Direitos e garantias fundamentais na constituição de 1988

AutorKildare Gonçalves Carvalho
Ocupação do AutorProfessor licenciado de Direito Constitucional na Faculdade de Direito Milton Campos
Páginas37-213
SUMÁRIO
1. Considerações gerais – 2. Abrangência – 3. Direitos fundamentais implícitos – 4. Deveres fun-
damentais – 5. Direitos fundamentais em espécie – 6. Ações constitucionais.
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
A Constituição de 1988 ampliou consideravelmente o catálogo dos direi tos e garantias
fundamentais, desdobrando-se o art. 5º em LXXVIII incisos, o último acrescentado ao texto
constitucional pela EC n. 45/2004, quando, pela Emenda Constitucional n. 1, de 1969, a ma-
téria era tratada em 36 parágrafos, que integravam o art. 153.
Outro aspecto que deve ser salientado é o de que a declaração dos direitos fundamen-
tais foi deslocada para o início do texto constitucional (Título II), rompendo assim a Consti-
tuição vigente com a técnica das Constituições anteriores, que situava os direitos fundamen-
tais na parte nal da Constituição, sempre depois da organização do Estado. Essa colocação
topográca da declaração de direitos no início da Constituição, seguindo modelo das Cons-
tituições do Japão, México, Portugal, Espanha,1 dentre outras, tem especial signicado, pois
revela que todas as instituições estatais estão condicionadas aos direitos fundamentais, que
deverão observar. Assim, nada se pode fazer fora do quadro da declaração de direitos fun-
damentais: Legislativo, Executivo e Judiciário, orçamento, ordem econômica, além de outras
instituições, são orientados e delimitados pelos direitos humanos.
Esclareça-se, ainda, que a expressão “estrangeiros residentes no País, constante do art.
5º da Constituição, “deve ser interpretada no sentido de que a Carta Federal só pode asse-
gurar a validade e o gozo dos direitos fundamentais dentro do território brasileiro”.2 O qua-
licativo “residentes no País” não é do substantivo “estrangeiro”, mas do sujeito composto
“brasileiros e estrangeiros.
“Em consequência, mesmo o estrangeiro não residente no Brasil tem acesso às ações,
inclusive mandado de segurança, e aos demais remédios judiciais, é o que entende José Cel-
so de Mello Filho.3 De fato, os direitos fundamentais têm, como vimos, caráter universal, e
1
A precedência e a inviolabilidade dos direitos fundamentais vêm enunciadas no art. 10 da Constitui-
ção da Espanha, de 27 de dezembro de 1978: “Art. 10. A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis
que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos do seme-
lhante constituem o fundamento da ordem política e da paz social.”
2 RTJ 3/566-568.
3
MELLO FILHO. Constituição federal anotada, p. 320.
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 3
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deles serão destinatários todos os que se encontrem sob a tutela da ordem jurídica brasileira,
nos limites da soberania nacional, pouco importando se são nacionais ou estrangeiros. Desse
modo, os estrangeiros podem fazer uso de todos os instrumentos processuais de proteção
aos direitos fundamentais, salvo naqueles casos em que a Constituição limita o exercício,
como ajuizar ação popular. E ainda que estejam em situação irregular no Brasil, poderão ter
reconhecido qualquer direito fundamental, mesmo aqueles que estejam previstos fora do art.
5º, como, por exemplo, o direito à saúde.
Os direitos fundamentais têm como titulares não só os seres humanos, mas também as
pessoas jurídicas. José Afonso da Silva oferece-nos alguns exemplos de direitos fundamen-
tais que não podem ser recusados às pessoas jurídicas. Tais são “o princípio da isonomia, o
princípio da legalidade, o direito de resposta, o direito de propriedade, o sigilo da correspon-
dência e das comunicações em geral, a inviolabilidade do domicílio. A garantia ao direito
adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, assim como a proteção jurisdicional, o
direito de impetrar mandado de segurança. Há até direito que é próprio de pessoa jurídica,
o direito à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos.4
Outro ponto a ser considerado é que a titularidade varia em função de cada direito.
Quer-se com isso dizer que são “titulares dos direitos fundamentais enunciados nos inci-
sos do art. 5º somente os brasileiros e os estrangeiros residentes no Brasil. Isso ocorre quando
o inciso não estabelece nada sobre a titularidade e também quando utiliza termos genéricos
para designar os titulares, tais como ‘todos’ e ‘ninguém.’ Quando o inciso é mais restritivo que
o caput estabelecendo como titulares categorias especícas (‘presos’, ‘condenados’, ‘cidadãos’,
‘pobres’), deve-se entender que ocorre uma dupla limitação. Por um lado, excluem-se da titula-
ridade aqueles que, mesmo sendo brasileiros ou estrangeiros residentes, não possuam a quali-
dade indicada pelo inciso. Por outro lado, são excluídos aqueles que mesmo tendo a qualidade
especíca indicada no inciso não são brasileiros ou estrangeiros residentes.5
No domínio dos direitos sociais, pode-se entender que titulares são os que necessitam
de prestações relacionadas à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança
e à previdência social. Nessa perspectiva é que se denem as pessoas que necessitam das
prestações enunciadas nos direitos sociais: os arts. 7º a 9º e o art. 11 referem-se a direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais; titulares do direito à saúde são “todos”, pela dicção do art.
196; do direito à assistência social, titular é “quem dela necessitar” (art. 203), e do direito à
educação “todos”.
Quanto aos direitos políticos, os requisitos de sua titularidade se acham, em sua maioria,
estabelecidos nos arts. 14 e 15, destacando-se a nacionalidade brasileira e os limites etários.6
2. ABRANGÊNCIA
O Título II da Constituição compreende cinco Capítulos. Neles são mencionados os di-
reitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I), os direitos sociais (Capítulo II), a nacio-
nalidade (Capítulo III), os direitos políticos (Capítulo IV) e os partidos políticos (Capítulo
4
SILVA. Curso de direito constitucional positivo, p. 171-172.
5
DIMOULIS; MARTINS. Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 85.
6
DIMOULIS; MARTINS. Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 91-95.
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PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
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V). Portanto, os direitos fundamentais, na Constituição de 1988, compreendem os direitos
individuais, os direitos coletivos, os direitos sociais e os direitos políticos.
2.1 DIREITOS INDIVIDUAIS
Os direitos individuais são aqueles que se caracterizam pela autonomia e oponibilidade
ao Estado, tendo por base a liberdade – autonomia como atributo da pessoa, relativamente
a suas faculdades pessoais e a seus bens. Impõem, como vimos acima, ao tratarmos da sua
classicação, uma abstenção, por parte do Estado, de modo a não interferir na esfera própria
dessas liberdades. São direitos de status negativus, pois o seu núcleo está na proibição de
interferência imediata imposta ao Estado. Os direitos individuais conguram uma pretensão
de resistência à intervenção estatal, sendo, por isso mesmo, designados de direitos de defesa
ou de resistência.
2.2 DIREITOS SOCIAIS
Os direitos sociais referidos no art. 6º da Constituição (educação, saúde, trabalho, mo-
radia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência
aos desamparados) são direitos que visam a uma melhoria das condições de existência, me-
diante prestações positivas do Estado, que deverá assegurar a criação de serviços de educa-
ção, saúde, ensino, habitação e outros, para a sua realização. A maioria dos direitos sociais
vem enunciada em normas programáticas.
São direitos de status positivus, já que permitem ao indivíduo exigir determinada atua-
ção do Estado, com o objetivo de melhorar suas condições de vida, garantindo os pressupos-
tos materiais para o exercício da liberdade. Envolvem a melhoria de vida de vastas categorias
da população, mediante a instituição e execução de políticas públicas.
Diferentemente dos direitos sociais, considere-se os direitos culturais como “os que
se relacionam aos elementos portadores de referências à identidade, à ação e à memória da
sociedade brasileira, em sua várias expressões, compostos por bens físicos e espirituais.7
2.3 DIREITOS ECONÔMICOS
Além dos direitos sociais, há na Constituição referência a direitos econômicos, que,
contidos em normas de conteúdo econômico, visam proporcionar, por meio de uma política
econômica, v.g., a que trata do planejamento de metas e de nanciamento para a consecução
do pleno emprego (direito econômico), a realização dos demais direitos hu manos, no caso, o
oferecimento do salário mínimo (direito social) e o suprimento das necessidades humanas,
conferindo ao homem uma vida digna (direito individual). Os direitos econômicos envol-
vem, desse modo, normas protetoras de interesses individuais, coletivos e difusos. Nesse
sentido, posi ciona-se José Luiz Quadros de Magalhães, que classica os direitos econômicos
em: I – direito ao meio ambiente; II – direito do consumidor; III – função social da proprie-
dade rural e urbana; IV – transporte (como meio de circulação de mercadorias); V – pleno
emprego (direito ao trabalho); VI – outras normas concretizadoras de direitos sociais, indi-
viduais e políticos).8
7
WEIS. Direitos humanos contemporâneos, p. 45.
8
MAGALHÃES. Direitos humanos na ordem jurídica interna, p. 219.
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