Justiça restaurativa, violência de gênero e suas interseccionalidades
Autor | Josineide Gadelha Pamplona Medeiros, Nirson Medeiros da Silva Neto e Mônica Milly Nunes Melo |
Ocupação do Autor | Doutoranda em Ciências Ambientais pelo Programa de Pós-graduação em Sociedade, Natureza e Desenvolvimento (PPGSND) da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). / Pós-Doutor pelo Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo ? USP. Doutorado em Ci... |
Páginas | 327-345 |
JUSTIÇA RESTAURATIVA, VIOLÊNCIA DE
GÊNERO E SUAS INTERSECCIONALIDADES
Josineide Gadelha Pamplona Medeiros
Doutoranda em Ciências Ambientais pelo Programa de Pós-graduação em
Sociedade, Natureza e Desenvolvimento (PPGSND) da Universidade Federal do
Oeste do Pará (UFOPA) e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará
(UFPA). Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA). Tem
formação como Facilitadora de Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de
Paz. É membro do Comitê Gestor da Justiça Restaurativa no Conselho Nacional
de Justiça (CNJ). No TJPA foi Coordenadora Estadual da Justiça Restaurativa e
Presidente da Comissão de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral, Sexual
e Discriminação no 1º Grau. É docente na Escola Judicial do TJPA.
Nirson Medeiros da Silva Neto
Pós-Doutor pelo Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universi-
dade de São Paulo – USP. Doutorado em Ciências Sociais (área de Antropologia).
Mestrado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor-as-
sociado da Universidade Federal do Oeste do Pará, onde integra a Clínica de
Justiça Restaurativa da Amazônia (CJUÁ). Research scholar na Governors State
University in Chicago’s Southland (GSU). Lidera o grupo de pesquisa “Justiça
restaurativa, construção de paz e bem viver: estudos em torno da Amazônia
brasileira”, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. É facilitador,
instrutor e consultor em justiça restaurativa.
Mônica Milly Nunes Melo
Mestranda em Ciências da Sociedade pela Universidade Federal do Oeste
do Pará (UFOPA). Pós-graduada (especialização) em Direito Penal e Processo
Penal. Pós-graduanda em Direito Público. Foi bolsista da Clínica de Justiça Res-
taurativa da Amazônia (CJUÁ) e atualmente integra grupo de pesquisa “Justiça
restaurativa, construção de paz e bem viver: estudos em torno da Amazônia
brasileira”. Advogada.
Sumário: 1. Introdução – 2. Justiça restaurativa: uma forma de imaginar, praticar e viver a
justiça – 3. Justiça restaurativa, violência de gênero e suas interseccionalidades: contribuições
do feminismo racial crítico – 4. Conclusão – Referências.
1. INTRODUÇÃO
Neste capítulo apresentamos uma abordagem de justiça restaurativa sob a
perspectiva de gênero e suas interseccionalidades, discutindo caminhos para o
enfrentamento e a prevenção das violências perpetradas contra mulheres, gays,
lésbicas, bissexuais, transexuais, transgêneros, queers, pessoas não binárias e outras
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que não se conformam às tradições patriarcalistas. Esta modalidade de violência
traz consigo forte relação com estruturas sociais, padrões culturais e molduras
institucionais que dispõem mulheres e pessoas LGBTQIA+ – especialmente ne-
gras, pardas e indígenas, embora também alcancem aquelas pertencentes a outros
grupos étnico-raciais – em condições de maior suscetibilidade a agressões físicas,
psicológicas, morais e sexuais. A violência de gênero apresenta em estado oculto
ou declarado esquemas de pensamento, ação, percepção e apreciação que levam
a de atos de violência que afetam desproporcionalmente indivíduos e grupos não
brancos, que são alvos mais frequentes de ações violentas motivadas pela discrimi-
nação de gênero. Em ditos esquemas, a dominação masculina e as violações que
lhe acompanham são representadas como “normais”, como se zessem parte da
“ordem das coisas”, o que reproduz uma compreensão androcêntrica da realidade
que “impõe-se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos
que visem a legitimá-la” (BOURDIEU, 1999, p. 18). Tais esquemas inferiorizam
mulheres e pessoas LGBTQIA+, não raramente sendo o substrato simbólico
justicador de diferentes violações de direitos, corpos e sensibilidades. Tratar da
violência de gênero, portanto, signica abordar tanto violências diretas quanto
formas sutis e continuadas de violações praticadas em famílias, comunidades,
escolas, universidades, ambientes de trabalho, empresas, igrejas, relacionamentos
conjugais, interações cotidianas etc., muitas das quais também perpetradas por
instituições estatais e agentes governamentais.
Como lidar com as situações de violência de gênero, uma vez que elas sabi-
damente apresentam enraizamento em outras manifestações de violência nem
sempre aparentes? Uma compreensão holística desta modalidade de violência,
sem a qual torna-se improvável a transformação dos fatores subjacentes que
contribuem para sua ocorrência, deve incluir a consideração de questões como
misoginia, heterossexismo, homofobia, transfobia, racismo, xenofobia e desi-
gualdade socioeconômica, que estão latentes ou mesmo patentes nos contextos
societários em que se deseja realizar intervenções. Para que se promova respostas
adequadas que contribuam para o tratamento desta forma de violência, é impor-
tante trocarmos o foco na armação da estrutura normativa para outro que se
preocupe com o desenvolvimento de um conjunto sistêmico de ações capaz de
enfrentar as violações marcadas por recortes de gênero em sua natureza complexa
e multifacetária. A justiça restaurativa é um caminho. Ela implica a preocupação
com a responsabilização ativa dos causadores de danos e uma atenção especial
aos receptores das ações danosas, assim como o engajamento comunitário e o
exercício da cidadania na busca por encaminhamentos e soluções duráveis para
violências enredadas em padrões societais resistentes a mudanças. Problemáticas
de longa duração, como é o caso da violência de gênero, exigem intervenções de
longo prazo capazes de atuar para além dos epifenômenos conitivos, alcançando
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