Feminicídio, justiça criminal e impunidade

AutorValderez Deusdedit Abbud
Ocupação do AutorProcuradora de Justiça de São Paulo. Procuradora de Justiça da Procuradoria de Justiça de Habeas Corpus e Mandados de Segurança Criminais. Integra o Ministério Público de São Paulo desde1980. Atuou em tribunais do júri e, desde 1995, é procuradora de Justiça na área criminal. Foi professora do Mackenzie e da Unicamp. Formada também em Pedagogia...
Páginas297-308
FEMINICÍDIO, JUSTIÇA CRIMINAL
E IMPUNIDADE
Valderez Deusdedit Abbud
Procuradora de Justiça de São Paulo. Procuradora de Justiça da Procuradoria
de Justiça de Habeas Corpus e Mandados de Segurança Criminais. Integra o
Ministério Público de São Paulo desde1980. Atuou em tribunais do júri e, desde
1995, é procuradora de Justiça na área criminal. Foi professora do Mackenzie e
da Unicamp. Formada também em Pedagogia pela USP.
Resumo
: O presente artigo pretende ressaltar o papel da ideologia na reprodução de valores
de supremacia do homem sobre a mulher, como fator decisivo para a incontrolável violência
contra a mulher, e, também, o papel da justiça criminal na contenção da escalada violenta
do assassinato de mulheres, cujos aplicadores da lei ainda se conduzem com muita timidez
na solução de conitos de gênero. O acervo judiciário demonstra a resistência na aplicação
de leis que protegem a mulher, especialmente a Lei Maria da Penha que, se aplicada com a
mesma intensidade com que foi concebida, evitaria o aumento da estatística dos feminicídios.
Todos quantos se dedicam ao estudo deste tema têm a clara percepção de que o assassinato
de mulheres é sempre precedido de agressões anteriores que, se fossem adequadamente
repudiadas pela justiça criminal, poupariam a vida das mulheres.
O feminicídio – a mais cruel e denitiva expressão da violência contra a
mulher – foi introduzido na legislação brasileira pela Lei 13.104/2015, que con-
cebeu um tipo penal autônomo, tipicando-o como o assassinato de mulheres,
por razões da condição do sexo feminino; em situação de violência doméstica e
menosprezo ou discriminação à condição de mulher (CP, art. 121, § 2 º, VI c.c §
2º-A, incisos I e II). Pela denição do tipo penal, verica-se que não é qualquer
assassinato de mulheres que congura a nova categoria jurídica, mas tão somen-
te aqueles praticados contra mulher, por razões da condição de sexo feminino,
especicamente aqueles cometidos em situação de violência doméstica ou por
menosprezo ou discriminação à condição da mulher.
Naturalmente esta lei não foi fruto do acaso ou da criação mental dos legis-
ladores. Foi precedida de outras leis e de expressivos movimentos sociais, que, no
entanto, se mostraram insucientes para coibir a incontrolável violência contra
a mulher, uma das formas superlativas de violação dos direitos humanos. Não se
pretende, aqui, elaborar um estudo ou uma análise sociológica sobre o fenômeno
social da violência que marca a sociedade contemporânea, mas apenas destacar
o quanto a violência contra a mulher tem origem na condição desigual que ela
ocupa na sociedade, marcada por evidente assimetria entre os gêneros e, sobre-
tudo, na indiferença e tolerância que a sociedade tem em relação aos crimes que
EBOOK MP ESTRATEGICO VIOLENCIA DE GENERO.indb 297EBOOK MP ESTRATEGICO VIOLENCIA DE GENERO.indb 297 30/08/2022 14:44:5530/08/2022 14:44:55

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