Relação Jurídica de Previdência Social

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas92-108

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O Direito Previdenciário é a ciência jurídica correspondente à previdência social; esta, uma instituição de iniciativa e dinâmica governamental (hodiernamente, celebrando parceria com o particular), revestida de características próprias. Necessariamente se envolve com o financiamento (acostando-se, naturalmente, às ideias econômicas e exacionais) e com os beneficiários, pessoas físicas, os destinatários finais de todo o esforço entre as gerações sociais do País.

O órgão gestor da previdência básica, o outro polo, nas últimas sete décadas, tem sido autarquia federal, isto é, pessoa jurídica de direito público. Por força da obrigatoriedade da participação, compulsoriedade da proteção, observância de regras expropriatórias e atendimento dos pressupostos legais, isto é, em virtude da severa submissão ao ordenamento normativo, estabelece-se nítido vínculo entre as pessoas envolvidas.

Caso particular da relação jurídica de seguridade social, a de previdência social dá-se entre sujeitos definidos na lei. São pessoas físicas e jurídicas, nominadas diferentemente, conforme cada domínio científico (v. g., filiação, inscrição, contribuição e benefícios), desdobrando-se segundo inúmeros institutos.

Alguns institutos agora desenvolvidos e outros, em face da proximidade, com a técnica propriamente dita. 191. Relação jurídica de filiação - Filiação, elo estabelecido entre pessoa física - o beneficiário - e pessoa jurídica gestora, é imposta por lei, um liame com a proteção sujeita à norma.

a) noção mínima: Filiação é um estado jurídico próprio do segurado. Este se diz filiado ou não. Vínculo ligando o trabalhador protegido ao sistema é, sobretudo, a condição assecuratória do direito subjetivo às prestações. A expressão "filiação" reflete aproximação do sistema previdenciário e permanência neste; encerra ideia estática, de início, e dinâmica, de manutenção.

Podem-se filiar as pessoas físicas - nunca as jurídicas -, que exercem atividade remunerada e, excepcionalmente, o não praticante de esforço ou atividade laboral.

b) tipos: Quanto à sua natureza, a filiação pode ser obrigatória - regra de ouro do seguro social - ou facultativa, esta constituindo exceção. Os regimes previdenciários são insitamente impositivos, abrigando em seu seio, apenas para melhor propiciar a proteção, a filiação segundo a vontade pessoal.

A filiação obrigatória reflete a impositividade do sistema, seu sustentáculo maior. A filiação facultativa demonstra sua liberalidade, instituída para viabilizar individualmente a proteção do cidadão em circunstância atípica. Exigidas a submissão do indivíduo à instituição, ao comando legal, e a incidência de norma pública, da filiação defluem inúmeras obrigações e direitos, consequências, efeitos materiais e jurídicos.

A facultativa é a mesma filiação, permitida a certas pessoas. Elas resolvem se se filiam e, quando o fazem, poderão se afastar, sempre por sua expressa vontade. No caso, correspondendo a ingresso alternativo, permanência temporária no regime: do ponto de vista prático, a facultatividade é só de admissão; para fruir os direitos, é preciso continuar.

O seu traço marcante é a volição. É fundamental o arbítrio do filiado. O mesmo não sucede com a obrigatória, na qual o desejo da pessoa não influi; se ela cumpre o pressuposto, está filiada.

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Ser admitido no sistema e ficar praticamente submetido a ele, sujeito a diversas imposições, é próprio da técnica protetiva.

Além da compulsoriedade e da facultatividade, elementos respectivos, aliás, essenciais dessas filiações, no campo do direito obrigacional, a relação não apresenta características de contrato, enquanto a jacente entre o facultativo e o órgão gestor assume certa fração desse aspecto.

De qualquer forma, em ambas as hipóteses, não se pode propriamente falar em acordo de vontades, pois o ente administrador não tem liberdade para recusar nenhuma das duas filiações.

c) filiações especiais: Não existem filiações especiais. Ela é única, simples, embora reeditável sucessiva e até simultaneamente. Vigem, isto sim, vários regimes contributivos e de prestações, numa palavra, inúmeros planos de previdência social.

Num regime geral, convivem os ditos especiais, específicos de algumas categorias, mas a filiação é igual para todos. Nacionalmente, compondo o sistema protetivo, encontram-se regimes municipais, estaduais, do servidor público civil e militar e do parlamentar, admitindo-se ingresso em cada um deles.

d) automaticidade: Automaticidade é juízo de um evento em relação a outro. Dois acontecimentos, em função do tempo, são simultâneos ou sucessivos. Quanto à deflagração, podem ser concomitantes ou não.

Reportando-se ao exercício profissional, a filiação obrigatória é dita automática. Ela se superpõe à atividade; quando a segunda se dá, sobrevém igualmente a primeira. Temporalmente falando, iniciando-se o trabalho, começa a filiação. Praticado o ato pressuposto, ou seja, a condição geradora da filiação, automaticamente, sem qualquer outra providência, apenas por vontade da lei, a pessoa está agregada. Sua eventual liberdade cinge-se ao ato de provocar a circunstância configurante. Presente esta, em razão dela mesma e da incidência da norma, nasce no mesmo momento esse estado jurídico.

e) início, duração e termo: A filiação surge no exato instante do início da atividade abrangida pelo regime; para o empresário e para o empregado, temporário, avulso e doméstico, respectivamente com a abertura da empresa ou o trabalho garantidor da percepção da remuneração; para o autônomo, na data do início do labor registrado em documento de inscrição nos entes municipais; para o eclesiástico, a partir da ordenação (não incluindo o período de tonsura).

Basicamente, a filiação perdura enquanto persistir o supedâneo legalmente determinante e também nos períodos de manutenção da qualidade de segurado, prolongando-se, naturalmente, durante o recebimento dos benefícios.

A extinção dá-se por várias causas:

  1. a morte, o fim de tudo na Terra (e o começo de muitas coisas, incluindo prestações);

  2. a perda da qualidade de segurado;

  3. não recolhimento de certo número de contribuições mensais por parte do facultativo;

  4. a cessação da atividade abrangida pelo regime. Ela pode ser reeditada indefinidamente, tantas vezes se repitam as condições determinantes.

    f) recusa de acolhimento: A filiação obrigatória depende apenas da vontade do legislador; não observa a opinião do segurado nem a do órgão gestor. Este não pode recusá-la, quando regular, nem mesmo com base em razões atuariais (não sopesadas pelo elaborador da norma). Mesmo na facultativa, quando prevalece a vontade da pessoa, não pode o órgão gestor furtar-se à sua concretização.

    Na hipótese de não proteção (não concessão de benefício por incapacidade a quem ingressa incapaz), desnaturando-se, em princípio, sua razão de ser, também se impõe a filiação.

    g) finalidade do instituto: São inúmeros os fins colimados, mas o principal deles é envolver a pessoa no seguro social. Os habitantes de um País são filiados ou não filiados. O vínculo determina o direito: os filiáveis não filiados não o têm (salvo na hipótese de ser dependente). Quem está vinculado, mesmo não inscrito, faz jus; para exercer o direito, é necessário se inscrever, providência tomada até tardiamente.

    h) presunções inerentes: Poucas presunções jurídicas favorecem a filiação, mas beneficiam-na algumas admissões lógicas. De regra, todo trabalho humano deve ser protegido (devendo, então, buscar-se a solução legal).

    Globalmente considerada, a filiação não se presume, tem de ser demonstrada. Existe ou não existe, se faltar sustentáculo material - labor remunerado ou vontade pessoal -, não produz efeitos, não gera obrigações nem direitos; porém, se presente, não pode ser anulada por ato algum, enquanto vigente lei definidora das exigências materiais e as condições de manutenção.

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    i) pressuposto material: É o trabalho, o exercício de atividade laboral. Sem o trabalho contemplado na lei, não há filiação, pela simples razão de, na sua falta ou impossibilidade, acionar a proteção, sobrevindo, consequentemente, recursos (prestações) capazes de substituir os meios de subsistência.

    O trabalho é o principal responsável pela criação de riquezas, do bem-estar da sociedade, do progresso, do avanço da civilização e do engrandecimento do ser humano. A previdência social, além de outras funções, retribui socialmente ao homem o seu esforço.

    Não é qualquer trabalho, o prestigiado é o labor profissional e até, em alguns casos, o artesanal, mas o remunerado. O empenho subordinado ou independente, mas profissionalizado. Isto é, por conta de terceiros ou para estes, sendo imprescindível ser retribuído.

    Uma dedicação abnegada, filantrópica, amorosa, esportiva, religiosa, estudantil, em mutirão etc. nem sempre é tutelada pelas leis trabalhistas ou previdenciárias. Dessas entregas humanas, algumas autogratificantes, não cuida a previdência social, salvo quando as excetua, caso do eclesiástico e do estudante. Estes, no sentido estrito, não trabalham; as atividades humanas protegidas e retribuídas são o ministério religioso e o estudo.

    A base da filiação é o trabalho remunerado, melhor dizendo, o remunerável. Mesmo na hipótese de - por qualquer motivo - a pessoa não conseguir receber a retribuição, se esta, em princípio lhe é devida, está em estado de filiado.

    j) situações especiais: De regra, a filiação perdura durante o exercício da atividade laboral; excepcionalmente, porém, ela prossegue em outras circunstâncias. Durante a percepção dos benefícios, mantém-se a filiação.

    Exprime a relação jurídica previdenciária, não se podendo aludir a ela em relação à renda mensal vitalícia ou pensão ligada à Síndrome da Talidomida, benefícios assistenciários.

    O direito adquirido é responsável por situação particular. Após a perda da qualidade de segurado, mesmo passados muitos anos, quem preencha os requisitos legais tem as prestações asseguradas, iniciando-se o benefício...

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