Direito de sátira x liberdade religiosa: dez mandamentos para evitar um novo caso porta dos fundos

AutorAnderson Schreiber
Páginas405-409
DIREITO DE SÁTIRA X LIBERDADE RELIGIOSA:
DEZ MANDAMENTOS PARA EVITAR UM NOVO
CASO PORTA DOS FUNDOS1
Anderson Schreiber
Professor Titular de Direito Civil da UERJ. Professor da Fundação Getúlio Vargas – FGV.
Coordenador do Grupo de Pesquisa em Direito e Mídia. Procurador do Estado do Rio
de Janeiro. Advogado.
Todos devem se recordar da polêmica causada pela decisão judicial que ordenou
a retirada do ar do Especial de Natal do Porta dos Fundos – revertida, em pouco mais
de 24 horas, pelo STF. Houve uma quantidade imensa de comentários e postagens nas
redes sociais, ora atacando a decisão, por violar frontalmente a liberdade de expres-
são, ora a defendendo com base na alegada violação à liberdade religiosa da “maioria
cristã” (o termo foi, sintomaticamente, empregado tanto na decisão do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro quanto na decisão do Supremo Tribunal Federal). O embate
de opiniões é extremamente produtivo em uma sociedade democrática, mas, mais que
a discussão de fundo, o episódio revelou falta de atenção a algumas orientações que
nossos tribunais já poderiam ter apreendido de outros casos judiciais que envolve-
ram, na experiência recente, a colisão entre liberdade de expressão e outros direitos
fundamentais e que poderiam trazer um pouco mais de segurança ao julgamento
dessa espécie de conf‌litos. As referidas orientações podem ser sintetizadas em dez
pontos para evitarmos um novo caso Porta dos Fundos:
1. Direitos x sentimentos. O deferimento de uma medida liminar (anterior,
portanto, ao pleno desenvolvimento do contraditório) para suspender a
veiculação de um programa televisivo é medida que deve assumir caráter
excepcional na nossa ordem jurídica, não podendo ser concedida com base
em meras impressões ou sentimentos, como a impressão de que a liminar é
necessária para abrandar um suposto clamor público ou outras af‌irmações
de caráter mais emotivo do que técnico. Isso não signif‌ica que a liberdade de
expressão seja um direito absoluto ou que goze necessariamente de alguma
preferência em caso de colisão com outros direitos fundamentais (como
tem defendido parte do STF). Isso quer dizer apenas que medidas liminares
devem ser concedidas de modo técnico e cuidadoso, em atenção aos requisi-
tos legais para tanto, e que eventual decisão proferida nesse sentido precisa
1. Publicado originariamente no JOTA, em 15.1.2020, sob o título “De Moisés para Jesus: dez mandamentos
para evitar um novo caso Porta dos Fundos”.

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