Hostilidade de gênero e crime de ódio: o tratamento do direito penal brasileiro

AutorVanessa Therezinha Sousa de Almeida
Ocupação do AutorMestranda em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Bacharel em Direito (2006) e Especialista em Direito Civil e Processual Civil (2008), ambos pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Unidade de Lorena. Membro do Coordenadora do Grupo Direito Humanos e Transformação Social (CNPq). Promotora de Justiça...
Páginas279-286
HOSTILIDADE DE GÊNERO
E CRIME DE ÓDIO: O TRATAMENTO DO
DIREITO PENAL BRASILEIRO
Vanessa Therezinha Sousa de Almeida
Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO). Bacharel em Direito (2006) e Especialista em Direito Civil e Proces-
sual Civil (2008), ambos pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo,
Unidade de Lorena. Membro do Coordenadora do Grupo Direito Humanos
e Transformação Social (CNPq). Promotora de Justiça do Ministério Público
do Estado de São Paulo.
Sumário: 1. Introdução – 2. Hostilidade de gênero – 3. Crime de ódio – 4. Hostilidade de gênero
e crime de ódio – 5. Considerações nais – Referências.
Resumo:
Analisa como o direito penal brasileiro enfrenta a violência a hostilidade de gênero,
partindo da hipótese de que ele traz mecanismos para se exasperar a pena, mas não prevê
crime de ódio nem faz uso dessa nomenclatura. Pretende auxiliar na discussão do tema,
ao se debruçar sobre a hostilidade de gênero e crime de ódio, assim como ao analisar a
viabilidade de inclusão de gênero na previsão do último. Recorre-se, como marco teórico,
às lições de Aisha K. Gill, Hannah Mason-Bish, Mark Austin Walters, Jéssica Tumath, Regina
Cirino Alves Ferreira de Souza e Barbara Perry, além de concepções ans. Classica-se a
pesquisa como exploratória, qualitativa, com recursos bibliográcos e método dialético.
Conclui-se pela existência de mecanismos para se exasperar a pena trazidos pelo direito
penal brasileiro, apesar da não utilização da nomenclatura crime de ódio, podendo-se se
falar inclusive em crime de ódio no caso do feminicídio, assim como pela necessidade de
maiores discussões sobre o tema.
PalavRas-chave
: Direito Penal – Hostilidade – Crime de ódio – Hostilidade – Violência de gênero
– Feminicídio.
Devemos lutar contra os crimes que objetivam não apenas quebrar ossos,
mas quebrar espíritos – não apenas inigir danos, mas instilar medo (tradução nossa)1
1. “We must stand against crimes that are meant not only to break bones, but to break spirits – not only to
inict harm, but to instill fear”. OBAMA, Barak. FINGERHUT, Eric. Obama signs hate crimes bill. 29
out. 2009, 06h18. Disponível em: https://www.jta.org/2009/10/29/politics/obama-signs-hate-crimes-
bill. Acesso em: 07 ago. 2022.
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VANESSA THEREzINHA SOUSA DE ALMEIDA
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1. INTRODUÇÃO
A violência contra mulheres é tema recorrente de pesquisas e notícias,
mas não desnecessário, já que estatísticas dão conta de aumento de 3,3% de
registros de ameaça, 0,6% de lesões corporais em contexto de violência domés-
tica, 6,6% de assédio sexual e 17,8% de importunação sexual e de prevalência
de práticas de crimes de estupro e estupro de vulnerável contra mulheres
(88,2% das vítimas).2
Tais estatísticas demonstram que, apesar de aumento do repúdio social, tal
violência, como a praticada por anestesista preso por estupro de mulher depois
do parto,3 ainda merecem atenção.
A despeito disto, a motivação de ser o crime cometido contra mulher por
razões da condição do sexo feminino, aqui entendida como hostilidade de gênero,4
somente aparece no feminicídio (art. 121, §§ 2º e 2º-A, incisos I e II, do Código
Penal) e no crime de lesão corporal (art. 129, § 13, Código Penal) e como causa
de aumento de pena no crime de perseguição (art. 147-A, § 1º, inciso II, Código
Penal). Inexiste previsão de agravante especíca (art. 61, do Código Penal), de
2. FBSP. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022. ano 15.
p. 164-169 e 187-188.
3. JORNAL NACIONAL. Anestesista preso no RJ agora é investigado pelo estupro de seis mulheres na
mesa do parto. Globo, G1, 12 jul. 2022, 21h32. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/
noticia/2022/07/12/anestesista-preso-no-rj-agora-e-investigado-pelo-estupro-de-seis-mulheres-na-
mesa-do-parto.ghtml. Acesso em: 13 jul. 2022.
4. Aqui é relevante de plano pontuar que a violência de gênero é entendida, nos termos da recomendação
Geral 19 da CEDAW como aquela direcionada contra mulher por ser mulher ou que a afeta
desproporcionalmente, congurando violação aos direitos humanos, denição esta que reconhece
a natureza complexa do problema. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Recomendação
Geral n. 35 sobre violência de gênero contra as mulheres do Comitê para eliminação de todas as formas
de discriminação contra a mulher (Cedaw). Tradução Neri Accioly. Brasília, DF: Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), 2019. (Série Tratados Internacionais de Direitos Humanos). Disponível em: https://www.
cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/769f84bb4f9230f283050b7673aeb063.pdf. Acesso em: 06 ago.
2022. E aqui se ressalta que, ciente da divergência, sobre a adoção dos critérios psicológico, jurídico-cível
ou biológico para conguração, por exemplo do feminicídio, adota-se o critério psicológico, alinhando-
se a ideia de que para incidência do crie citado a vítima deve se identicar com o sexo feminino. BARROS,
Francisco Dirceu; Ó SOUZA, Renee do. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Leme, SP: JH
Mizuno, 2019, p. 67. Ao mesmo tempo, parece oportuno ainda registrar que a Corte Interamericana
de Direitos Humanos já salientou que “é possível que uma pessoa seja discriminada pela percepção
que as outras tem sobre sua relação um grupo ou setor social, independentemente de corresponder à
realidade ou com a autoidenticação da vítima, motivo pelo qual entende que a discriminação com base
na identidade de gênero deve “ser entendida não apenas em relação à identidade real ou autopercebida,
mas também em relação à identidade percebida externamente, independentemente de essa percepção
corresponder à realidade ou não”. CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS.
Cuadernillo de Jurisprudencia de la Corte Interameriana de Derechos Humanos n. 4: Derechos Humanos
de las Mujeres. San José, C.R.: Corte IDH, 2021, p. 3-4.
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