O equilíbrio ecológico como objeto de tutela da lei de ação civil pública

AutorMarcelo Abelha Rodrigues
Páginas81-156
CAPÍTULO 4
O EQUILÍBRIO ECOLÓGICO COMO OBJETO
DE TUTELA DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
1. O DIREITO FUNDAMENTAL AO EQUILÍBRIO ECOLÓGICO NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DEVERES JURÍDICOS CORRESPONDENTES
O artigo 225, caput da CF/88 consagra o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, um bem de uso comum do povo, que é essencial à sadia qualidade de vida
e que deve ser resguardado não apenas para as presentes, mas também para as futuras
gerações.
Conquanto o direito ao equilíbrio ecológico não f‌igure formalmente no rol de di-
reitos constantes do título II da CF/88, não se discute a sua seiva de direito fundamental
pois expressamente o texto constitucional vincula-o como essencial à sadia qualidade de
vida. Dito em outros termos, não há vida sadia com qualidade sem um meio ambiente
que esteja ecologicamente equilibrado. O direito à vida e o direito à saúde são conecta-
dos de forma indissociável ao equilíbrio ecológico, tanto sob uma perspectiva coletiva,
quanto individual.1
A dimensão individual do meio ambiente não exclui a sua dimensão coletiva e
vice-versa; o regime jurídico do bem é de uso comum, harmônico, não egoísta, ou seja,
embora seja de fruição individual, este uso não pode privar todos que integram a cole-
tividade de também fruí-lo na sua plenitude.
2. O ELEMENTO OBJETIVO E O SUBJETIVO DO EQUILÍBRIO ECOLÓGICO
O art. 225, caput identif‌ica no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
tanto o seu elemento objetivo (meio ambiente ecologicamente equilibrado ou simplesmen-
te equilíbrio ecológico) quanto o subjetivo (todos, povo, coletividade, gerações presentes
e futuras). Passaremos à análise da característica de cada um deles.
2.1 Elemento objetivo: equilíbrio ecológico
O elemento objetivo “equilíbrio ecológico” não pode ser apequenado com a costu-
meira confusão que se faz com os recursos ambientais. O equilíbrio ecológico é formado
1. SARLET, Ingo Wolfgang; FERNSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental: estudos sobre a constituição, os direitos
fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Ed. RT, 2011, p. 37-38.; SARLET, Ingo Wolfgang. A Ef‌icácia dos Direitos
Fundamentais. 6. ed. rev., atual e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 92-96.
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA E MEIO AMBIENTE • MARCELO ABELHA RODRIGUES
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pela interação (química, física e biológica) dos recursos ambientais, ou seja, estes são
parte do todo. Tais recursos, em conjunto, são ingredientes fundamentais para se alcançar
o equilíbrio ecológico. Logo, o produto da interação destes recursos não se confunde, e
nem se reduz, a cada um destes recursos em particular.
O ar, a água, a fauna, a f‌lora, os minerais etc. são os recursos ambientais, que podem
ser classif‌icados em bióticos (com vida) e abióticos (sem vida). O equilíbrio ecológico
é o resultado da combinação entre eles. Cada recurso ambiental tem um papel (função
ecológica) na produção do equilíbrio ecológico.
Neste particular o texto constitucional abraçou, integralmente, os conceitos de
meio ambiente (equilíbrio ecológico) e de recursos ambientais previstos no art. 3º, I e V
da Lei 6938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, vejamos:
Art. 3º Para os ns previstos nesta Lei, entende-se por:
I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, inuências e interações de ordem física, química e biológica,
que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
(...)
V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superciais e subterrâneas, os estuários, o mar
territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a ora.
No texto do artigo 225 da CF/88 há o reconhecimento do direito fundamental
ao equilíbrio ecológico, como também que ele não pode ser alcançado (o equilíbrio
ecológico) sem que se protejam os recursos ambientais. É o que se observa ao falar no
parágrafo primeiro do artigo 225 que a “efetividade” desse direito (equilíbrio ecológico)
depende da proteção dos “processos ecológicos essenciais”, “patrimônio genético”,
“componentes ambientais dos espaços especialmente protegidos”, “função ecológica
da fauna e da f‌lora” etc.
Falando mais um pouquinho sobre o objeto (“equilíbrio ecológico”) do direito
fundamental previsto no artigo 225 da CF/88 é necessário dizer que o próprio texto
magno estabeleceu o seu regime jurídico e de certa forma algumas características que
são importantes para def‌inir, em capítulos seguintes, como deve se dar a sua tutela.
A sua principal característica é ser essencial à sadia qualidade de vida. Ora, dizer
que é fundamental, imprescindível, imanente, necessário à vida – com saúde – implica
reconhecer que aí está o “mais básico de todos os direitos, no sentido de que surge como
verdadeiro pré-requisito da existência dos demais direitos consagrados constitucionalmente.
É, por isto, o direito humano mais sagrado2.
Observe que a essencialidade à vida traz consigo uma série de atributos como:
a) indisponibilidade, af‌inal ninguém pode prescindir da vida com saúde;
b) imprescritibilidade, “em razão da natureza permanente da lesão”3-4;
2. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 569.
3. (AgInt no AREsp 1540341/PA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/06/2020,
DJe 17/06/2020).
4. O STF (tema STF n. 999) reconheceu por maioria de votos ser “imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”
no julgamento do Recurso Extraordinário 654833 seguindo orientação pacíf‌ica e sedimentada do STJ (STJ, REsp 1081257-SP,
REsp 1644195-SC). Tal orientação do STF em abril de 2020, consolida a posição dos nossos tribunais de cúpula de que a lesão ao
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c) inalienabilidade/indisponibilidade, posto que não possuem conteúdo econômico
que permita ser transferido ou negociado, sendo impossível a sua disposição;
d) inapropriável no sentido de não pertence a uma pessoa com exclusão de outras,
ou seja, não pode ser excluído de quem quer que seja, inclusive porque se sub-
mete a um regime de uso comum;
e) irrenunciável porque não se pode renunciar à vida com qualidade,
f) irretroatividade, porque uma vez ocorrida a sua aquisição ao patrimônio jurídico
do indivíduo, é vedado que se lhe imponha um retrocesso à sadia qualidade de
vida adquirida5;
g) interrelacionalidade, pois na medida em que tal objeto está atrelado ao núcleo
mais sagrado do indivíduo/coletividade que é a vida com dignidade, todos os
demais direitos que dependem do direito à vida se correlacionam com o meio
ambiente sadio;
h) globalidade/transnacionalidade, pois não sendo um objeto que encontra frontei-
ras políticas e sendo os recursos ambientais de índole planetária, comunicantes
e dependentes um dos outros, não há como segregá-lo a um limite espacial e
político construído pelo ser humano;
i) não monetizável (não amoedável) que implica que não deve ser violado, pois
privar o indivíduo/coletividade do seu usufruto não encontra conversão em
pecúnia;
j) infungibilidade, assim entendida como a impossibilidade de que possa ser subs-
tituído por qualquer outro objeto;
k) indivisível, pois não podem ser fracionados sem alteração na sua substância, e
sem prejuízo do uso a que se destinam.
l) Ref‌lexibilidade na medida em que é base de sustentação para outros direitos, ou
seja, a violação do equilíbrio ecológico ricocheteia para outros direitos (indi-
viduais ou coletivos) que dele dependam.
Todas estas características do equilíbrio ecológico, objeto do direito constitucio-
nal ao meio ambiente, são importantíssimas para entender como deve ser o modelo de
proteção do referido direito.
2.2 O elemento subjetivo: titularidade universal
Em mais de um momento o artigo 225 deixou clara a titularidade do direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, ou seja, def‌iniu a quem pertence este direito
fundamental. O texto do artigo 225 usa as expressões “todos”, “povo”, “coletividade”,
meio ambiente é de índole permanente e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence as presentes e futuras
gerações. Entre aderir a um sistema clássico de estabilidade pela prescrição e manter viva a possibilidade de reparação pelos
danos ambientais o STF adotou a posição de proteção do meio ambiente, inclusive citando o voto do Ministro Herman Benjamin
(STJ) sobre o tema quando disse que a “segurança jurídica da coletividade futura que enfraquece e mitiga, quando não aniquila,
a chamada segurança jurídica tradicional, no caso do infrator das normas ambientais. Ou seja, deve prevalecer a segurança
jurídica coletiva das gerações futuras sobre a segurança jurídica do infrator individual de hoje”. (EDcl no REsp 1120117/AC).
5. BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.158.
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