Direito ao esquecimento

AutorAnderson Schreiber
Páginas217-230
DIREITO AO ESQUECIMENTO
Anderson Schreiber
Professor Titular de Direito Civil da UERJ. Professor da Fundação Getúlio Vargas – FGV.
Coordenador do Grupo de Pesquisa em Direito e Mídia. Procurador do Estado do Rio
de Janeiro. Advogado.
Se me esqueceres, só uma coisa,
esquece-me bem devagarinho.”
Mario Quintana
1. O QUE É E O QUE NÃO É O DIREITO AO ESQUECIMENTO
As mudanças tecnológicas alteraram signif‌icativamente a forma como o ser hu-
mano vem lidando com suas memórias. Se, antes, o indivíduo tendia naturalmente a
esquecer, distanciando-se progressivamente do passado, hoje, computadores e apare-
lhos eletrônicos permitem a “lembrança de tudo”.1 Como af‌irma Mayer-Schönberger,
na era digital, “o equilíbrio entre lembrar e esquecer começou a se inverter”: lembrar
tornou-se a regra e “esquecer, a exceção.” 2 Tais mudanças colocaram em evidência
o chamado direito ao esquecimento. Nascido no direito europeu continental (diritto
all’oblio, na Itália; droit à l’oubli, na França; e assim por diante), notadamente com
vistas aos casos de ex-detentos,3 o chamado direito ao esquecimento passou a ser de-
batido também na esfera cível, no âmbito das relações entre particulares.
No Brasil, o direito ao esquecimento ganhou um sentido peculiar. Em 2013, o
Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.334.097 (Chacina
da Candelária), atestou a existência do “direito ao esquecimento”, mas o def‌iniu como
“um direito de não ser lembrado contra sua vontade, especif‌icamente no tocante a fatos
desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas de que, posteriormente,
fora inocentado.”4
1. COSTA, André Brandão Nery. Direito ao Esquecimento: a Scarlet Letter Digital. In: SCHREIBER, Anderson
(org.). Direito e Mídia. São Paulo: Atlas, 2013, p. 185.
2. MAYER-SCHÖNBERGER, Viktor. Delete: The Virtue of Forgetting in the Digital Age. New Jersey: Princeton,
2009, p. 196: “With our capacity to remember, we are able to compare, to learn, and to experience time as change.
Equally important is our ability to forget, to unburden ourselves from the shackles of our past, and to live in the
present. For millennia, the relationship between remembering and forgetting remained clear. Remembering was
hard and costly, and humans had to choose deliberately what to remember. The default was to forget. In the digital
age, in what is perhaps the most fundamental change for humans since our humble beginnings, that balance of
remembering and forgetting has become inverted. Committing information to digital memory has become the
default, and forgetting the exception.”
3. Para mais detalhes, ver SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2011, pp. 164-
165.
4. STJ, REsp 1.334.097, j. 28.5.2013. A Corte concluiu, naquela ocasião, que: “A despeito de a Chacina da Can-
delária ter se tornado – com muita razão – um fato histórico, que expôs as chagas do País ao mundo, tornando-se
símbolo da precária proteção estatal conferida aos direitos humanos da criança e do adolescente em situação

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