Fundamentos histórico-jurídicos do estado da cidade do vaticano

AutorAntônio Celso Alves Pereira e João Eduardo de Alves Pereira
Ocupação do AutorProfessor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida e do Centro Universitário de Valença/Professor da Faculdade de Direito da UERJ e do Centro Universitário de Valença
Páginas57-78
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FUNDAMENTOS HISTÓRICO-JURÍDICOS DO ESTADO DA
CIDADE DO VATICANO
Antônio Celso Alves Pereira 1
João Eduardo de Alves Pereira 2
Introdução
Ao anexar a cidade de Roma, até então capital dos Estados
Pontifícios, ao novo Reino da Itália, no dia 20 de setembro de 1870, o
rei Vittorio Emanuele II, do Reino do Piemonte-Sardenha, completava
o processo de unificação política da Península Itálica, iniciado na
primeira metade do século dezenove. Com a anexação dos Estados
Pontifícios ao Reino da Itália, o papa Pio IX, após negar-se a aceitar
qualquer solução que não fosse a devolução dos territórios da Igreja,
enclausurou-se no Castelo de Santo Ângelo, fortaleza medieval
localizada na margem direita do Rio Tibre, em frente a Ponte de Santo
Ângelo, declarando-se prisioneiro do Reino da Itália, fato que deu
origem à chamada Questão Romana. O Castelo de Santo Ângelo
(Castel de Sant’Angelo), hoje um dos museus do Vaticano, foi
construído sobre as ruínas do Mausoléu de Adriano, imperador
romano de 117 a 138, d. C. Em 403, passou a fazer parte, como
cidadela, da Muralha Aureliana, que guarnecia a cidade de Roma.
A partir disso, o Papado, até resolver essa contenda, em 1929,
com a criação do Estado da Cidade do Vaticano, como será explicado
adiante, jamais aceitara a perda dos territórios situados no centro da
Itália, sobre os quais os sucessivos pontífices, como bispos de Roma,
reinaram como soberanos temporais desde o século VIII. O presente
texto projeta discutir os fatos históricos que propiciaram a criação dos
1 Professor do Programa de Pós- Graduação em Direito da Universidade Veiga de
Almeida e do Centro Universitário de Valença.
2 Professor da Faculdade de Direito da UERJ e do Centro Universitário de Valença.
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Estados Pontifícios e, em linhas gerais, os acontecimentos que
levaram à sua extinção e as medidas jurídicas que propiciaram a
criação do Estado da Cidade do Vaticano, fato que encerrou a Questão
Romana.
A Formação dos Estados Pontifícios no Século VIII e a Falsa
Doação de Constantino (Constitutum Donatio Constantini)
Com o fim do Império Romano do Ocidente, em 476, as
insígnias imperiais foram levadas para Constantinopla. Nesta
circunstância, a Europa Ocidental ficava, nominalmente, sob a
soberania bizantina, cujos imperadores, contudo, às voltas com a
própria segurança do Império do Oriente, não tinham condições para
manter uma presença de poder forte e decisiva no Ocidente. Os reis
bárbaros, governantes de fato, aceitavam a soberania nominal do
basileus. O papado, ameaçado pelos bárbaros que ocuparam partes do
território italiano, bem como pelas heresias, especialmente o
arianismo, não podia contar, de fato, com o apoio de Constantinopla.
O caminho para a segurança e a prosperidade da Igreja era firmar o
poder pontifical e negociar, à revelia do imperador do Oriente, com os
governantes bárbaros, que se estabeleceram nas antigas províncias do
extinto Império Romano do Ocidente. Em 568, Alboino (530-572), rei
da tribo germânica dos Lombardos, povo originário do vale
setentrional do Danúbio, atravessou com sua gente os Alpes, ocupou o
norte da Itália, e lá estabeleceu o Reino Lombardo.
No século VIII o poder pontifical e o ducado bizantino de
Roma enfrentavam graves ameaças decorrentes da política
expansionista do Reino Lombardo. Em 739, o rei lombardo
Liutprando (712-744) sitiou, pela segunda vez, a cidade de Roma. O
papa Gregório III, ciente de que não teria como receber proteção de
Constantinopla, pediu, sem sucesso, socorro a Carlos Martel (688-
741), major domus, (prefeito) do palácio do rei merovíngio Childeric
III (714-753), que, de fato, era o verdadeiro governante do reino dos
francos. Carlos Martel recusara o apelo do papa, em razão do apoio
que recebera de Liutprando em seu esforço, bem sucedido, para

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