Manchetes no divã: uma introdução ao exame dos títulos noticiosos

AutorThiago Junqueira e José Eduardo Junqueira Ferraz
Páginas55-78
MANCHETES NO DIVÃ:
UMA INTRODUÇÃO
AO EXAME DOS TÍTULOS NOTICIOSOS
Thiago Junqueira
Doutor em Direito Civil pela UERJ. Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra. Membro do Grupo de Pesquisa Direito e Mídia (UERJ).
Professor do IDS América Latina e do Programa de MBA da Escola Nacional de Se-
guros. Advogado.
José Eduardo Junqueira Ferraz
Doutor e Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor dos Cursos de Pós-Graduação
da Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ e da Escola da Magistratura do Estado do Rio
de Janeiro – EMERJ. Articulista responsável pelo blog “Esporte Legal”, do site globo-
esporte.com. Advogado.
URGENTE: Metade dos urgentes em manchetes
no Facebook não são urgentes.
Site: Sensacionalista
1. INTRODUÇÃO
Diante do imenso conteúdo produzido pelos diferentes tipos de mídia, parece
natural a conclusão de que a manchete ocupa, hoje, provavelmente mais do que nunca,
lugar de destaque. Esse privilegiado espaço vem sendo utilizado para f‌ins diversos,
que se situam entre dois extremos: a informação, resumida, porém impecável, dos
fatos e a sua total distorção.
Com efeito, há certa convicção entre os meios de comunicação social de massa
de que o título noticioso não deve ter como prioridade informar ao leitor em potencial
sobre a temática da matéria – tal qual uma espécie de síntese do que será abordado –,
mas sim despertar a sua curiosidade, atraindo interesse à imediata leitura.
Um exemplo f‌ictício ajuda a ilustrar: em diálogo presente no f‌ilme The Shipping
News, o editor de um jornal para o qual o protagonista começa a trabalhar acon-
selha-o sobre o que torna uma pessoa repórter. Após dizer que o aprendiz deveria
começar criando algumas – curtas, arrematadoras e dramáticas – manchetes, o editor
mira o dedo às nuvens escuras e pede que seja feita uma manchete para retratar a
situação. “Horizonte repleto de nuvens escuras?”, pergunta o protagonista, no que
é respondido: “Tempestade iminente ameaça a vila”. Com feição de intrigado, o
subordinado questiona seu superior sobre o que fazer se a tempestade não viesse,
THIAGO JUNQUEIRA E JOSÉ EDUARDO JUNQUEIRA FERRAZ
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sendo prontamente respondido pelo que seria a manchete do dia seguinte: “Vila se
livra de tempestade mortal”.1
Esse tipo de abordagem, realizada por parte dos veículos informativos visan-
do impulsionar a venda de exemplares, número de cliques e, consequentemente,
anunciantes, deve ser alvo de problematização. Se é certo que grande parte da
receita da mídia é oriunda justamente do comércio de espaço publicitário – que,
por sua vez, tem um valor de negociação inf‌luenciado pela repercussão e número
de leitores envolvidos –, também não deixa de ser necessário que a informação
repassada o seja de maneira f‌idedigna e leal, sem induzir o leitor a consumir algo
que não condiz com a realidade, com o corpo do texto da matéria ou que simples-
mente não lhe interesse.
A questão ganha ainda mais importância quando se tem em vista o fato de que
grande parte da audiência atual, diante da referida enxurrada de conteúdo produzido
ininterruptamente, restringe-se, em especial no ambiente on-line, a ler a manchete
das notícias,2 podendo, dessa feita, tê-las como corretas e repassar informações in-
completas – ou, pior, errôneas.3
Especialmente nos últimos anos, tem-se assistido ao avanço vertiginoso da
elaboração técnica sobre o entorno dos títulos. Geralmente, o objetivo das pesquisas
é voltado à compreensão do que faz uma notícia viralizar, de como as manchetes
– do seu comprimento até as palavras e números inseridos nelas – inf‌luenciam na
repercussão de uma publicação.4 Psicologia, marketing, linguística e jornalismo
têm contribuído, por meio de diferentes enfoques, na busca da assimilação do que
se encontra por trás da manchete ética e comercialmente “ideal”.
A propósito, impõe-se a seguinte pergunta: qual tem sido a atuação do Direito nesse
contexto? Não obstante exista considerável literatura acerca dos efeitos da cobertura
1. O diálogo transcrito não consta do livro homônimo, ganhador do Prêmio Pulitzer (1994), que inspirou o
f‌ilme (PROULX, E. Annie. The Shipping News. Charles Scribner’s Sons: Nova Iorque, 1993). Curiosamente,
a película, lançada no ano de 2001, chegou ao mercado brasileiro com título totalmente diverso: “Chegadas
e Partidas”.
2. Sublinhe-se que a palavra “manchete” está a ser utilizada em seu sentido lato, abarcando não apenas o tí-
tulo da notícia principal, disposta na primeira página de jornal ou revista, mas o título de qualquer notícia,
inclusive on-line. Para se evitar repetição, utilizar-se-ão os termos “manchetes jornalísticas” (ou, simples-
mente, “manchetes”) e “títulos” no mesmo sentido. Caso haja necessidade de diferenciação, chamar-se-á,
tempestivamente, a atenção para tanto.
3. A leitura circunscrita e os possíveis efeitos deletérios oriundos de manchetes pouco acuradas já eram
apontados em 1980: “Muitos leitores de jornais leem as manchetes e baseiam-se apenas nelas para formar
suas opiniões sobre os acontecimentos do dia”. MARQUEZ, F. T. How Accurate Are the Headlines? Journal
of Communication. Medford, v. 30, n. 3, p. 30, set. 1980. A questão ganha contornos dramáticos no âmbito
digital: pense-se na eventualidade do compartilhamento de uma notícia com manchete capciosa em redes
sociais, como o Facebook; a correta interpretação dos fatos nela expostos dependeria de o usuário, ao ter
contato com a manchete em seu feed de notícias, clicar e ler o texto por inteiro, algo que frequentemente
não acontece.
4. Cfr. KILGO, Danielle; SINTA, Vinicio. Six things you didn’t know about headline writing: Sensational form
in viral news of traditional and digitally native news organizations. ISOJ. Austin, v. 6, n. 1, primavera 2016,
com amplos elementos; e os demais estudos referidos no tópico 2.

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