pro-
con de Cornélio Procópio e lastreada em auto de infração administrativo instruído
com laudo do Laboratório de Análise de Combustível da Universidade Estadual de
Maringá. Por essas razões, o órgão julgador manteve a decisão de indeferimento da
tutela provisória de urgência.57
Também apreciou o dever de diligência exigido na veiculação de matéria jor-
nalística a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. No
julgamento de apelação interposta pelo Jornal A Tribuna, o órgão julgador entendeu
pelo caráter danoso de reportagem veiculada em jornal de grande circulação que, com
o alegado intuito de informar o leitor sobre gastos da Câmara Municipal com viagem
of‌icial, associou de maneira negligente o fato noticiado com as festas de f‌inal de ano
e o recesso parlamentar, sem ouvir previamente as pessoas citadas na reportagem.
Manteve, então, a decisão de procedência do pedido de retif‌icação.58
56. TJPR, 9ª C.C, AI 1.636.078-4, Rel. Des. Coimbra de Moura, j. 27/07/17, publ. 4.08.2017.
57. Em sentido semelhante decidiu a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul
no acórdão assim ementado: “AGRAVO – AÇÃO ORDINÁRIA – VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍS-
TICA SUPOSTAMENTE OFENSIVA À IMAGEM DAS AGRAVANTES – NOTÍCIA EMBASADA EM AÇÕES
CIVIS PÚBLICAS AJUIZADAS PARA APURAR PRÁTICA DE CRIMES AMBIENTAIS – INEXISTÊNCIA DE
ABUSO OU OFENSA A DIREITOS FUNDAMENTAIS – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA – CPC, ART. 273
REQUISITOS NÃO ATENDIDOS – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – IMPROVIDO. A matéria jornalística
hostilizada embasou-se em informações constantes de ações civis públicas movidas pelo Ministério Público
do Trabalho e pelo Ministério Público Estadual para apurar reiteradas violações a normas de direito ambiental
perpetradas pelas agravantes. Consoante provas acostadas aos autos, as irregularidades nas instalações das
agravantes culminaram na imposição de multa administrativa e, inclusive, interdição de suas atividades por
decisão da Justiça trabalhista, o que contraria a tese de que não estão causando danos ambientais e, nessa
mesma medida, de afronta ao direito de imagem. Desse modo, se em juízo precário e provisório, próprio
das tutelas de urgência, não é possível constatar a divulgação de informações incorretas, incompletas ou
falsas ou mesmo violação a direito fundamental, não assiste às agravantes direito de resposta, sobretudo
em razão da relevância democrática dos direitos de expressão e manifestação, que encontram guarida na
Constituição da República (artigo 5º, inciso IV e IX), e do interesse público na matéria veiculada” (TJMS, 1ª
C.C., AI 1414858-22.2015.8.12.0000, Rel. Des. Divoncir Schreiner Maran, j. 1.03.2016, publ. 4.03.2016).
58. TJES, 3ª C.C, Ap. Cível 42100002239, Rel. Eliana Junqueira Munhos Ferreira, Rel. Substituto Victor Queiroz
Schneider, j. 14.02.2017, publ. 24.02.2017.
395
RETIFICAÇÃO DE INFORMAÇÃO ATRAVÉS DO DIREITO DE RESPOSTA
Como se vê, o dever de diligência na apuração séria dos valores e informações a
serem publicados é um dos elementos relevantes que envolvem o direito de retif‌icação.
Para além disso, defende-se no presente artigo que tanto o direito de resposta quanto
o direito à retif‌icação são formas de reparação não pecuniária que contêm outros
relevantes elementos que auxiliariam o juízo a afastar a tão criticada incoerência
entre julgados com objetos muito semelhantes, mas com pedidos ora procedentes
e ora improcedentes.
5. A RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E O DIREITO DE RETIFICAÇÃO
Além de se defender a aplicação da mesma disciplina do direito de resposta ao
direito de retif‌icação, ambos são considerados formas de reparação não pecuniária
à lesão existencial sofrida pela pessoa alvo da informação inverídica ou errônea.59
Trata-se de reação a dano injusto, que lhe serve de pressuposto.60
Nesse sentido, propõe-se a aferição dos elementos da responsabilidade civil sub-
jetiva no caso concretamente observado, de modo a balizar o exame da procedência
do pleito de exercício do direito de resposta ou de retif‌icação. Ou seja, a verif‌icação
do dano à pessoa ofendida, da culpa por parte do ofensor e do nexo causal entre a
conduta culposa e o dano podem funcionar como valiosos parâmetros quando se
coloca em questão o direito de resposta ou de retif‌icação.
Rejeita-se aqui, portanto, a posição de que o deferimento do pedido de resposta
é desvinculado da existência de ofensa ou veiculação de notícia inverídica,61 bem
como se afasta o entendimento de que a retif‌icação é devida independentemente de
culpa ou dolo por parte do autor da matéria jornalística.62
Ocorre que, na jurisprudência, predomina o tratamento atécnico do tema, sem
a adoção de balizas que fundamentem de modo adequado o reconhecimento do
direito de retif‌icação. A seguir, cada um dos parâmetros propostos será examinado
especif‌icamente no contexto do direito de retif‌icação.
a) o dano à pessoa
59. A respeito da reparação não pecuniária de danos, Anderson Schreiber af‌irma que se percebe atualmente
“um inegável ocaso da antiga convicção segundo a qual a responsabilidade civil resulta sempre, ou princi-
palmente, em uma indenização em dinheiro. Na agenda de tutela de interesses existenciais, vai ocupando
espaço cada vez mais signif‌icativo a discussão acerca dos remédios aptos à sua efetiva proteção. A gradual
abertura das cortes a outros remédios que se somem à indenização pecuniária do dano não patrimonial, como
a retratação pública, vai reforçando o interesse da responsabilidade civil por meios despatrimonializados
de reparação” (SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos f‌iltros da
reparação à diluição dos danos, São Paulo: Atlas, 2013, p. 195).
60. TEPEDINO, Gustavo. O direito à liberdade de expressão à luz do texto constitucional, cit., p. 118.
61. Segundo Luiz Manoel Gomes Junior, “um equívoco muito comum é vincular o deferimento do pedido de
resposta à existência de ofensas ou notícias inverídicas, o que, a nosso ver, não se af‌igura correto. Não se
deve discutir se houve abuso, ou mesmo se ocorreu algum dano, mas sim se deve ser possibilitado o direito
de responder à determinada crítica” (GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. Do direito de resposta, cit., p. 344).
62. EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. Derecho a la información: reforma constitucional y libertad de expresión;
nuevos aspectos. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1996, p. 95.
DANIELLE FERNANDES BOUÇAS E MARINA DUQUE MOURA LEITE
396
Sugere-se aqui que o dano apto a ensejar o direito de retif‌icação seja a lesão
injusta à honra, à imagem ou, de forma ampla, à dignidade da pessoa sobre a qual
se veicula informação inverídica ou errônea. Em razão da necessidade de existência
de efetiva ofensa a direitos da personalidade do titular, os tribunais tendem a negar
o pedido de exercício do direito de resposta quando a matéria jornalística veicula
informação de maneira expositiva ou narrativa, sem tecer juízo de valor negativo
acerca das pessoas mencionadas.63
A título ilustrativo, cabe menção à ação de responsabilidade civil proposta contra
o Jornal O São Gonçalo em razão da publicação de matéria jornalística que supos-
tamente imputava à autora o sequestro de sua neta. Em sua decisão, a 15ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro manteve a improcedência
do pedido de direito de resposta por considerar o conteúdo da notícia compatível
com os fatos amplamente divulgados na localidade, sem extrapolar os limites do
dever de informar.64
Na mesma linha, orientou-se a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Es-
tado do Paraná no julgamento de apelação interposta pelo Prefeito do Município de
Carambeí contra sentença que julgara improcedente seu pedido de resposta. Segundo
o Chefe do Poder Executivo municipal, o Jornal O Correio atingira sua idoneidade ao
af‌irmar que a gestão teria abandonado o projeto social “Casa Lar Talita”, levantando
dúvidas quanto à situação dos abrigados, entrega de alimentos licitados e treina-
mento especializado de funcionários. O acórdão, porém, concluiu pela inexistência
de razão para qualif‌icar a matéria como ofensiva, ou seja, apta a ensejar o controle
do Poder Judiciário, pois “a matéria jornalística veicula[va] informação de natureza
essencialmente narrativa, sem qualquer juízo de valor negativo apto a denegrir a
imagem, honra ou reputação do agente público”.65
63. A 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por exemplo, decidiu que: “A livre
manifestação do pensamento e o direito de resposta constituem garantia constitucional e no confronto entre
ambos impõe-se observar o teor da notícia, que deve assumir a forma de verdade e autenticidade, sob pena
do órgão que a veiculou ser compelido a publicar a informação correta. Se a matéria publicada não apresenta
distorções ou erros, mas se limita a narrar os fatos ocorridos, descabe o direito de resposta” (TJDFT, 3ª T.C.,
Ap. Cível 20070111045370, Rel. Des. Getúlio de Moraes Oliveira, Rev. Des. Otávio Augusto, j. 12.12.2012,
publ. 9.01.2013).
64. TJRJ, 15ª C.C., Ap. Cível 0105068-68.2013.8.19.0004, Rel. Des. Maria Regina Nova, j. 26.07.2017. Em
sentido semelhante, a 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP decidiu que determinada matéria jornalística
acerca de um acidente de trânsito tinha natureza informativa no tocante à reprodução da narrativa policial e
do boletim de ocorrência, sem caráter sensacionalista ou com juízo de valor sobre os fatos pretéritos (TJSP,
7ª C. Dir. Priv., Ap. Cível 1010266-06.2018.8.26.0032, Rel. Rômolo Russo, j. 3.7.2020, p. 3.7.2020).
65. O acórdão foi assim ementado: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESPOSTA – PEDIDO JULGADO
IMPROCEDENTE – CONFORMAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS DE LIBERDADE DE INFOR-
MAÇÃO JORNALÍSTICA E DE PROTEÇÃO À HONRA, IMAGEM E REPUTAÇÃO DE ADMINISTRADOR
PÚBLICO – MATÉRIA JORNALÍSTICA DE CUNHO NARRATIVO, SEM NENHUM JUÍZO OFENSIVO
OU PEJORATIVO – AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE AS INFORMAÇÕES SÃO INVERÍDICAS – PEDIDO
DE RESPOSTA QUE NÃO SE JUSTIFICA NO CASO – ARTIGO 5º, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E
ARTIGO 2º, § 1º DA LEI Nº 13.188/2015 – PRECEDENTES – PEDIDO DE REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS – NÃO ACOLHIMENTO – FIXAÇÃO EQUITATIVA NOS TERMOS DO ART. 85, § 8º,
CPC – HONORÁRIOS RECURSAIS FIXADOS – SENTENÇA MANTIDA. 1. “O Supremo Tribunal Federal
397
RETIFICAÇÃO DE INFORMAÇÃO ATRAVÉS DO DIREITO DE RESPOSTA
Por outro lado, há que se ponderar que o cunho estritamente expositivo ou
narrativo das matérias jornalísticas não deve ser adotado como critério determinan-
te na aferição do cabimento do direito de retif‌icação. A mera narrativa de fatos não
pode ser imposta à atividade jornalística como uma amarra ao pleno exercício das
liberdades comunicativas.
Isso porque a crítica é inerente ao exercício da prática da atividade jornalística,
que não se restringe à narrativa descompromissada de fatos com caráter puramente
analítico e imparcial.66 A divulgação de informações envolve intrinsecamente um
ato de seleção dos pontos relevantes e de elaboração da matéria sob a perspectiva do
jornalista, aliada à emissão de opiniões e críticas acerca de assuntos e pessoas atre-
lados ao objeto da notícia. Um juízo valorativo do autor da reportagem, ainda que
mínimo, faz parte do processo de abordagem do assunto a ser tratado.
Dessa maneira, frequentemente, informação e opinião estão intimamente
atreladas, sendo inevitável reconhecer que a comunicação de fatos nunca é uma
atividade plenamente neutra.67 Ademais, o posicionamento crítico da imprensa
é tutelado no arcabouço das liberdades de manifestação do pensamento, comu-
nicação e informação. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal ressaltou, no
julgamento da ADPF 130, que o “exercício concreto da liberdade de imprensa
assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que
em tom áspero ou contundente”.68
tem destacado, de modo singular, em seu magistério jurisprudencial, a necessidade de preservar-se a prática
da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana,
verdadeira “garantia institucional da opinião pública” (Vidal Serrano Nunes Júnior), por tratar-se de prer-
rogativa essencial que se qualif‌ica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material
ao próprio regime democrático.” (STF, 2ª T., AgR no AI 690841, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, j.
21/06/2011) 2. A Carta de 1988 conferiu proteção constitucional aos direitos de personalidade de pessoas
físicas ou jurídicas que sejam acusadas em meios de comunicação, garantindo-lhes o direito de resposta
deve ser rejeitado quando a matéria jornalística veicula informação de natureza essencialmente narrativa,
sem qualquer juízo de valor negativo apto a denegrir a imagem, honra ou reputação do agente público,
e quando o ofendido não comprova que os fatos narrados são inverídicos. 3. Os honorários advocatícios
sucumbenciais f‌ixados atendem aos parâmetros do art. 85, § 8º do Código de Processo Civil, sendo justa
sua manutenção. 4. Considerando a sucumbência recursal e o trabalho adicional realizado em segunda
instância, é devida a majoração dos honorários advocatícios, com fundamento no art. 85, § 11 do Código
de Processo Civil. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO” (TJPR, 17ª C.C., Ap. Cível 1605332-0,
Rel. Des. Rosana Amara Girardi Fachin, j. 22.2.17, publ. 9.3.17).
66. Em sentido diverso, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho defende que: “Quem veicula uma
informação, ou seja, quem divulga a existência, a ocorrência, o acontecimento de um fato, de uma qualidade,
ou de um dado, deve f‌icar responsável pela demonstração de uma existência objetiva, despida de qualquer
apreciação pessoal” (CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Direito de informação e liberdade
de expressão, cit., pp. 24-25).
67. Luís Roberto Barroso ensina que “é de reconhecimento geral que a comunicação de fatos nunca é ativi-
dade completamente neutra: até mesmo na seleção dos fatos a serem divulgados há uma interferência do
componente pessoal. Da mesma forma, a expressão artística muitas vezes tem por base acontecimentos
reais” (BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de Expressão versus direitos da personalidade. Colisão de direitos
fundamentais e critérios de ponderação, cit., p. 103).
68. STF, Tribunal Pleno, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, j. 30.4.2009, publ. 6.11.2009.
DANIELLE FERNANDES BOUÇAS E MARINA DUQUE MOURA LEITE
398
Na mesma linha, posicionou-se o Plenário do STF ao declarar a inconstituciona-
lidade dos incisos II e III (na parte impugnada) do artigo 45 da Lei 9.504/1997, bem
como, por arrastamento, dos parágrafos 4º e 5º do referido artigo. Tais dispositivos
vedavam às emissoras de rádio e televisão “usar trucagem, montagem ou outro recurso
de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato,
partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito” (cf. artigo
45, II, Lei 9.504/1997) e “veicular propaganda política ou difundir opinião favorável
ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes” (cf.
artigo 45, II, Lei 9.504/1997). O Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que
a liberdade de expressão tem por objeto “não somente a proteção de pensamentos e
ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes
públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva”.69
Por conseguinte, o juízo crítico realizado pelos meios de comunicação social
não enseja, necessariamente, ofensa a ser reparada mediante exercício do direito de
retif‌icação. Torna-se imprescindível, assim, a análise do conteúdo da crítica tecida
para que se possa aferir a existência ou não do concreto dano à dignidade da pessoa
mencionada.70
Ressalta-se, por outro lado, que não se defende aqui uma def‌inição prévia do
objeto da liberdade de comunicação por meio da delimitação de seus contornos – ou
mesmo do conteúdo veiculado – a f‌im de que não conf‌lite com outros direitos ou
69. O acórdão foi assim ementado: “LIBERDADE DE EXPRESSÃO E PLURALISMO DE IDEIAS. VALORES
ESTRUTURANTES DO SISTEMA DEMOCRÁTICO. INCONSTITUCIONALIDADE DE DISPOSITIVOS
NORMATIVOS QUE ESTABELECEM PREVIA INGERÊNCIA ESTATAL NO DIREITO DE CRITICAR
DURANTE O PROCESSO ELEITORAL. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AS MANIFESTAÇÕES DE
OPINIÕES DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A LIBERDADE DE CRIAÇÃO HUMORÍSTICA. 1. A De-
mocracia não existirá e a livre participação política não f‌lorescerá onde a liberdade de expressão for ceifada,
pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para
o salutar funcionamento do sistema democrático. 2. A livre discussão, a ampla participação política e o
princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a
proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a
agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva. 3. São inconsti-
tucionais os dispositivos legais que tenham a nítida f‌inalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do
pensamento crítico, indispensável ao regime democrático. Impossibilidade de restrição, subordinação ou
forçosa adequação programática da liberdade de expressão a mandamentos normativos cerceadores durante
o período eleitoral. 4. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia
representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição
crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes. 5. O direito fundamental à liberdade de expressão
não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais,
mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as
não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda
dessa garantia constitucional. 6. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos II e III
(na parte impugnada) do artigo 45 da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, dos parágrafos 4º e
5º do referido artigo (STF, Tribunal Pleno, ADI 4451, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 21.6.2018, publ.
6.03.2019).
70. Adota-se aqui o conceito de dano moral como a lesão a algum dos aspectos ou substratos que compõem a
dignidade humana, isto é, a violação à liberdade, à igualdade, à solidariedade ou à integridade psicofísica
de uma pessoa humana, conforme ensina Maria Celina Bodin de Moraes em Danos à pessoa humana. Uma
leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, pp. 129-140.
399
RETIFICAÇÃO DE INFORMAÇÃO ATRAVÉS DO DIREITO DE RESPOSTA
princípios constitucionais.71 Faz-se necessária a ponderação in concreto na busca pela
melhor forma de acomodação dos interesses constitucionais específ‌icos em jogo.72
No caso específ‌ico da imputação de fato falso a uma pessoa, ainda que possa
se mostrar mais evidente a ofensa à sua honra,73 o exame cuidadoso da situação
concreta é fundamental. Não se pode admitir a concepção de que o “simples erro”
não conf‌igura “agressão injusta”,74 pois a ausência de veracidade e a incorreção de
uma informação podem ou não acarretar dano à pessoa a quem ela se refere, e tal
lesão deverá ser analisada diante das circunstâncias fáticas existentes para que se
reconheça o direito à retif‌icação.
O exame dos interesses conf‌litantes permitirá a conclusão acerca da eventual
reparabilidade do dano sofrido. Isso signif‌ica que nem toda ofensa à dignidade hu-
mana deverá ser reparada mediante o exercício do direito de resposta, uma vez que
a situação subjetiva contraposta pode vir a prevalecer no caso concreto em razão de
circunstâncias que a tornem juridicamente mais tutelável.
b) culpa por parte do ofensor
Além da verif‌icação do dano causado pela veiculação da informação, a aprecia-
ção da culpa por parte do emissor representa parâmetro importante na averiguação
do direito de retif‌icação.
A doutrina bem pontua uma progressiva aproximação da responsabilidade
subjetiva à responsabilidade objetiva. A exemplo, Anderson Schreiber mencio-
71. Em sentido diverso, João Bosco Araújo Fontes Junior def‌ine como notícia a informação verdadeira, o que
parece indicar uma delimitação prévia do objeto da liberdade de comunicação: “a liberdade de expressão
[...] constitui o direito de manifestar livremente as próprias convicções, ideias e pensamentos, por qualquer
forma e meio, não sendo exigível que estas sejam necessariamente verdadeiras. Já o direito à informação,
para além de constituir um plexo de direitos, composto pelo direito de obter a informação, de informar e de
ser informado, tem por objeto a obtenção, transmissão e recepção de notícias e não opiniões, devendo-se
entender por notícia a informação verdadeira difundida. De fato, a separação entre liberdade de expressão
e o direito à informação repousa sobre a distinção opinião-notícia e tem sido utilizada pela maior parte da
doutrina como seu principal elemento diferenciador” (FONTES JUNIOR, João Bosco Araujo. Liberdades e
limites na atividade de rádio e televisão: teoria geral da comunicação social na ordem jurídica brasileira e no
direito comparado. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 47).
72. Segundo Maria Celina Bodin de Moraes, toda e qualquer ponderação “a correção da ponderação dependerá
da adequação seja dos acontecimentos escolhidos no âmbito da situação fática (sempre) complexa, seja do
juízo de justif‌icação da escolha desses fatos em relação ao ordenamento jurídico como um todo e, em espe-
cial, em relação à sua normativa fundante, qual seja o princípio da dignidade da pessoa humana” (BODIN
DE MORAES, Maria Celina. Honra, liberdade de expressão e ponderação. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a.
2, n. 2, abr.-jun./2013, p. 12. Disponível em:
deracao/>. Data de acesso. 07.01.2017)
73. SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 84. O autor pondera,
ainda, que não se deve imaginar “que a honra somente pode ser atingida pela divulgação de fatos que não
se af‌igurem verdadeiros”. Segundo ele, no campo civil, “a difusão da verdade pode gerar responsabilidade,
dependendo do contexto e do modo como vem apresentada”.
74. Para afastar a aplicação dos requisitos da legítima defesa ao direito de resposta, Antonio Costella af‌irma que
“na resposta retif‌icativa não se ajustam esses requisitos. ‘Agressão injusta’ pode não ocorrer, onde houver,
por exemplo, simples erro. E ainda assim se admitirá a inserção da resposta” (COSTELLA, Antonio. Direito
de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 216).
DANIELLE FERNANDES BOUÇAS E MARINA DUQUE MOURA LEITE
400
na que a noção teórica de culpa deixa de ser vista de forma tão rigorosa pelas
cortes, que recorrem cada vez mais às suas presunções, “e a avaliação negativa
do comportamento subjetivo vai, gradativamente, passando de fundamento da
responsabilização para um elemento ou aspecto do complexo juízo de respon-
sabilidade”.75
Contudo, a noção de responsabilidade objetiva, por expressa previsão legal, no
parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, está restrita aos casos especif‌icados
em lei e nas atividades que envolverem risco para os direitos de outrem. Não parece
ser o caso da atividade jornalística, via de regra lícita, a qual não cria um especial
risco ou considerável probabilidade de dano.76
A análise de julgados demonstrou77 que é recorrente analisar-se a intenção de
ofender ou de injuriar, o que poderia conf‌igurar uma prova diabólica a quem sofreu
o dano, dada a subjetividade requerida para se verif‌icar a intenção do ofensor.
É relevante, desse modo, a noção de culpa objetiva, trazida por Paula Greco
Bandeira,78 que por sua vez se vale dos ensinamentos clássicos dos irmãos Mazeaud,
segundo os quais a culpa objetiva consiste em erro de conduta que não seria come-
tido por uma pessoa avisada, colocada nas mesmas circunstâncias externas do autor
do dano.
Assim, a culpa e o dolo que ensejariam o direito de resposta e a consequente
retif‌icação da informação seriam, em suma, decorrentes da conduta do agente que
não se desincumbiu do dever de diligência de apuração dos fatos. A esse respeito, a
3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça destacou que o veículo de comunicação se
exime de culpa “quando busca fontes f‌idedignas, quando exerce atividade investi-
75. SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos f‌iltros da reparação à
diluição dos danos, cit., p. 51.
76. Em sentido contrário, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho sustenta que “a atividade jorna-
lística representa sempre um risco, aferível pela existência ou não de regras específ‌icas de segurança, que,
no caso da imprensa, correspondem ao preenchimento de uma pauta ética que, em princípio, torna lícita
a atividade, se observada: verdade, imparcialidade, transparência e interesse público” (CARVALHO, Luis
Gustavo Grandinetti Castanho. O Supremo Tribunal Federal Brasileiro e o direito de imprensa: análise da
decisão do STF na ADPF 130-DF. In: CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho; GALVÃO, Mônica
Cristina Mendes. O STF e o direito de imprensa: análise e consequências do julgamento da ADPF 130/2008.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 170).
77. A exemplo: (i) “In casu”, verif‌ica-se que em nenhuma das matérias jornalísticas reproduzidas nos autos
se viu intenção de macular a imagem ou ofender o autor, assim como inexiste prova nos autos de que as
requeridas tivessem ciência de eventual falsidade de suas af‌irmações.” (trecho do voto de TJSP, 7ª C. Dir.
Priv., Ap. Cível 0017066-95.2013.8.26.0047, Rel. Des. José Rubens Queiroz Gomes; j. 1.06.2016, publ.
6.06.2016) (ii) Responsabilidade Civil. Indenização por danos morais. Ação julgada improcedente. Notícia
veiculada por rádio. Narrativa de fato já publicado no jornal local, referente à tentativa de suicídio de pessoa
portadora do vírus HrV positivo. Identif‌icação pelas iniciais. Inexistência de injúria ou qualquer ofensa.
Ausência de má-fé. Sentença mantida. Provimento negado (TJSP, 3ª C. Dir. Priv., Ap. Cível com revisão
0091865-13.2000.8.26.0000; Rel. Des. Caetano Lagrasta, publ. 5.11.2005).
78. BANDEIRA, Paula Greco. A evolução do conceito de culpa e o artigo 944 do Código Civil. Revista da EMERJ,
v. 11, nº 42, 2008, p. 230. Disponível em http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista42/
Revista42_227.pdf. Data de acesso. 07.04.2018.
401
RETIFICAÇÃO DE INFORMAÇÃO ATRAVÉS DO DIREITO DE RESPOSTA
gativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto
à veracidade do que divulgará”.79
A respeito do dever de busca pela veracidade da informação veiculada, interes-
sante julgado do TJSP entendeu que cabia à entidade que se propôs a fazer os testes
laboratoriais de um azeite e publicar os resultados demonstrar sem margem de dúvida
que o produto não atendia às exigências de qualidade, o que não f‌icou comprovado,
uma vez que o produto obteve notas positivas em 21 dos 22 critérios considerados.
Diante disso, a publicação que concluía pela não recomendação do produto gerava
evidente prejuízo à reputação da fornecedora, cabendo-lhe o direito de resposta nos
mesmos veículos em que foi publicada a matéria desabonadora.80
Em linhas gerais, a culpa sem culpabilidade, como def‌ine em outras palavras
Marcelo Junqueira Calixto,81 consiste em apurar não a contribuição dolosa para o
dano, mas sim até que ponto era razoável investigar e apurar a relação entre os fatos
e a versão relatada.
c) nexo causal entre a conduta culposa e o dano
Ademais, o dever de reparar um dano depende da existência de nexo causal
entre uma conduta e o resultado danoso.82 O nexo causal, ou relação de causalidade,
é usualmente def‌inido como o vínculo que se estabelece entre dois eventos, de modo
que um represente consequência do outro.83
Gustavo Tepedino ressalta que o dever de reparar surge quando o efeito danoso
é efeito necessário de certa causa. Podem-se identif‌icar, assim, na mesma série causal,
danos indiretos passíveis de ressarcimento, desde que sejam consequência direta,
porque necessária, de um ato ilícito ou atividade objetivamente considerada.84
O nexo causal tem evidente importância na medida em que sua conf‌iguração
permite identif‌icar, em última análise, a relação entre o autor do ilícito e o dano de-
79. No mesmo julgado, a 3ª Turma do STJ pontuou que: “O jornalista tem um dever de investigar os fatos
que deseja publicar. Isso não signif‌ica que sua cognição deva ser plena e exauriente à semelhança daquilo
que ocorre em juízo. [...] A suspeita que recaía sobre o recorrido, por mais dolorosa que lhe seja, de fato,
existia e era, à época, f‌idedigna. Se hoje já não pesam sobre o recorrido essas suspeitas, isso não faz com
que o passado se altere. Pensar de modo contrário seria impor indenização a todo veículo de imprensa que
divulgue investigação ou ação penal que, ao f‌inal, se mostre improcedente” (STJ, 3ª T., REsp 984.803/ES,
Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.05.2009, publ. 19.08.2009).
80. TJSP, 34ª C. Dir. Priv., Ap. Cível 1111789-51.2018.8.26.0100, Rel. Gomes Varjão, j. 7.4.2021.
81. Para maiores detalhes, v. CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilidade civil: estrutura e função.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
82. Gisela Sampaio da Cruz Guedes destaca que “no Direito brasileiro, a Teoria do Dano Direto e Imediato,
explicada pela escola da necessariedade, tem prevalecido na jurisprudência. Os tribunais exigem, no mais
das vezes, a causalidade necessária para o estabelecimento da responsabilidade, não obstante invoquem
nominalmente outras teorias. O vínculo de necessariedade entre a conduta do agente e o evento danoso
é, na prática jurisprudencial, atributo indispensável do dever de reparar” (CRUZ, Gisela Sampaio da. O
problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 150).
83. SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos f‌iltros da reparação à
diluição dos danos, cit., p. 55.
84. TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o nexo de causalidade. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro,
a. 2, v. 6, abr./jun. 2001, p. 8.
DANIELLE FERNANDES BOUÇAS E MARINA DUQUE MOURA LEITE
402
corrente. Contudo, na maioria dos julgados encontrados, o nexo causal é mencionado
timidamente como um dos requisitos para conf‌iguração da responsabilidade civil, em
conjunto com a culpa e a ocorrência de dano. Em regra, a jurisprudência tende a não
apreciar o elemento da causalidade de forma específ‌ica a f‌im de detalhar a concreta
relação entre o dano e o direito de resposta ou mesmo como ele se conf‌iguraria no
caso concreto.85
Contudo, há exceções. A 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de
São Paulo entendeu que o autor da ação, que alegava ter sido ofendido por reportagens
inverídicas sobre sua participação em atividades criminosas, na verdade não teria
sofrido aborrecimento apto a embasar um direito de resposta, uma vez que “não se
logra apurar, objetivamente, conduta da ré que tenha ocasionado vulneração aos seus
direitos da personalidade, antes encerrando exercício de manifestação jornalística
informativa e crítica”.86
Em sentido contrário, em outro acórdão, o Tribunal de São Paulo reconheceu o
direito de resposta, pois o resultado prático da divulgação da matéria que continha
fatos inverídicos foi gerar o descrédito da autora no seu meio social, destacando que
se tornou “absolutamente certo, induvidoso” que “a conduta do réu e o prejuízo e
ofensa alegados pelo autor” se relacionavam.87
85. A título exemplif‌icativo, destaca-se o seguinte trecho de acórdão: “Não há que se falar em vontade ou ânimo
de difamar ou macular a honra da instituição de ensino, mormente quando apenas se limitou a veicular
notícia sobre dados colhidos de Secretaria de Estado. Ficando evidente que o apelado somente omitiu o
nome do autor/apelante da lista das entidades em situação regular com a Secretaria de Educação, em face
da informação prestada pelo órgão of‌icial do governo do Distrito Federal, não havendo com este gesto
qualquer animus de ofender ou difamar o apelante. 3. Deste modo, não houve, por parte do apelado, abuso
no direito de informar, a ensejar a indenização por danos morais, limitando-se, tão-somente, a informar
que o governo do Distrito Federal estava na iminência de comunicar ao Parquet local a lista de instituições
que, mesmo sem ter autorização, ofereciam a jovens e adultos supletivo do ensino básico. 4. Em havendo
posterior retif‌icação da notícia, não subsiste qualquer mácula à reputação da Autora, quando foi expressado
o nome da instituição de ensino dentre as regulares, sendo incabível o pedido de publicação de errata ou do
exercício do direito de resposta, seja a título de antecipação dos efeitos da tutela, seja a título do provimento
f‌inal. Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida” (TJDFT, 3ª T.C., Ap. Cível 547145, Rel. Des.
Alfeu Machado, Rev. Des. Nídia Corrêa Lima, j. 9.11.2011, publ. 14.11.2011).
86. “DIREITO DE RESPOSTA. O autor alega que a ré veiculou em edição de seu conhecido semanário de circula-
ção nacional certa reportagem que agride a sua honra, atacando-o de forma infundada e externando ofensas
injustif‌icadas contra si. Pleiteia a concessão de direito de resposta. Sentença de improcedência. Insurgência
do autor. Não acolhimento. Exercício regular de direito de informação pelo veículo de comunicação. O
direito do autor à publicação do direito de resposta exige a demonstração de que os fatos veiculados pela ré
sejam efetivamente mentirosos. Conjunto fático e probatório que se limita a negar a conduta a ele atribuída.
Autor que não comprovou de qualquer modo sua versão dos fatos. Reportagem informa repetidamente que
a conduta narrada está sob investigação pelos órgãos competentes. Não há ofensa direta ou juízo de valor
por parte do veículo réu. Não se vislumbra falsidade ou distorção evidentes a respeito dos fatos tratados
a ensejar a ocorrência de agravo juridicamente tutelável e o consequente direito de resposta pretendida.
Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP, 7ª C. Dir. Priv., Ap. Cível 1067012-49.2016.8.26.0100, Rel.
Des. Mary Grün, j. 24.03.2017, publ. 24.03.2017).
87. “Responsabilidade civil. Indenização. Dano moral. Desagravo Público. Ação procedente. Rejeitada preli-
minar de carência da ação. Presente o interesse processual. Mérito. Nota pública de desagravo emitida por
associação de classe. Código de Ética Médica que confere essa prerrogativa apenas aos Conselhos Regionais
de Medicina. Incidência do Art. 26 do CEM e do Parecer do CFM n° 3.185/89. Associação de classe que
não representava o facultativo, tampouco legitimidade ao ato de desagravo. Excesso no exercício do ani-
403
RETIFICAÇÃO DE INFORMAÇÃO ATRAVÉS DO DIREITO DE RESPOSTA
Diante da inconstância da jurisprudência na análise dos pedidos de direito de
resposta, a verif‌icação do liame entre o resultado danoso e a conduta praticada para
que, se presente o nexo causal, haja o dever de retif‌icar a informação equivocada, é
mais uma baliza capaz de permitir o maior respaldo das fundamentações das decisões.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo com a revogação da lei de imprensa e após o julgamento de ações de
inconstitucionalidade em face da Lei 13.188/2015, o direito de resposta foi mantido
como forma de tutela diante de excessos cometidos pela atividade jornalística, sendo
dignos de retratação ou indenização os eventuais ilícitos e abusos cometidos pela
mídia no exercício de sua atividade.
De todo modo, o direito de resposta deve ser exercido de forma proporcional,
adequada e necessária ao agravo sofrido. O direito de retif‌icação, mais precisamente,
como espécie de direito de resposta, consiste na correção do fato, desmentindo-o
ou oferecendo uma versão comprovada da versão anteriormente apresentada pelo
emissor original.
No presente trabalho, sugeriram-se balizas para o reconhecimento da procedên-
cia do pedido de exercício do direito de retif‌icação: dano à pessoa ofendida, culpa
por parte do ofensor e nexo causal entre a conduta culposa e o dano. Em suma, os
critérios sugeridos são que o dano apto a ensejar o direito de retif‌icação seria em
regra a lesão injusta à dignidade da pessoa sobre a qual se veicula informação inve-
rídica ou errônea. Idealmente, a culpabilidade que ensejaria o direito à retif‌icação
da informação seria decorrente da culpa objetiva, verif‌icada quando o agente não se
desincumbe do dever de diligência de apuração dos fatos, atuando em negligência.
Por f‌im, se possível, para verif‌icar-se o nexo causal, sugere-se a análise do liame entre
o resultado danoso e a conduta praticada para que, se presente o nexo causal, haja o
dever de retif‌icar a informação equivocada.
mus criticandi. Imputação ao autor de conduta contrária à função de policial civil, sem qualquer ressalva
ou apuração acurada dos fatos. Excesso no direito de resposta punível pelo ordenamento jurídico. Não
impugnação do quantum indenizatório. Recurso desprovido” (TJSP; 2ª C. Dir. Priv, Ap. Cível com revisão
9072584-39.2005.8.26.0000, Rel. Des. A Santini Teodoro, j. 04.11.2008, publ. 12.11.2008).

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