Nacionalidade

AutorKildare Gonçalves Carvalho
Ocupação do AutorProfessor licenciado de Direito Constitucional na Faculdade de Direito Milton Campos
Páginas215-233
SUMÁRIO
1. Nacionais e estrangeiros – 2. Aquisição da nacionalidade – Jus soli e jus sanguinis – Brasilei-
ros natos – 3. Brasileiros naturalizados – 4. Distinção entre brasileiros natos e naturalizados –
5. Quase-nacionalidade – 6. Perda da nacionalidade – 7. Situação jurídica do estrangeiro no Bra-
sil – 8. Língua e símbolos nacionais.
1. NACIONAIS E ESTRANGEIROS
O termo nacionalidade, de que tratamos neste Capítulo, é aquele que apresenta sentido
jurídico, ou seja, a qualidade de um indivíduo como membro de um Estado, e não o que
dispõe de sentido sociológico, que se vincula à ideia de nação.
A atribuição de nacionalidade a determinado indivíduo traduz a dimensão pessoal do
Estado soberano. Com efeito, o conjunto das pessoas que se encontram no território do
Estado, compreendendo nacionais e estrangeiros, constitui a sua população, conceito demo-
gráco apenas.
Assim, aquela dimensão pessoal do Estado é representada pelos nacionais, ou seja, pe-
los indivíduos que mantêm um vínculo jurídico-público com o Estado de que fazem parte.
Clóvis Beviláqua, lembrado por Yussef Said Cahali, conceitua nacionalidade como “um
vínculo público e pessoal, que liga o indivíduo a determinado país, sua pátria de origem ou
de adoção, tornando-o parte integrante do povo desse país, e submetendo-o à autoridade e
proteção da soberania, que nele impera. A nacionalidade é, assim, o estado de dependência,
fonte de deveres mas também de direitos, no qual se encontram os indivíduos em face de
uma comunidade politicamente organizada.1
Consequentemente, estrangeiro é o não nacional, ou seja, aquele indiví duo que não
satisfaz os pressupostos normativos do Estado para que se considere nacional. O Estado
soberano, embora não esteja obrigado a consentir estrangeiros em seu território, mesmo em
caráter temporário, a partir do momento em que nele os admite, passa a ter deveres para com
os mesmos, decorrentes de normas de direito internacional costumeiro, não se descuidando,
contudo, da preservação dos interesses nacionais, à luz dos quais estabelecerá a condição
jurídica do não nacional.
Os estrangeiros, no entanto, devem ter uma condição jurídica que lhes preserve a dig-
nidade, devendo ainda ser tratados como pessoas livres. Podem, no entanto, ser privados dos
1 CAHALI. Estatuto do estrangeiro, p. 3.
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KILDARE GONÇALVES CARVALHO DIREITO CONSTITUCIONAL • Volume 2
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO
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direitos políticos, ou seja, da não participação na formação das decisões nacionais, de acordo
com o que dispuser o estatuto jurídico do Estado soberano.2
2. AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE – JUS SOLI E JUS SANGUINIS
BRASILEIROS NATOS
Cabe ao Estado legislar sobre nacionalidade, estabelecendo os modos de sua aquisição
e perda. O Ministro Francisco Rezek anota que o Estado deverá observar regras gerais de Di-
reito Internacional, assim como regras particulares com que acaso se tenha comprometido,
destacando-se, dentre as regras gerais, a de que todo homem tem direito a uma nacionali-
dade. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade nem do direito de mudar
de nacionalidade, constante do art. 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(ONU – 1948).3
A formação da nacionalidade brasileira é sintetizada por José Afonso da Silva: “O bran-
co (português) e sua cultura (considerada soma total de conhecimento e modo típico de vida
de um povo) eram elementos de grande plasticidade, o que possibilitara viver em contato
com os negros e índios. Assim, a população da colônia se forma envolvida num entrela-
çamento de várias culturas, várias entre os índios (ou, pelo menos, vários estágios de uma
mesma cultura), várias entre os negros e a branca europeia). Desse modo, o processo de acul-
turação, no Brasil, não se deu apenas entre três culturas típicas, mas entre várias, em diversos
momentos, decorrendo daí uma cultura tipicamente brasileira, com grande contribuição do
elemento africano e pouca do índio.4 Depois, no entanto, a cultura ocidental, com sua técnica
2 A Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU – 1948), traz as seguintes regras para os es-
trangeiros: a) a proibição de discriminação entre estrangeiros, desde que imposta arbitrariamente pelo
Estado, já que não se admitem distinções de origem nacional, nem fundadas no estatuto do país ou
território de naturalidade das pessoas – art. 2º; b) reconhecimento a todos os indivíduos, em todos
os lugares, como pessoa perante a lei – art. 6º; c) direito de qualquer pessoa de abandonar o país em
que se encontre – art. 13, n. 2; d) direito de qualquer pessoa sujeita a perseguição de procurar e de
beneciar-se de asilo em outro país – art. 14. O término da 2ª Guerra Mundial gerou uma multidão de
refugiados. Por isso mesmo foram aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas Convenções
sobre Refugiados e Apátridas, em que se estabeleceu um princípio geral de não discriminação dos
refugiados e apátridas entre si e direitos e deveres perante os Estados que os acolhem. Trata-se do
dever de obediência às leis e de direitos e garantias relativamente à religião, propriedade, associação
não política, exercício de prossão, liberdade de circulação, concessão de títulos de viagem para o
exterior, transferência de bens, facilidades de naturalização, direitos sociais, entre outros. Registre-se
que a questão dos refugiados e dos apátridas foi tratada pela ONU em três ocasiões. A primeira data
de 28 de junho de 1951, tomada em obediência à Resolução n. 429 (V) da Assembleia Geral, de 14 de
dezembro de 1950; a segunda, de 28 de setembro de 1954, e a terceira, de 30 de agosto de 1961, que
teve como objeto reduzir o número de apátridas.
3 REZEK. Direito internacional público, p. 181.
4 Anota Eduardo Viveiros de Castro que o tema das ‘três raças’ na formação da nacionalida-
de bra sileira tende a atribuir a cada uma delas o predomínio de uma faculdade: aos índios a per-
cepção, aos africanos o sentimento, aos europeus a razão, numa escala que, como em Gilber-
to Freyre, evoca as três almas da doutrina aristotélica. Aliás, indaga se Aristóteles não teria a sua
parte na história vegetal dos índios, a partir, justamente, dessa proverbial e inconstância indi-
ferença à crença, já que, na Metafísica lê-se que o homem ‘não tem opinião sobre nada’, recusa-
-se, em particular, a se curvar ao princípio de não contradição, ‘não é melhor que um vegetal’
(VIVEIROS DE CASTRO. A inconstância da alma selvagem, p. 187-188).
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