A inclusão social na perspectiva de gênero

AutorAnna Trotta Yaryd e Fabíola Sucasas Negrão Covas
Ocupação do AutorPromotora de Justiça de Inclusão Social das Promotorias de Direitos Humanos da capital do Ministério Público de São Paulo. / Promotora de Justiça Coordenadora do Núcleo de Gênero do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público de São Paulo.
Páginas65-90
A INCLUSÃO SOCIAL
NA PERSPECTIVA DE GÊNERO
Anna Trotta Yaryd
Promotora de Justiça de Inclusão Social das Promotorias de Direitos Humanos
da capital do Ministério Público de São Paulo.
Fabíola Sucasas Negrão Covas
Promotora de Justiça Coordenadora do Núcleo de Gênero do Centro de Apoio
Criminal do Ministério Público de São Paulo.
Sumário: 1. Introdução – 2. Gênero – 3. Exclusão e inclusão; 3.1 A outridade em campo; 3.2
Exclusão como um processo de não inclusão social – 4. Interseccionalidades; 4.1 Mulheres; 4.2
Mulheres negras; 4.3 Da situação de rua; 4.4 Da orientação sexual e identidade de gênero; 4.5
Outras situações – 5. Considerações nais – Referências.
1. INTRODUÇÃO
Em outubro de 1988 entrou em vigor a Constituição Federal apelidada de
“constituição cidadã” por Ulysses Guimarães, então presidente da Assembleia
Nacional Constituinte, considerada um documento de dignidade e de justiça
social do Brasil.
Foi ela que, baseada na Carta de Curitiba aprovada no 1º Encontro Nacional
de Procuradores-Gerais de Justiça e Presidentes de Associações do Ministério
Público (MAZZILI, 2018, p. 97), previu um novo modelo de Ministério Público
enquanto órgão essencial à função da Justiça e que marcou a história de evolução
da Instituição em um desenho ampliado nos desaos voltados à realização e à
salvaguarda do estado social.
Esse o renascimento da Instituição, pois além de ganhar garantias para o seu
funcionamento (autonomia e independência), recebeu funções mais amplas ao ser
encarregada da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis (ARRUDA, 2020, p. 29).
Pensar em um Ministério Público posto no tempo do futuro é reetir sobre
o que ele foi e o que ele é. Desde então, o Ministério Público se modernizou e se
especializou em uma Instituição que se vê incumbida de articular políticas públicas
ao mesmo tempo que deve combater a corrupção e a improbidade administrativa.
EBOOK MP ESTRATEGICO VIOLENCIA DE GENERO.indb 65EBOOK MP ESTRATEGICO VIOLENCIA DE GENERO.indb 65 30/08/2022 14:44:4030/08/2022 14:44:40
ANNA TROTTA YARYD E FABÍOLA SUCASAS NEGRÃO COVAS
66
É o Ministério Público que deve realizar o controle externo da atividade policial,
enfrentar o crime organizado, salvaguardar os interesses prioritários da criança e
do adolescente, das pessoas idosas, das pessoas com deciência, dos consumidores,
e dos direitos à saúde, à educação, ao meio ambiente e à habitação e urbanismo,
dentre outros. É o Ministério Público que realiza suas múltiplas tarefas em meio
aos desaos da resolutividade, do excesso de judicialização, e dos mais variados
obstáculos como o argumento da “reserva do possível” a alavancar resultados e
respostas à sociedade.
A questão de gênero surgiu a somar dentre tais desaos, evocando um de-
senho renovado de Ministério Público e de um futuro que coloca à prova o seu
serviço genuíno de responder aos reclamos sociais dando conta das especicidades
das vozes que daí ecoam, ou daquelas que ainda não podem ressoar.
Problematizar a promessa que era depositada na Instituição em 1988 e proje-
tá-la para o futuro é fazê-lo das mais variadas perspectivas identitárias e pautada
na antidiscriminação. O recorte de gênero, porém, parte de uma existência que
já se fez omitida na Constituição Federal no elenco dos objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil.
Esse, o primeiro ponto que nos desaa às reexões propostas neste artigo,
pois se a expectativa de 1.988 era de uma Instituição que promovesse a transfor-
mação social e que velasse pela não reprodução de desigualdades, não devia estar
alheia à perspectiva de gênero enquanto tema essencial e transversal na busca e
na promoção do bem-estar social e da dignidade da pessoa humana.
Pensamos, daí – e criticamente – que os desaos não estão apenas no passa-
do, mas no presente e no futuro. Estão em um presente que resiste nos seus mais
variados argumentos insertos nas relações de poder que marcam as relações de
gênero, e em um futuro que insiste em se manter distante, invisível e inseguro.
É justamente esse o ponto que nos remeteu a escrever esse texto partindo de
referências teóricas. Foi em meio a discussões preliminares para a organização
metodológica do artigo que percebemos a insuciência de dados a nos permitir
mergulhar, de uma forma crítica, à perspectiva de gênero não só no âmbito da
inclusão, mas também da exclusão que segue “invisível, mas existente. É a ex-
clusão que insiste em existir a partir de freios pautados em diferentes visões de
mundo e de práticas institucionais e discussões que atravessam narrativas tidas
por ideológicas, tornando esquecida ou ignorada a missão que se destinou ao
Ministério Público na Constituição há mais de 33 anos.
Concordamos que essa missão não restou isolada nem solitária, pois concorre
com o confronto de adequação da sociedade brasileira a uma proposta de modelo
de estado em que “prevaleça sempre o interesse público, livre de pressões ou ma-
nipulações políticas, e, sobretudo, das poderosas forças econômicas” (MAZZILI,
EBOOK MP ESTRATEGICO VIOLENCIA DE GENERO.indb 66EBOOK MP ESTRATEGICO VIOLENCIA DE GENERO.indb 66 30/08/2022 14:44:4030/08/2022 14:44:40

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT