A intersecção entre crime organizado e as violências baseadas em gênero no dia a dia das cidades brasileiras
Autor | Samira Bueno, Amanda Lagreca e Betina Barros |
Ocupação do Autor | Graduada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutora em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV). É diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. / Graduada em Administração Pública pela EAESP-FGV. Mestranda em Administração Pública e Governo (FGV). É pesquisadora no ... |
Páginas | 1-18 |
A INTERSECÇÃO ENTRE CRIME ORGANIZADO
E AS VIOLÊNCIAS BASEADAS EM GÊNERO
NO DIA A DIA DAS CIDADES BRASILEIRAS
Samira Bueno
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e
doutora em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas
(EAESP-FGV). É diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Amanda Lagreca
Graduada em Administração Pública pela EAESP-FGV. Mestranda em Admi-
nistração Pública e Governo (FGV). É pesquisadora no Fórum Brasileiro de
Segurança Pública.
Betina Barros
Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Mestre em Sociologia (UFRGS). Doutoranda em Sociologia
na Universidade de São Paulo (USP). É pesquisadora no Fórum Brasileiro de
Segurança Pública.
Sumário: 1. Introdução – 2. Panorama das facções criminosas no Brasil – 3. Intersecções entre
violência urbana e violência de gênero – 4. No mundo do crime ou nas bordas: os desaos ao
enfrentamento da violência doméstica – 5. Conclusão – Referências.
1. INTRODUÇÃO
Este capítulo propõe algumas considerações e pistas para reetirmos sobre
a intersecção entre a ação do crime organizado e as violências baseadas em gêne-
ro no dia a dia das cidades brasileiras, cada vez mais reguladas pela atuação das
facções criminosas.
Por muito tempo a literatura cientíca no Brasil associou a violência urbana
a uma questão quase que exclusivamente de homens, principais vítimas e autores,
vinculando-o a um problema eminentemente do espaço público. A mulher, quan-
do considerada nesta perspectiva, não raramente aparecia como sujeito passivo. A
literatura que discute a violência baseada em gênero, por sua vez, tradicionalmente
analisa a violência doméstica e intrafamiliar como um problema que ocorre na
esfera doméstica. Esta cisão reverbera também no ativismo, fazendo com que o
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SAMIRA BUENO, AMANDA LAGRECA E BETINA BARROS
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problema de facções seja objeto de ação de determinadas entidades associativistas,
e o problema da violência contra a mulher a outras.
Este texto pretende contribuir para a reexão sobre a intersecção entre esses
dois fenômenos, considerando a posição das mulheres em dois níveis, seus acessos
aos equipamentos públicos e a legislação de proteção à mulher, que eventualmente
podem se sobrepor. Esses níveis são: 1) mulheres em situação de violência domés-
tica que habitam territórios faccionados; 2) mulheres em situação de violência
doméstica que se relacionam com homens faccionados, tendo ou não um papel
ativo no mundo do crime.
O texto está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. Na se-
gunda parte, apresentamos um panorama da expansão das facções criminosas
no Brasil e o lugar da mulher neste processo; na terceira parte, fazemos uma
revisão da literatura sobre a intersecção entre os estudos que tratam da violência
urbana e os estudos que retratam a violência de gênero; a quarta parte apresenta
dois casos que nos ajudam a reetir sobre essas intersecções, com relatos das
diculdades encontradas por mulheres em situação de violência doméstica que
habitam territórios dominados por facções criminosas, ou pelos desaos de
habitar áreas dominadas por grupos armados e os níveis de regulação da vida
que estes exercem, impactando nas relações sociais e no status que mulheres
expostas à violência eventualmente venham a ter; a quinta seção apresenta as
considerações nais e a agenda de pesquisa que se coloca diante das reexões
aqui trazidas.
2. PANORAMA DAS FACÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Desde o final dos anos 1970, o Brasil assiste ao crescimento quase que
ininterrupto da violência letal, dos crimes contra o patrimônio, bem como de
diferentes formas de violência interpessoal.1 No plano político, a ditadura militar
instaurada em 1964 iniciava uma transição gradual para a democracia civil, que
se consolidaria apenas em 1985. Este período é marcado por uma profunda crise
econômica e pela elevação dos padrões de desigualdade da população, levando
os anos 1980 a serem conhecidos como “década perdida”.
Outra mudança ocorrida entre anos 1970 e 1980, desta vez em uma perspec-
tiva internacional, tem a ver com o mercado global de drogas, com o crescimento
da demanda por entorpecentes em países como EUA e Brasil. Neste período
o Brasil passou a ser utilizado como rota para o tráco de drogas oriundas da
1. ADORNO, 2002.
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