Inteligência artificial a serviço da fiscalidade: sistema de seleção aduaneira por aprendizado de máquina (SISAM)

AutorRafael Köche
Ocupação do AutorDoutorando (PhD) em Direito pela Università degli Studi di Firenze, Itália, com estágio de pesquisa doutoral na Sorbonne Fiscalité, Université Paris 1, França
Páginas187-202
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL A SERVIÇO
DA FISCALIDADE1: SISTEMA DE SELEÇÃO
ADUANEIRA POR APRENDIZADO DE
MÁQUINA (SISAM)2
Rafael Köche
Doutorando (PhD) em Direito pela Università degli Studi di Firenze, Itália, com es-
tágio de pesquisa doutoral na Sorbonne Fiscalité, Université Paris 1, França. Mestre
em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil, com bolsa do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíco e Tecnológico, CNPq-Brasil, e
estágio de pesquisa na Université Paris Descartes. Professor de Direito Constitucional
das Faculdades Integradas de Taquara, Brasil. Advogado tributarista. E-mail: rafael@
rafaelkoche.com.br.
Sumário: 1. Introdução. 2. Legitimidade jurídica da decisão da máquina. 3. Processo decisio-
nal – ser-no-mundo. 4. Considerações nais. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Brasil é um dos países com a tecnologia f‌iscal mais avançada do mundo. Utiliza
um hardware capaz de processar bilhões de informações por segundo e de cruzar dados,
de um modo veloz e preciso, de um volume de contribuintes equivalente ao Brasil, EUA
e Alemanha juntos3. O uso generalizado da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) nas operações
comerciais viabilizou a implementação de um sistema integrado de contabilidade digital
que conecta a Receita Federal, os Fiscos estaduais e municipais, bancos, cartórios, em
1. Resultado do trabalho apresentado no evento Il ragionamento giuridico nell’era dell’intelligenza artif‌iciale, no dia
15 de novembro de 2018, na Universidade de Florença, Itália.
2. Agradecimento especial a Jorge Eduardo Jambeiro Filho, coordenador de inteligência artif‌icial da Secretaria da
Receita Federal do Brasil e idealizador do SISAM, que pacientemente descreveu todos os detalhes e o funcionamen-
to do sistema, permitindo uma verdadeira análise interdisciplinar e um debate franco e construtivo, e a Daniela
Ranalli, ex-jurista da Corte Europeia de Direitos Humanos, pelas suas ref‌lexões sobre os limites jurídicos do uso
de inteligência artif‌icial. Sem a colaboração de ambos, este texto não teria se concretizado.
3. Há diversos estudos relativos ao uso de data mining na Receita Federal do Brasil, aplicação de técnicas de inteligência
artif‌icial à seleção de declarações de importação, métodos, técnicas e ferramentas que propiciam a aplicação de
lógica difusa no âmbito de bancos de dados etc. Para tanto, ver: CARVALHO, S. C. Um método de inferência difusa
para classif‌icação de sonegadores f‌iscais. Prêmio de Criatividade e Inovação da RFB. Brasília: Receita Federal do
Brasil, 2014; FERREIRA, M.A.C. 2003. Uso de redes de crença para seleção de declarações de importação. Dissertação
(Mestrado em Engenharia Eletrônica e Computação). Instituto Tecnológico de Aeronáutica. São José dos Campos,
ITA, 2003; FERREIRA, M.A.C. Seleção Probabilística – Melhorando a ef‌iciência da conferência aduaneira. Prêmio
de Criatividade e Inovação Auditor-Fiscal José Antônio Schöntag. Brasília: Receita Federal do Brasil, 2003.
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presas e trabalhadores, permitindo que a administração fazendária saiba, praticamente
em tempo real, exatamente o que está acontecendo no quotidiano dos brasileiros4.
Além desse aspecto, que envolve especialmente o uso de tecnologia de informação,
o Brasil faz uso também de inteligência artif‌icial5 a serviço da f‌iscalidade. No âmbito do
Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), criou um instrumento baseado em
aprendizagem automática (machine learning6) chamado SISAM (Sistema de seleção adu-
aneira por aprendizado de máquina) que funciona continuamente desde agosto de 2014
e avalia o risco representado pelas importações com base em modelos probabilísticos,
aprendendo a partir da cronologia das declarações de importação.
Considerando que é humanamente impossível verif‌icar todas as operações de
importação, os inspetores aduaneiros devem selecionar, com a maior precisão possível,
aquelas que serão objeto de controle físico, uma vez que a conf‌irmação da regularidade
das operações possui íntima relação com a identif‌icação e redução da evasão f‌iscal e é
essencial ao respeito e cumprimento das exigências administrativas. O SISAM, nesse
sentido, aumenta a precisão da seleção de declarações de importações para canais de
conferência e das mercadorias a serem objeto de controle e verif‌icação. Ele analisa cada
componente, item e valor da declaração e, para cada um deles, calcula a probabilidade
de existência de irregularidades. Desse modo, o SISAM consegue estimar a importância
de cada uma das verif‌icações e decidir autonomamente quais inspeções devem ser rea-
lizadas, oferecendo apoio ao auditor f‌iscal responsável por tais decisões.
Antes da criação do SISAM, nenhum tipo de solução equivalente era disponível
no mercado nem teorizada no meio acadêmico. Nesse contexto, o sistema apresenta
algumas características e funcionalidades peculiares; é capaz de: tratar múltiplos tipos
de atributos relativos ao mesmo problema (atributos contínuos, nominais, nominais de
4. Trata-se do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), um dos sistemas mais avançados de informatização
da relação entre o f‌isco e os contribuintes, instituído pelo Decreto 6.022, de 22 de janeiro de 2007, consistente na
modernização da sistemática do cumprimento das obrigações f‌iscais, iniciado a partir de três grandes projetos,
a Escrituração Contábil Digital, a Escrituração Fiscal Digital e a Nota Fiscal eletrônica (NF-e). Para saber mais,
acesse: http://sped.rfb.gov.br/.
5. “Conjunto de ciências, teorias e técnicas cujo objetivo é reproduzir por uma máquina as capacidades cognitivas
de um ser humano. Os desenvolvimentos atuais visam poder conf‌iar a uma máquina tarefas complexas previa-
mente delegadas a um ser humano. O termo inteligência artif‌icial é, contudo, criticado por especialistas que fazem
distinção entre IA’s consideradas ‘fortes’ (capazes de contextualizar problemas especializados muito diferentes de
forma completamente autônoma) e IA’s ‘fracas’ ou ‘moderadas’ (extremamente bem-sucedidas mas em seu campo
de atuação). As IA’s ‘fortes’ exigiriam, segundo alguns especialistas, avanços signif‌icativos na pesquisa fundamental
para serem capazes de modelar o mundo como um todo e não simplesmente melhorar o desempenho dos sistemas
existentes”. (CONSEIL DE L’EUROPE. Commission européenne pour l’eff‌icacité de la justice CEPEJ. Lettre d’in-
formation de la CEPEJ sur la justice du futur. n. 16. Petit glossaire sur l’intelligence artif‌icielle. Strasbourg: Conseil
de l’Europe, août 2018. p. 4). (tradução livre).
6. “O aprendizado automático permite construir um modelo matemático a partir de dados, incluindo um grande
número de variáveis que não são conhecidas antecipadamente. Os parâmetros são conf‌igurados no momento e
na medida em que se avança uma fase de aprendizagem, que usa conjuntos de algoritmos para fazer relações e as
classif‌icá-las. Os diferentes métodos de aprendizagem automática são escolhidos pelos projetistas de acordo com a
natureza das tarefas a serem executadas. Esses métodos geralmente são classif‌icados em três categorias: aprendizado
supervisionado por humanos, aprendizado não supervisionado e aprendizado por reforço não supervisionado.
Essas três categorias incluem métodos diferentes, incluindo redes neurais, aprendizado profundo etc.”. (CONSEIL
DE L’EUROPE. Commission européenne pour l’eff‌icacité de la justice CEPEJ. Lettre d’information de la CEPEJ sur
la justice du futur. n. 16. Petit glossaire sur l’intelligence artif‌icielle. Strasbourg: Conseil de l’Europe, août 2018. p.
4) (tradução livre).
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