Defesa do Estado e das instituições democráticas

AutorKildare Gonçalves Carvalho
Ocupação do AutorProfessor licenciado de Direito Constitucional na Faculdade de Direito Milton Campos
Páginas705-724
SUMÁRIO
1.Estado Democrático de Direito e crise – 2. Sistema constitucional das crises – Flexível e rígido –
3. Estado de defesa – 4. Estado de sítio – 5. O estado de exceção – 6. Forças Armadas – 7. Segu-
rança pública.
1. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E CRISE
O Estado Democrático de Direito, conforme vimos no Capítulo 2, item 4, compreende
a limitação jurídica do arbítrio do poder político e a estabilidade jurídica das garantias indi-
viduais, tendo ainda a Constituição como norma suprema, o que reclama uma adequação de
todo o ordenamento infraconstitucional com as normas constitucionais.
Como acentua Queiroz Lima, “não se pode admitir o progresso político, desde que
falhe alguma destas duas condições, das quais a segunda é uma consequência da primeira. E,
sendo o arbítrio político incompatível com a segurança individual, pode-se dizer que o traço
prático pelo qual se reconhece o Estado de Direito é o grau de garantia de que são cercados
os indivíduos”.1
Na vida de uma comunidade política, pode, no entanto, ocorrer situações de crise (eco-
nômicas, bélicas, políticas, sociais, físicas, como epidemias, terremotos, inundações, etc.), acar-
retando a ruptura do equilíbrio institucional. As crises que incidem sobre a organização estatal
foram tipicadas por Paul Leroy: “a) crises deagradas com a nalidade de destruir a indepen-
dência ou a integridade territorial do Estado; b) crises engenhadas para derrubar o regime po-
lítico-institucional e, assim, a ordem constitucional vigente; c) crises econômico-nanceiras”.2
Para debelar a anormalidade, superando a situação de crise, surge a necessidade da
“constitucionalização das circunstâncias excepcionais” (Burdeau), vale dizer, a Constituição
passa a estabelecer medidas destinadas à defesa do Estado e de suas instituições. Fala-se
então em direito constitucio nal de crise ou legalidade especial, cuidando-se de xar o alcan-
ce, os limites e as garantias das medidas excepcionais, sobretudo as referentes ao retorno à
normalidade.
As medidas excepcionais devem ser necessárias, adequadas e proporcio nais para o res-
tabelecimento da normalidade institucional, cuja utilização cará na dependência de uma
causa de justicação que exclua a ideia de ilicitude pelos fatos e medidas adotados para a
defesa da ordem constitucional.
1 LIMA. Teoria do estado, p. 54.
2 LEROY. L’organisation constitutuionnelle et les crises, p. 13-15.
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INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS 15
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KILDARE GONÇALVES CARVALHO DIREITO CONSTITUCIONAL • Volume 2
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Advirta-se, contudo, com Ivo Dantas,3 que a atual Constituição Federal brasileira, ao
falar em “Defesa do Estado e das Instituições Democráticas” (Título V), não está autorizan-
do a defesa do governo, que é transitório, ou de um determinado sistema político, que nem
sempre representa o verdadeiro conceito de democracia, mas a integridade do sistema jurí-
dico-constitucional com respeito às liberdades e garantias individuais, traduzida na origem
popular do poder político e na prevalência da legalidade.
2. SISTEMA CONSTITUCIONAL DAS CRISES – FLEXÍVEL E RÍGIDO
O sistema constitucional das crises, entendido como o conjunto de normas constitucio-
nais estruturadas, ordenadas e coerentes, tendo como ponto comum as crises, é fundado nos
princípios da necessidade e da tempora riedade. O primeiro caracteriza-se pela ocorrência de
situações que, pela sua gravidade, colocam em risco a estabilidade do regime, objetivando,
por isso mesmo, a manutenção e a preservação da ordem constitucional e das instituições.
O princípio da temporariedade signica que a exceção constitucional terá duração e prazo
determinados. Esses princípios acarretam a decretação de medidas excepcionais que, por
traduzirem uma legalidade especial, não podem ser efetivadas sem a ocorrência fundada
em elementos seguros da emergência; não podem exceder os limites da defesa do regime e
das instituições democráticas, nem quanto à natureza das medidas, nem quanto à extensão
no espaço e duração no tempo, necessárias e sucientes; não se podem furtar ao controle
político do Legislativo, ainda que a posteriori, e não podem fugir ao controle jurisdicional
que repare desvios e abusos.4
A “constitucionalização” do direito de necessidade estadual, escreve Canotilho, “con-
sidera-se a solução mais conforme com a ‘ideia constitucional, porque é preferível ser a
Constituição a consagrar e denir os pressupostos dos estados de excepção, a ter de recor-
rer-se a princípios de necessidade extra ou supraconstitucional, susceptíveis de manipula-
ção a favor de uma qualquer ‘razão de Estado’ ou de ‘segurança e ordem pública’, invocada
por ‘chefes’ ou ‘governos’, sem qualquer arrimo normativo-constitucional. A regulamen-
tação constitucional já é uma limitação: enumeratio ergo limitatio. Neste sentido, pode-se
acolher a armação de quanto mais um Estado se torna constitucional tanto mais se impõe
a regulamentação constitucional do direito de necessidade (K. Stern). Concretizando me-
lhor: se a ‘essência’ do Estado constitucional é a vinculação dos poderes públicos à Consti-
tuição, então não existe qualquer outra fonte de legitimidade, que não seja a ‘magna carta
do país, relativamente à xação de competências e à denição dos pressupostos objectivos
dos estados de necessidade (K. Hesse). O direito de necessidade constitucional não é um
direito fora da Constituição, mas um direito normativo-constitucionalmente conformado.
O regime das ‘situações de excepção’ não signica ‘suspensão da Constituição’ ou ‘exclusão
da Constituição’ (excepção de Constituição), mas sim um ‘regime extraordinário’ incor-
porado na Constituição e válido para situações de anormalidade constitucional.5 Jorge
Miranda observa, acerca das situações de exceção ou de necessidade, à luz da experiência
3 DANTAS. Da defesa do Estado e das instituições democráticas na nova Constituição, p. 26-29.
4 CORRÊA. A defesa do estado de direito e a emergência constitucional, p. 28.
5 CANOTILHO. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 962.
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