Tributação e novas tecnologias

AutorSchubert de Farias
Ocupação do AutorDiretor do Instituto Cearense de Estudos Tributários ICET. Advogado
Páginas317-338
TRIBUTAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS
Schubert de Farias
Diretor do Instituto Cearense de Estudos Tributários ICET. Advogado.
Sumário: 1. Considerações iniciais. Parte I – Software: mercadoria, serviço, ou realidade nova?
Parte II – Criptomoedas e tributação. Parte III – Tributação e disponibilização de conteúdos.
Parte IV – Inteligência articial e tributação.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Firme no propósito de fomentar o estudo do Direito, o ICET, neste ano de 2019,
foca a tributação das novas tecnologias. Nada mais adequado ao momento repleto de
dúvidas no qual estamos mergulhados.
Os novos instrumentos cibernéticos trouxeram mudanças tão profundas na rea-
lidade econômica ao ponto de tornar obsoletas as normas de tributação e nos deixar o
dilema entre ajustá-las de alguma forma para comportar o que nelas não está previsto,
ou reconhecer a lacuna no ordenamento e deixar espaço para o legislador.
Os conceitos jurídicos de mercadoria e serviço, fundados na ideia tradicional de
coisa material destinada ao comércio e de atividade humana de fazer, não bastam para ex-
plicar a realidade de quem usa downloads, streamings, arquivos em nuvem, impressoras
3D e outros instrumentos da cibernética contemporânea.
Diante do extremamente novo, nosso ordenamento ainda não foi equipado de
conceitos e legislação adequados à sua regulação. As entidades federadas insistem em
fazer uso das costumeiras normas de tributação, construídas com base no que havia
antes da internet, esgrimindo-as em feroz disputa pela titularidade de sujeito ativo que
possa alcançar a pujança econômica do mundo cibernético, que não para de crescer em
detrimento da economia tradicional. Argumentam que não pode haver manifestação de
riqueza sem a correspondente tributação e lançam seus tributos sobre o que lhes parece
corresponder às hipóteses previstas na legislação.
Tudo isso gera uma profunda e avassaladora insegurança jurídica, deixando os
contribuintes perplexos e sem motivação para investir.
Estudar esse tema, portanto, não só é oportuno como também é uma importante
contribuição para o desenvolvimento do País.
As perguntas muito bem elaboradas pelo Prof. Hugo de Brito Machado Segundo
orientam a análise do problema. Adiante seguem nossas respostas.
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PARTE I – SOFTWARE: MERCADORIA, SERVIÇO, OU REALIDADE NOVA?
1.1. O software pode ser considerado uma mercadoria, de modo a que sua comercia-
lização possa sofrer a incidência do ICMS, ou um serviço a ser alcançado pelo ISS, ou,
ainda, uma terceira realidade econômica passível de ser tributada pela União Federal no
exercício de sua competência residual?
A Constituição Federal discrimina o âmbito de incidência dos tributos, estabelecen-
do os limites à atuação do legislador mediante o uso de conceitos jurídicos específ‌icos,
que não podem ser alterados ou alargados pelo interprete, pois assim se estaria modi-
f‌icando o próprio texto constitucional. A determinação contida no art. 110, do CTN1 é
meramente didática e apenas explicita a importância desses limites e a supremacia da
Constituição. De imenso relevo, portanto, o estudo dos conceitos e formas de direito
marcadores das competências tributárias.
O termo mercadorias é uma das balizas constitucionais que def‌inem o âmbito de
incidência do ICMS.2 A doutrina ensina que mercadorias são coisas móveis. “São coisas
porque bens corpóreos, que valem por si e não pelo que representam. Coisas, portanto,
em sentido restrito, no qual não se incluem os bens tais como os créditos, as ações, o
dinheiro, entre outros. E coisas móveis porque em nosso sistema jurídico os imóveis
recebem disciplinamento legal diverso, o que os exclui do conceito de mercadorias.” 3
Levando em conta a expressão: operações relativas à circulação de mercadorias, agrega-
mos a necessidade de que essa coisa corpórea circule juridicamente, ou seja, tenha sua
propriedade transferida do vendedor para o comprador. Conf‌igurando, portanto, uma
obrigação de dar.
Traçando o âmbito de incidência do ISS, a Constituição usa a expressão serviços de
qualquer natureza,4 não compreendidos na competência dos estados e def‌inidos em lei
complementar. A doutrina def‌ine os serviços como “o esforço humano desenvolvido
em benefício de outra pessoa (em favor de outrem)” 5, ou seja, uma obrigação de fazer.
Em 1988 o uso de softwares era incipiente e sem importância econômica, não ten-
do despertado o interesse dos legisladores constituintes originários na delimitação do
âmbito dos tributos. Dez anos depois, contudo, o software já se revelou um poderoso
instrumento para atender diversas necessidades humanas, adquirindo uma enorme
importância na economia. Isso levou os entes federados a disputar a primazia na sua
tributação com o que tinham a mão. Os estados lançavam o ICMS e os municípios o ISS.
O contribuinte, perplexo, sofria os ônus de tamanha incerteza. Instaurado o conf‌lito,
tornou-se indispensável esclarecer qual o regime tributário a ser dado aos softwares,
aquele conferido às mercadorias, ou o aplicado aos serviços, ou, ainda, se seria caso de não
1. Art. 110. A lei tributária não pode alterar a def‌inição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de
direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados,
ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para def‌inir ou limitar competências tributárias.
2. CF/1988 art. 155, II.
3. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 40. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 377.
4. CF/1988, art. 156, III.
5. BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 29.
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