A petição inicial no processo do trabalho: a causa de pedir e o pedido

AutorFrancisco Rossal de Araújo e João Paulo Lucena
Páginas89-113
A PETIÇÃO INICIAL NO PROCESSO DO TRABALHO:
A CAUSA DE PEDIR E O PEDIDO
Os efeitos da Reforma Trabalhista
Francisco Rossal de Araújo(*)
João Paulo Lucena(**)
(*) Desembargador Federal do Trabalho (TRT 4ª Região).
(**) Desembargador Federal do Trabalho (TRT 4ª Região).
(1) Uma das mais significativas preocupações dos processualistas contemporâneos refere-se à garantia fundamental do acesso à justiça, da qual deduz-
-se um segundo postulado a ela inafastavelmente vinculado: o princípio da efetividade dos provimentos judiciais ou da instrumentalidade do processo.
WATANABE, Kasuo. Da cognição no processo civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 19.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é o resultado de um esforço de
sistematização sobre um dos temas mais polêmicos da
chamada Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017): as
modificações relativas às formalidades exigidas para a
petição inicial trabalhista.
O tema tem trazido inúmeras controvérsias, em
especial por algumas posições no sentido de exigir
prévia liquidação dos pedidos para possibilitar o in-
gresso em Juízo. Também é evidente a repercussão no
que diz respeito ao novo sistema de honorários sucum-
bências no Processo do Trabalho.
O Processo do Trabalho sempre se caracteri-
zou por uma série de princípios informadores, que o
transformaram em um paradigma de acesso à justiça,
celeridade e efetividade, a ponto de servir de modelo
para diversas alterações havidas no Processo Civil. As
mudanças no sistema de recorribilidade das decisões
interlocutórias, o fomento à conciliação e a simplici-
dade das formas são apenas alguns dos exemplos des-
sa bem sucedida experiência do Processo do Trabalho
que redundou em artigos do novo Código de Processo
Civil de 2015.
O objetivo deste estudo é, de certa forma, resgatar
as características iniciais do Processo do Trabalho e
adaptá-las à evolução da ciência processual, sem per-
der de vista o seu enorme legado.
A primeira parte do presente trabalho versará so-
bre as noções gerais de postulação em Juízo. A segun-
da parte, uma breve exposição sobre a causa de pedir
e, por último, na terceira parte, far-se-á a análise da
definição, das características e das espécies de pedido.
I — NOÇÕES GERAIS
As peças processuais que personificam os mo-
mentos fundamentais do processo, sob o ponto de vista
do cidadão, são a petição inicial e a contestação. Em
ambas se cristaliza o direito de acesso ao Poder Judi-
ciário para a defesa de pretenso direito subjetivo lesa-
do (art. 5º, XXXV, Constituição) ou a possibilidade de
ampla defesa dentro do devido processo legal (art. 5º
LV, Constituição). O terceiro momento é a sentença, de
responsabilidade do Juiz, que abrange o fim do proces-
so, aplicando o Direito de forma equilibrada, razoável
e em lapso de tempo que não signifique o perecimento
do Direito (art. 5º, LXXVIII, Constituição)(1).
90 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
Ao mesmo tempo em que proibiu a defesa priva-
da, o Estado assumiu a obrigação de distribuir a justiça
e, como consequência imediata, deve reconhecer a to-
dos os entes sem exceção, pessoas naturais ou jurídi-
cas, personalizadas ou não, nacionais ou estrangeiras,
o direito universal de provocá-la, preventiva ou repres-
sivamente(2). O corolário contemporâneo dessa obri-
gação estatal é o princípio da garantia do livre acesso
à justiça, também denominado princípio da inafasta-
bilidade do controle jurisdicional, direito de petição,
direito de demandar ou princípio da proteção judiciá-
ria, elencado como uma das garantias fundamentais do
indivíduo e elevado ao status de disposição maior por
grande parte das cartas constitucionais modernas e de-
clarações de direitos humanos do mundo(3).
Como o direito processual brasileiro rege-se pelo
princípio da inércia da jurisdição, é necessário que a
petição inicial provoque a atividade do Poder Judiciá-
rio (art. 2º, CPC) pois, conforme o texto legal, “o pro-
cesso começa por iniciativa da parte e se desenvolve
por impulso oficial, salvo as exceções previstas em
lei”. Isso ocorre porque o Processo Civil e, por conse-
quência o Processo do Trabalho estão ligados a rela-
ções privadas e ao princípio da autonomia privada. Em
se tratando de direito subjetivo privado, cabe ao indi-
víduo a iniciativa de buscar a prestação jurisdicional.
Nas palavras de Pontes de Miranda, “com a peti-
ção inicial, o autor da ação pede ao Estado que preste
a tutela jurídica, o que é dever dele, depois que se re-
tirou, quase em absoluto, a defesa de mão-própria”(4).
Desde o século XIX, com o Regulamento n.
737/1850, não há mais separação entre petição ini-
cial (requerimento do réu comparecer em juízo) e li-
belo, onde se apresentava a pretensão processual(5). A
demanda exerce duas funções: a) constitui a relação
processual; b) individualiza o objeto litigioso(6). Para
Mauro Schiavi, a inicial tem as seguintes caracterís-
ticas: a) é a peça formal do processo, observados os
requisitos previstos em lei (art. 840, CLT e art. 319,
CPC): b) rompe a inércia do Poder Judiciário e provo-
ca o exercício da Jurisdição (art. 2º, CPC); c) indivi-
dualiza os sujeitos da lide, determinando sobre quais
sujeitos a jurisdição atuará; e d) traça os motivos da
lide e o pedido, sobre os quais atuará a Jurisdição. É
certo que os limites subjetivos e objetivos da lide so-
mente serão conhecidos em suas reais dimensões, após
a apresentação da defesa, pois essa pode provocar a
intervenção de terceiros e estabelece a controvérsia.
Mas também é certo que a inicial traça os primeiros
parâmetros(7).
A relação processual é uma relação jurídica de
natureza pública. Os direitos subjetivos do autor e do
réu não são de natureza privada: eles têm direito a uma
prestação jurisdicional do Estado que lhes diga se têm
ou não razão. Não têm direito, em princípio, a um juízo
de procedência. Têm direito a saber se sua postula-
ção procede, procede apenas em parte ou improcede.
A relação de direito material pode ser pública ou pri-
vada, dependendo se nasce de um negócio jurídico,
ato ilícito ou ato administrativo. Cria uma relação de
credor e devedor entre as partes. Esta relação é levada
ao plano processual, sendo permitido que o titular do
direito lesado entre em juízo para exigir o dever jurí-
dico correspondente. A relação de natureza processual,
porém, não é um negócio jurídico, mas sim um ato
jurídico em sentido estrito, na qual o autor provoca a
prestação jurisdicional do Estado, de natureza públi-
ca(8). É, portanto, uma relação jurídica entre o cidadão
e o Estado, que o conecta com a outra parte e tem o
dever de decidir ou compor a controvérsia.
Nesse contexto, é imperativa a preservação das
garantias constitucionais do processo, expressas no
contraditório, na igualdade, na inafastabilidade de
controle jurisdicional e na cláusula do due process
of law, bem como na observância de que o conflito
processual deve se dar em paridade de armas entre as
partes, consequência primeira da projeção do princípio
(2) ASSIS, Araken de. Garantia de acesso à justiça: benefício da gratuidade. Garantias constitucionais do processo civil, coordenação de Cruz e Tucci,
José Rogério (Org.). São Paulo: RT, 1999. p. 09.
(3) Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 464: “A garantia institucional cone-
xiona-se com o dever de uma garantia jurisdicional de justiça a cargo do Estado. Este dever resulta não apenas do texto da constituição, mas também de um
princípio geral (“de direito”, das “nações civilizadas”) que impõe um dever de proteção através dos tribunais como um corolário lógico: (1) do monopólio
de coação física legítima por parte do Estado; (2) do dever de manutenção da paz jurídica num determinado território; (3) da proibição da autodefesa a não
ser em circunstâncias excepcionais definidas na Constituição e na lei.”
(4) Cf. MIRANDA, F. A. Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1979. tomo IV, p. 4.
(5) Cf. ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2016. v. III, p. 66/67; e THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 751.
(6) Cf. ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2016. v. III, p. 67.
(7) Cf. SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 540/541.
(8) Cf. MIRANDA, F. A. Pontes de, ob. cit., p. 6/7. No mesmo sentido, PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil.
8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. III, p. 153/154.

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