Sociedade de risco e estupro virtual
Autor | Luis Mileo |
Ocupação do Autor | Mestre e Direito Penal pela Universidade de São Paulo ? USP. Professor de Direito Penal do IBMEC-SP. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. |
Páginas | 261-278 |
SOCIEDADE DE RISCO
E ESTUPRO VIRTUAL
Luis Mileo
Mestre e Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Professor de Di-
reito Penal do IBMEC-SP. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado
de São Paulo.
Sumário: 1. A sociedade de risco – 2. Vulnerabilidade no direito penal – 3. Vulneráveis como
3.2 É possível a existência de estupro de vulnerável virtual?; 3.3 Indaga-se: Essa conduta
CP? – Referências.
Resumo
: A sociedade de risco. Vulnerabilidade no direito penal. Vulneráveis como vítimas de
existência de estupro de vulnerável virtual? Essa conduta poderia ser enquadrada em qual
1. A SOCIEDADE DE RISCO
Como consequência do desenvolvimento virtual, tecnológico, cientíco,
industrial e econômico da sociedade, verica-se uma pluralidade de atividades
aptas a originar novos riscos. Tais situações, sob a ótica de que a vida social sem
riscos é impensável, são geralmente consideradas como consequências ou efeitos
secundários não desejados. Por sua vez, não é possível dizer que esses riscos não
são, a princípio, substrato daqueles naturais e, sim, dos articiais, pois se desen-
volvem através de decisões a atividades relativas à tecnologia gerada pelo homem.
Nota-se que a transição para o período pós-industrial (ou de risco) ocorre
de forma involuntária no contexto da dinâmica da modernização, notadamente
nas duas últimas décadas. A denominada sociedade de risco não é uma opção a
ser escolhida ou rejeitada politicamente. Ela surge da continuidade dos processos
de desenvolvimento social, que não prestam maior atenção aos próprios efeitos,
de forma que acabam por questionar e, até mesmo, destruir bases consolidadas
pela sociedade industrial.
O termo “risco”, utilizado no contexto da pós-industrial, é assim denido
por Raaele de Giorgi: “O risco não é nem uma condição existencial do homem,
muito menos uma categoria ontológica da sociedade moderna, e tampouco o
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resultado perverso do trabalho da característica das decisões, uma modalidade
da construção de estruturas através do necessário tratamento das contingências.
É uma modalidade da relação com o futuro: é uma forma de determinação das
indeterminações segundo a diferença de probabilidade/improbabilidade”.1
Segundo U. Beck, na modernidade avançada, a produção social de riqueza
vem acompanhada sistematicamente pela produção de riscos, e a principal fonte
desta produção de perigos imprevisíveis são os meios tecno-cientícos, e hoje
diria os virtuais. O desenvolvimento cientíco, no âmbito de sua natureza, pode
conduzir a uma possível destruição da vida na Terra diante da globalidade de
sua ameaça para todos os seres vivos. Assevera, ainda, o autor, que a socie dade
de risco é uma sociedade catastróca.2 Além disso, a sociedade do risco, pensada
até suas últimas consequências, quer signicar sociedade de risco global, pois seu
princípio axial e seus desaos são perigos produzidos pela civilização que não
podem ser delimitados socialmente nem no espaço nem no tempo.3
Dessa forma, a sociedade de risco, diferentemente da época em que os riscos
eram apenas articiais, se caracteriza pelas ações produzidas por vontade e decisão
humana. Assim, ninguém duvida da dimensão com capacidade de alcançar um
número indeterminado de pessoas.
O modelo social que inclui o risco mostra-se assim, de um lado, com esses
diversos avanços, sendo enormemente complexa, e, de outro, caracterizada pela
verdadeira quebra de um estado de bem-estar social sempre almejado. Nela, são
percebidas interrelações sociais nunca antes vistas, sendo, pois, notável uma
verdadeira sensação social de inseguridade, um dos marcos mais signicativos
das sociedades da era pós-industrial.4
Nesse prisma social e jurídico, determinadas questões ganham relevantes
aspectos. Nessa tendência moderna, verica-se a necessidade de proteção penal
de novos interesses e de uma política criminal capaz de orientar o Direito Penal
moderno, atual e ecaz ao combate de comportamentos agora danosas à sociedade
decorrentes dessas constantes mudanças sociais, cuja dogmática clássica não é mais
tida como lastro. Dentre tais questões hoje relevantes, como os crimes de perigo e
a proteção de interesses difusos, está também, diante do avanço tecnológico/vir-
tual e de um cotidiano que passou a ser visto pelas telas e janelas, o espaço virtual,
que proporcionou terreno sensível para desvirtuamento comportamental aptos
1. DE GIORGI, Raaele. Direito, democracia e risco: vínculos com o futuro. Trad. Cristiano Paixão; Daniela
Nicola e Samantha Dobrowolski. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 197 e ss.
2. BECK, Ulrich. La sociedad de riesgo: hacia una nueva modernidad. Trad. J. Navarro, D. Jiménez, M.
Borras. Barcelona: Paidós, 2002. p. 25 e ss.
3. Idem. La sociedad de riesgo global. Trad. J. Alborés Rey. Madrid: Siglo XXI, 2002. p. 29.
4. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal supra-individual:
interesses difusos. São Paulo: Ed. RT, 2003, p. 31.
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