Direitos políticos e sistemas eleitorais

AutorKildare Gonçalves Carvalho
Ocupação do AutorProfessor licenciado de Direito Constitucional na Faculdade de Direito Milton Campos
Páginas235-275
SUMÁRIO
1. Considerações gerais – 2. Sufrágio e voto – 3. Elegibilidade – 4. Inelegibilidade – 5. Suspensão e
perda dos direitos políticos – 6. Ação de impugnação de mandato eletivo – 7. Siste mas eleitorais.
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Os direitos políticos não são direitos de defesa, contra o Estado, mas direitos de inte-
gração ao Estado, e têm como instituições principais os partidos políticos e um Poder Legis-
lativo livre e representativo, que legitima a organização política da sociedade.
Os direitos políticos, segundo Pimenta Bueno, “são as prerrogativas, os atributos, fa-
culdades ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu país, intervenção
direta ou só indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses direitos.
São o jus civitatis, os direitos cívicos, que se referem ao poder público, que autorizam o cida-
dão ativo a participar na formação ou exercício da autoridade nacional, a exercer o direito de
votante ou eleitor, os direitos de deputado ou senador, a ocupar cargos políticos, e a manifes-
tar suas opiniões sobre o governo do Estado. Os direitos individuais ou civis têm em vista o
exercício legítimo das faculdades do homem; os direitos políticos são os meios de assegurar
os direitos naturais pela intervenção que o cidadão ativo exerce no poder público, são as ga-
rantias que escudam aqueles, e sem as quais não poderia defendê-los, não teria apoio valioso
e ecaz. Tais são os direitos políticos, e tal é a sua importância, conquista dos povos livres,
que não basta alcançar, que é preciso saber conservar e defender em toda a sua plenitude.
Passou, ofuscou-se para sempre o esplendor, a grandeza precária e sangrenta das conquistas
militares; nos séculos atual e futuros da civilização a grandeza real, a glória e a felicidade dos
povos e dos governos, não pode ter, e não terá outra base rme que não seja a das liberdades
do homem e do cidadão”.1
A participação do nacional no processo político, votando, sendo votado, exercendo
cargo público e scalizando os atos dos detentores do poder, é traço do Estado Democrático
de Direito. Assim, ao lado da liberdade autonomia, que se traduz na existência de direitos
inerentes ao indivíduo e oponíveis ao Estado, fala-se em liberdade-participação, entendida
como a prerrogativa do indivíduo de participar da vida política do Estado.
Os direitos políticos conguram, pois, essa liberdade-participação, que é asse gurada
a determinada categoria de nacionais, os chamados cidadãos. Portanto, há de se distinguir
entre nacional e cidadão: nacional é aquele que se acha vinculado ao Estado por um liame
jurídico-público, que, como vimos, o sujeita à ordem jurídica estatal; já o cidadão é o nacio-
1
BUENO. Direito público brasileiro e análise da constituição do império, p. 458-459.
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nal capaz de exercer direitos políticos. Alguns autores, contudo, tomam uma expressão pela
outra, sem distin gui-las. Em nosso Direito, no âmbito dos direitos políticos, nacionalidade e
cidadania não se equivalem: cidadão é o nacional investido da condição de participante do
processo político: “é um status ligado ao regime político”.2
Dentre as diversas formas em que se manifesta, a cidadania pode ser ativa (capacidade
de votar) ou passiva (capacidade de ser votado).
O conceito de cidadania não se esgota no cidadão-eleitor. Como leciona Baracho, “o
conceito de cidadão e cidadania vem adquirindo particularidades, que não se esgotam na
compreensão de ser cidadão aquele que participa dos negócios da cidade. Os homens pas-
saram da situação de sujeitos para a de cidadãos, sendo que, na França, somente em 1830 a
palavra ‘sujeito’ desapareceu dos documentos ociais. O cidadão, no dizer de Philippe Ar-
dant, introduziu com ele a democracia; não há cidadãos sem democracia ou democracia
sem cidadãos. O cidadão não aparece de um momento para outro, nos Estados Unidos em
1776, ou em Paris em 1789. Em séculos precedentes, em determinadas sociedades, as pesso-
as adquirem progressivamente os componentes de estatuto, que limita o posicionamento do
poder: os do diálogo, os da participação e, sobretudo, os da proteção contra o arbítrio”.3 A
cidadania, portanto, implica a participação ou a qualidade de membro da comunidade, pelo
que formas distintas de comunidade política acarretam diferentes formas de cidadania. Nes-
se sentido tem-se que, por exemplo, no Estado social de direito a cidadania abrange, além
dos direitos civis e políticos, o gozo de direitos econômicos, sociais e culturais. A Lei n. 9.265,
de 12.2.1996, em seu art. 1º, considera como atos de cidadania, para ns de gratuidade: I –
os que capacitam o cidadão ao exercício da soberania popular, a que se reporta o art. 14 da
Constituição; II – aqueles referentes ao alistamento militar; III – os pedidos de informações
ao poder público, em todos os seus âmbitos, objetivando a instrução de defesa ou a denúncia
de irregularidades administrativas na órbita pública; IV – as ações de impugnação de man-
dato eletivo por abuso do poder econômico, corrupção ou fraude; V – quaisquer requeri-
mentos ou petições que visem às garantias individuais e à defesa do interesse público; VI – o
registro civil de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira certidão respectiva.
Nos termos do art. 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, “todo
cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação men-
cionadas no art. 2º e sem restrições infundadas: a) de participar da condução dos assuntos
públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos; b) de votar e
ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e
por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores; c) de ter acesso, em
condições gerais de igualdade, às funções públicas do seu país.
Ao armar que os direitos políticos pertencem imediatamente ao povo como um todo,
a cada cidadão individualmente considerado, e mediatamente pertencem, conforme sua na-
tureza, a pessoas e órgãos de mediação, Sérgio Sérvulo da Cunha os classica em direitos
políticos individuais ou coletivos, direitos políticos originais (imediatos) ou derivados (me-
diatos). Nessa linha, aduz: “São direitos políticos individuais originais: a) o direito individual
de agir politicamente (manifestação de opinião política e ações correspondentes, direitos de
petição, de reunião e de associação, prática de atos de controle do governo e de oposição ao
governo, candidatura a função de governo, aceitação de função de governo, e as correspon-
2
FERREIRA FILHO. Curso de direito constitucional, p. 99.
3
BARACHO. Teoria geral da cida dania, p. 1.
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dentes pretensões a prestação jurisdicional); b) o direito individual de participar em ação
coletiva (votar, participar de associação de ns políticos e de partido político, participar de
oposição contra o governo, e as correspondentes pretensões a prestação jurisdicional). São
direitos políticos individuais derivados o direito de exercer função de governo, e as corres-
pondentes pretensões a prestação jurisdicional. São direitos políticos coletivos originais: a)
o direito coletivo de agir (manifestação de opinião política e ações correspondentes, prática
de atos de controle do governo e de oposição ao governo, e as correspondentes pretensões a
prestação jurisdicional); b) o direito de instituir o governo; c) o direito de exercício direto de
funções de governo (v.g. iniciativa, referendo, plebiscito); d) o direito de outorga ou delega-
ção (v.g. eleição); e) o direito coletivo de controle (v.g. recall); f ) o direito coletivo de oposição
e as correspondentes pretensões a prestação jurisdicional. São direitos políticos coletivos
derivados os direitos correspondentes às funções primárias de órgãos coletivos de mediação
política, como partidos políticos e corpos colegiados de governo, e as correspondentes pre-
tensões a prestação jurisdicional.4
2. SUFRÁGIO E VOTO
O sufrágio é universal, e o voto, direto e secreto, dispõe a Constituição no art. 14.
Cumpre inicialmente distinguir sufrágio (direito), voto (exercício), e escrutínio (modo
de exercício).
O sufrágio é universal, isto é, o direito de votar e de ser votado é confe rido a todos
os cidadãos, independentemente de qualquer distinção quanto, por exemplo, a sexo, classe
social ou econômica, mas que atendam às condições indicadas genérica e abstratamente no
texto constitucional, relativas à nacionalidade, capacidade, idade e alistamento eleitoral, que,
no entanto, não desqualicam o sufrágio como universal, desde que sejam prévia, genérica
e abstratamente denidos e aplicáveis a todos os cidadãos. Quer-se com isso dizer que o
sufrágio universal, construído nos parâmetros do Estado Democrático de Direito, não ad-
mite incapacidades eleitorais que atinjam a universalidade e a igualdade denidas segundo
critérios materiais.
O sufrágio universal foi proclamado na França, após o levante de Paris contra a Mo-
narquia de julho, pelo Decreto de 5 de março de 1848, cujo art. 5º estabelecia: “O sufrágio
será direto e universal.” Nada obstante considerar os homens politicamente iguais, o sufrágio
universal fora concebido mais como uma exclusão pelo censo do que uma ausência geral de
exclusão: não se estendia, por exemplo, às mulheres. Lembre-se de que, no mês seguinte ao
da concessão do sufrágio universal, o eleitorado francês, que era de 250 mil, passou para 8
milhões, e, um ano depois, atingiu 10 milhões.
O sufrágio universal não se confunde com o sufrágio restrito, denominação genéri-
ca que compreende várias fórmulas de limitação do sufrágio, como o sufrágio censitário
que admitia como eleitores apenas aqueles indivíduos que possuíssem determinado padrão
econômico, consubstan ciado em bens ou rendas, o que se achava previsto, por exemplo, na
Constituição de 1824, cujo art. 92, V, excluía das eleições para as Assembleias Paroquiais
os que não tivessem renda líquida anual de cem mil reis, além de outros dispositivos que
tratavam do tema. Também se considera como sufrágio restrito o denominado sufrágio mas-
4
CUNHA. Fundamentos de direito constitucional, v. 1, p. 156-157.
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