Administração Pública
Autor | Kildare Gonçalves Carvalho |
Ocupação do Autor | Professor licenciado de Direito Constitucional na Faculdade de Direito Milton Campos |
Páginas | 351-386 |
SUMÁRIO
1. Princípios e normas gerais – 2. Agentes e cargos públicos – 3. Servidores públicos –
4. Improbidade administrativa.
1. PRINCÍPIOS E NORMAS GERAIS
A Constituição trata da “administração pública” no Capítulo VII do Título III, incluin-
do normas referentes aos servidores públicos civis e militares.
Arma Oswaldo Aranha Bandeira de Mello que “a palavra administração, etimolo-
gicamente, vem do latim, segundo uns, da preposição ad e do verbo minis tro-as-are, que
signica servir, executar, e, segundo outros, de ad manus trahere, que envolve idéia de dire-
ção ou gestão. Daí a possibilidade de lhe emprestar sentido amplo, sem restringi-lo a uma
compreensão tão-somente de execução subordinada. Lícito, também, se agura incluir nela
a com preensão de deliberação, de comando”.1
Pode-se entender Administração Pública em sentido subjetivo (e aqui a palavra é gra-
fada com maiúscula), como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui
o exercício da função administrativa do Estado, e em sentido objetivo, ou seja, “conjunto de
atividades preponderantemente executórias de pessoas jurídicas de Direito Público ou delas
delega tárias, gerindo interesses coletivos, na prossecução dos ns desejados pelo Estado”.2
Ao tratarmos da atividade administrativa, necessário que se distinga descon cen tração
de descentralização.
A desconcentração corresponde à divisão interna de competências, ou seja, repartição
de competências entre órgãos integrantes da mesma pessoa jurídica.
A descentralização se verica quando há distribuição de competência para outra pes-
soa jurídica.
A Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998, introduziu relevantes alterações
neste Capítulo, como a seguir vericaremos.
O art. 37 da Constituição menciona que a administração direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eciência.
Observe-se que o texto constitucional originário fazia menção à administração dire-
ta, indireta e fundacional. Abrange a administração direta os órgãos administrativos que
compõem a organização administrativa do Estado; a indireta é integrada pelas autarquias,
empresas públicas, sociedades de economia mista, e fundações públicas.
1 BANDEIRA DE MELLO. Princípios gerais de direito administrativo, p. 34.
2 MOREIRA NETO. Curso de direito administrativo, p. 88.
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Em crítica ao texto constitucional originário, José Cretella Jr. diz que o constituinte se
equivocou, pois quando coloca a administração indireta ao lado da fundação (e sem o atri-
buto “pública”), incide em erro, porque a “entidade fundacional pública é uma das espécies
em que se desdobra o gênero Administração Indireta”.3
O equívoco cou, no entanto, reparado com a Emenda Constitucional n. 19/98, que
eliminou o termo “administração fundacional” do caput do art. 37.
A administração direta e indireta revela-se nas três esferas de governo em que se ar-
ticula a federação (União, Estados e Municí pios), havendo ainda a Administração local do
Distrito Federal.
Ao mencionar “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes” (art.
37), parece-nos que o texto constitucional está abrindo a possibilidade de não só o Executivo,
mas também o Legislativo e o Judiciário instituírem autarquias e outras entidades da admi-
nistração indireta, bem como fundações, desde que convenientes para a descentralização
de seus serviços de natureza administrativa, embora tais serviços sejam atípicos desses dois
Poderes.
Ainda é José Cretella Jr. quem observa, a propósito: “Administração existe nos três Po-
deres, mas o volume de serviços administrativos do Poder Judiciário e do Poder Legislativo é
pequeno e, regra geral, interno (concessão de férias, de licenças aos agentes desses Poderes),
às vezes externo (atendimento ao público). O volume, a massa, o grande número, o acúmulo
de ‘serviço administrativo’ é que se torna a ‘causa determinante’ da descentra lização e, pois,
da criação de entidades periféricas, que colaboram com o centro superlotado. Onde não exis-
te superlotação não existe ‘exportação’ ou ‘transferência’ e, portanto, Administração Indireta,
criação incompatível lógica e juridicamente com o Poder Judiciário e com o Poder Legislativo.”
Para concluir: “... desse modo, constituintes e seus assessores deram às expressões ‘Ad-
ministração Pública’, ‘Administração Direta’, ‘Administração Indireta’ e ‘entidade fundacional’
sentidos não-técnicos, divorciados da doutrina, do Direito positivo e da realidade prática. Para
que o dispositivo que inatacável, basta a supressão da expressão ‘de qualquer dos Poderes’.”4
A Constituição não inclui na administração indireta as denominadas ‘agências regula-
doras’. Apenas faz referência a ‘órgãos reguladores’ (arts. 21, XI, e 177, § 2º, III) de determi-
nada entidade estatal.
Apesar da controvérsia doutrinária sobre a sua natureza jurídica, verica-se que os
órgãos reguladores têm sido constituídos como autarquias especiais designadas de agências
(pessoas jurídicas de direito público), conferindo-lhes a lei poder normativo para as conces-
sões e permissões de serviços públicos, notando-se ainda que as agências reguladoras já cria-
das, como a Aneel, Anatel, Anp, Anv s, Ans, Ana, Antt e Antaq, permitem que seus dirigentes
sejam detentores de mandato.
De modo geral, às agências reguladoras, ressalvadas as peculiaridades de cada uma
delas, tem sido cometidas as seguintes tarefas: “a) controle de tarifas, de modo a assegurar o
equilíbrio econômico e nanceiro do contrato; b) universalização do serviço, estendendo-se
a parcelas da população que deles não se beneciavam por força da escassez de recursos; c)
fomento da competitividade, nas áreas nas quais não haja monopólio natural; d) scalização
3 CRETELLA JÚNIOR. A administração pública. In: A Constituição brasileira – 1988: interpretações, p.
142.
4 CRETELLA JÚNIOR. A administração pública. In: A Constituição brasileira – 1988: Interpretações, p.
145.
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do cumprimento do contrato de concessão; e) arbitramento dos conitos entre as diversas
partes envolvidas: consumidores do serviço, poder concedente, concessionários, a comuni-
dade como um todo, os investidores potenciais, etc.”5
Autarquia , segundo o Decreto-Lei n. 200/67, é o “serviço autônomo, criado por lei,
com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades da Ad-
ministração Pública que requeiram, para o seu melhor funcionamento, gestão administrati-
va e nanceira descentralizadas”. É pessoa jurídica de direito público interno (Código Civil
de 2002, art. 41, IV), distinta do Estado.
Segundo resenha de Chimenti, as autarquias congregam “as seguintes peculiaridades:
a) atuam em nome próprio, uma vez que criadas por lei especíca (CF, art. 37, XIX);
b) a lei de criação é de iniciativa do Chefe do Executivo (CF, art. 61, § 1º);
c) são organizadas por decreto, regulamento ou estatuto;
d) possuem patrimônio próprio (bens públicos), transferidos pela entidade estatal a
que se vinculam; detendo a natureza de patrimônio público, seus bens são gravados
de inalienabilidade, impenhorabi lidade e imprescritibilidade, admitindo-se a defesa
por atuação do Ministério Público (CF, art. 129, III);
e) a forma de investidura dos seus dirigentes é xada na lei de criação e, na sua falta,
na forma disposta por seu estatuto ou regulamento, mostrando-se ilegal qualquer
condicionante externo de escolha (RDA, 140/37, e RT, 595/249);
f) seus agentes devem ser titulares de cargos públicos, admitidos, em regra, por concurso
público, por isso são equiparados, para todos os ns, a agentes públicos (CP, art. 327,
e Lei n. 8.429/1992); a investidura em função pública sem a prévia aprovação em con-
curso somente será possível para atender a hipóteses excepcionais (art. 37, II);
g) as contratações que promovem devem ser antes licitadas (CF, art. 37, XXI, e Lei n.
8.666/1993);
h) como exercem funções típicas do Estado (administrativas), são equiparadas ao Po-
der Público para ns de privilégios, dentre eles:
h.1) não-incidência, por imunidade, de impostos sobre patrimônio, renda e serviços
h.2) foro privilegiado para as ações judiciais de seu interesse (CF, art. 109, I);
h.4) seus atos são dotados de presunção de legalidade e seus créditos admitem
fos);
h.6) ação regressiva em face de servidores (CF, art. 37, § 6º);
i) como todas as entidades públicas, estão sujeitas a controle externo. O controle exer-
cido pela Administração direta da entidade que as criou, no entanto, é efetuado nos
termos e nos limites da lei que criou as autarquias. As chamadas autarquias de regi-
me especial (como as universidades públicas e o Banco Central) recebem tal desig-
nação porque a incidência do controle externo é restrito, sendo do tados de maior
autonomia (daí serem identicadas como sendo de ‘regime especial’).”6
5 BARROSO. Agências reguladoras. Constituição. Transformações do Estado. In: Revista Latino-Ameri-
cana de Estudos Constitucionais, n. 1, jan./jun. 2003, p. 304.
6 CHIMENTI et al. Curso de direito constitucional, p. 199/200.
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