Poder Executivo

AutorKildare Gonçalves Carvalho
Ocupação do AutorProfessor licenciado de Direito Constitucional na Faculdade de Direito Milton Campos
Páginas555-583
SUMÁRIO
1. Poder de conteúdo incerto – 2. Chea de Estado e chea de governo – 3. Poder regulamentar
– 4. Presidente da República – Elegibilidade, eleição, mandato, posse e exercício – 5. Vice-Presi-
dente da República – 6. Vacância da Presidência – 7. Atribuições do Presidente da República – 8.
Presidencialismo e Poder Legislativo – 9. Presidencialismo e federação – 10. Presidencialismo e
Poder Judiciário – 11. Responsabilidade do Presidente da República – 12. Ministros de Estado –
13. Conselho da República – 14. Conselho de Defesa Nacional – 15. Conclusão.
1. PODER DE CONTEÚDO INCERTO
O Poder Executivo traduz-se em funções abrangentes, amplas e expressivas, que aca-
bam por congestioná-lo.
Declara o art. 76 da Constituição que o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da
República, auxiliado pelos Ministros de Estado. Edward S. Corwin assinala que a expressão
“Poder Executivo” é de conteúdo incerto, sendo o art. II o mais indenido da Constitui-
ção norte-americana.1 Essa incerteza quanto às funções do Executivo vem-se tornando mais
acentuada depois que o Estado ampliou suas tarefas, quase sempre realizadas pelo Executivo,
nos mais variados setores da realidade econômica, social, nanceira, cultural e tecnológica,
entre outros.
Josaphat Marinho diz que, no Brasil, agravam as diculdades naturais da estrutura do
Poder Executivo “as deformações introduzidas na engrenagem do regime republicano e do
governo presidencial entre nós, desde a Constituição de 1891”.2 A propósito do crescimento
das atividades do Poder Executivo, de forma a dicultar-lhe o delineamento constitucional,
Manoel Gonçalves Ferreira Filho observa que esse crescimento físico é tradução de um fe-
nômeno psicossocial muito mais importante, pois é do Executivo que o povo passa a esperar
a melhoria das condições de vida, e, portanto, é no Exe cutivo que são postas as esperanças
do eleitorado.3
Tamanhos poderes exercidos por uma única pessoa têm, no Brasil, levado a exageros
tais que Campos Sales chegou a caracterizar o presidencialismo como “o governo pessoal,
constitucionalmente organizado”.
1 CORWIN. El Poder Executivo (función y poderes), p. 1.
2 MARINHO. Poder Executivo. In: Constituição e Constituinte, p. 145.
3 FERREIRA FILHO. Organização dos Poderes: Poder Legislativo. In: A Constituição brasileira – 1988:
interpretações, p. 152.
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KILDARE GONÇALVES CARVALHO DIREITO CONSTITUCIONAL • Volume 2
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Daí a explicação para a desconança das Constituições em relação ao Poder Executivo,
mas também a irresistível atração pelo poder pessoal do Presidente da República.4-5
4 DUARTE. Discurso. Anais da Assembleia Constituinte, 1948. Apud MARINHO, Josaphat. Op. cit., p.
148.
5 Fabiano Santos destaca que o presidencialismo nasceu no Brasil desprovido de uma prática de freios e
contrapesos entre os diversos agentes políticos, o que fez com que se afastasse dos princípios do presi-
dencialismo democrático informado pelo esquema conceitual de controles mútuos. A estabilidade do
sistema presidencial de governo ocorreu na Presidência de Campos Sales, com a curiosa doutrina de
organização político-federativa, segundo a qual o governo central reconhecia o domínio nos Estados
das oligarquias vencedoras das disputas locais. Em razão disso, o Executivo governava o país sem in-
terferência do Congresso, cujos membros se elegiam no mais das vezes por obra e graça da inuência
dos governadores nos pleitos locais. Foi durante o período de 1946-1964, que o presidencialismo se
adequou razoavelmente aos princípios do governo de controles mútuos. Contudo, mesmo sob a égide
da Constituição de 1988, o Executivo “não teve suas prerrogativas sucientemente reduzidas. Medidas
provisórias, direito de requerer unilateralmente urgência para a tramitação de seus projetos, mono-
pólio de emissão de proposições legislativas de cunho nanceiro e administrativo são instrumentos à
disposição do Presidente que, além de não existirem ao longo da República de 1946, comprometem
sobremaneira a capacidade do Congresso em servir de contrapeso às iniciativas do governo. Portanto,
ainda estamos longe de um sistema baseado na noção de ‘agenda compartilhada’ entre Executivo e
Legislativo, quer se observarmos pelo ângulo da rotina de produção legislativa do Congresso, quer
pelas taxas de apoio de Deputados e Senadores às iniciativas do Executivo. E as propostas de reforma
política, envolvendo o voto distrital misto, o voto facultativo, e a delidade partidária, mais parecem
um prelúdio para o ingresso do Brasil no sistema parlamentar do que propriamente uma tentativa de
aperfeiçoar o sistema presidencial (SANTOS. O Poder Legislativo no presidencialismo de coalizão, p.
31-33). Cf. ainda ABRANCHES. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro (Da-
dos, Revista de Ciências Sociais, v. 31, n. 1, p. 5-34). De acentuar que a taxa de sucesso do Executivo na
aprovação de projetos na fase contemporânea da democracia brasileira é de 85%, próxima da obtida
em sistemas parlamentaristas, e muito maior do que a que se vericou entre 1945 e 1964. Para Figuei-
redo e Limongi, a diferença entre os dois regimes democráticos está no fato de o atual ter mantido
as extensas prerrogativas legislativas conferidas ao presidente pelos militares. Assim, uma série de
faculdades dos presidentes do período pós-autoritário não existia para aqueles que governaram antes
de 1964: ter iniciativas exclusivas em projetos orçamentários e tributários; iniciar emendas constitu-
cionais; editar medidas provisórias; editar leis sob requerimento de delegação do Congresso; solicitar
urgência; e impor restrições a emendas parlamentares. Figueiredo e Limongi esclarecem ainda que
os líderes partidários da fase democrática atual também detêm uma série de poderes que os seus
antecessores, antes do regime militar, não possuíam: determinar a agenda do plenário; representar a
bancada; retirar projetos de lei das comissões por meio de requerimento de urgência; e indicar e subs-
tituir membros das comissões mistas, de CPIs e das comissões do orçamento. Desta forma, é possível
armar que, no atual período democrático, o excesso de fragmentação e personalismo resultantes das
regras do jogo político é contrabalançado por poderes excepcionalmente fortes do Executivo e das
lideranças partidárias, quando se compara com o período de 1946 a 1964. Assim, alguns dos mais ci-
tados “defeitos” do sistema político nacional, como a ampla autoridade constitucional do presidente e
a fragmentação do Congresso, são, na verdade, características que, até certo ponto, se neutralizam (FI-
GUEIREDO E LIMONGI. Instituições políticas e governabilidade: desempenho do governo e apoio
legislativo na democracia brasileira. In: MELO, Carlos Ranulfo; SÁEZ, Manuel Alcântara (Orgs.). A
democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século XXI, p. 147-198).
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