Poder Legislativo

AutorKildare Gonçalves Carvalho
Ocupação do AutorProfessor licenciado de Direito Constitucional na Faculdade de Direito Milton Campos
Páginas387-473
SUMÁRIO
1. Introdução – 2. Funções do Poder Legislativo – 3. Organização do Poder Legislativo –
4. Sessões conjuntas do Congresso Nacional – 5. Auto-organização e regimento interno –
6. Atribuições do Congresso Nacional – 7. Garantias legislativas – As imunidades parlamentares
– 8. Incompatibilidades parlamentares e perda do mandato – 9. O ato legislativo – 10. Conside-
rações nais.
1. INTRODUÇÃO
O Poder Legislativo é indissociável do regime democrático, e se legitima pela Consti-
tuição.
A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da divisão ou separação de Pode-
res (art. 2º), cabendo ao Poder Legislativo o exercício pre cípuo da função legislativa voltada
para a criação de normas jurídicas obrigatórias que vão inovar o Direito, e aos Poderes Exe-
cutivo e Judiciário a sua realização.
Incluem-se, ainda, como atividades típicas do Legislativo a scalização e o controle dos
atos do Executivo.
Antes mesmo de exercer função legislativa, o Parlamento reunia-se para “saber da re-
gularidade da captação de recursos pelos emissários reais, para depois xar as contribuições
dos feu dos e escrevê-las, a pedido do rei.1
O termo latino parlamentum aparece pela primeira vez nos documentos do século
XII, e designa “um conjunto de pessoas que se reúnem para ‘falar’, para ‘conversar’, para
‘debater’ algum assunto. Usaram-no as ordens monásticas da Idade Média para denomi-
nar as palestras que os monges mantinham nos claustros após a ceia e que geralmente
versavam sobre assuntos profanos: parabolare in parlamento. Empregaram-no também
os senhores feudais, quando se reuniam para discutir problemas de interesse comum e
que não precisavam ser levados à apreciação da curia regia. Finalmente, no século XIII,
o termo parlamentum já gura ocialmente nas salas das assembleias políticas e dos con-
selhos reais, bem como na publicação dos editos e ordenações, onde o rei fazia questão
de anunciar sempre que decidira in parlamento, com os seus magnatas, os seus próceres
e os seus súditos”.2
1 SOARES. Fiscalização e controle do executivo pelo legislativo. Revista de Informação Legislativa
101/147.
2 ANDRADE. A evolução política dos parlamentos e a maturidade democrática. Revista de Informação
Legislativa. Brasília: Senado Federal, ano 21, n. 81, jan./mar. 1984, p. 72-75.
PODER LEGISLATIVO 9
Book 02-DIREITO CONSTITUCIONAL- Kildare.indb 387 8/11/17 10:34 AM
KILDARE GONÇALVES CARVALHO DIREITO CONSTITUCIONAL • Volume 2
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO
388
Em sua clássica obra O mecanismo do governo britânico, o Professor Orlando Maga-
lhães Carvalho narra que “o rei consultava o Magnum Consilium (de cujas reuniões surgiu o
Parlamento) para fazer leis e lançar impostos. O Parlamento não legislava, aprovava medi-
das. A função legislativa decorreu de prática posterior. No m do século XIV, com a separa-
ção das câmaras e como parte do mesmo processo geral, o sistema de petição ao rei contra
agravos sofridos nos direitos ou contra a infração de costumes transforma-se em processo
legislativo. O Parlamento que, até então, se limitara a opinar quando consultado e somente
sobre o consultado, investiu-se de autoridade legislativa, elaborando a lei, que o rei sancio-
nava, reservando-se a prerrogativa de obstar à sua execução pelo veto.3
A história do Parlamento inglês pode dividir-se em quatro períodos: o dos Parlamentos
medievais, dos quais o de 1295 foi modelo; o período dos Tudor e dos Stuarts, cujo núcleo se
acha constituído pela época de conitos entre o Rei e o Parlamento, entre a prerrogativa e o
privilégio; o período compreendido entre a Revolução de 1688 e a Lei da Reforma de 1832;
o período moderno, que começa em 1832. Após o incêndio de 16 de outubro de 1834, que
destruiu a antiga sede do Parlamento, o novo Parlamento foi edicado em nova casa, que
atualmente se chama de Palácio de Westminster.4
Armando que, “tradicionalmente, o Legislativo é o poder nanceiro”, Manoel Gon-
çalves Ferreira Filho esclarece que “o poder de votar as regras jurídicas – as leis –, foi, em
realidade, conquistado por essas Câmaras (legislativas), na Inglaterra, a mãe dos Parlamen-
tos, por meio de uma barganha: o consentimento em impostos em troca da extensão de sua
inuência na função legislativa”.5
O Parlamento vai, então, alcançando novas funções. Depois da tarefa de legislar, outras
funções vão-se alinhando, em virtude do quadro político: controle, investigação, eleitorais,
jurisdicionais, deliberativas, administrativas, de orientação política e de comunicação.
Com a Revolução Francesa, o Poder Legislativo atingiu notável posição de supremacia.
O advento do 1º pós-Guerra (1914-1918) acarretou o declínio do Poder Legislativo
na sua função criadora do Direito. É que a intervenção do Estado nos múltiplos setores da
realidade social, em razão da concepção do Estado de Bem-Estar (Welfare State), revelou a
incapacidade do Legislativo para o atendimento normativo das necessidades sociais e eco-
nômicas da sociedade. A morosidade das deliberações legislativas contribuiu para o avanço
do Executivo. Surgiu a ideia da urgência legislativa, com a introdução, nas Constituições,
de mecanismos que autorizavam o governo a prontamente legislar (leis delegadas, decretos
autônomos, decretos-leis).
O Estado contemporâneo não mais se compatibiliza com a rígida separação de Poderes
do século XVIII, seja pela expansão, como se viu, de suas atividades, seja pela lentidão do
processo de criação das leis no âmbito do Legislativo, circunstâncias essas que levaram o
Executivo a ampliar o espectro de sua atuação normativa. Assinale-se, todavia, que o “Poder
Legislativo, por natureza, corresponde à socie dade; e, como representantes dela, às câmaras,
cuja missão é formular regras públicas em harmonia com as necessidades de cada época.6
Daí o indeclinável papel que cabe ao Legislativo no Estado Democrático de Direito, voltado
3 CARVALHO. O mecanismo do governo britânico, p. 87.
4 ILBERT. El parlamento: su historia, constitución y práctica, p. 7-24.
5 FERREIRA FILHO. Curso de direito constitucional, p. 138.
6 MARTINEZ. Dicionário de ciências sociais, p. 918.
Book 02-DIREITO CONSTITUCIONAL- Kildare.indb 388 8/11/17 10:34 AM
PODER LEGISLATIVO
DIREITO CONSTITUCIONAL • Volume 2
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO
389
para o controle e a scalização dos atos do Executivo, impedindo-lhe os abusos comprome-
tedores das liber dades democráticas.
São apontados cinco princípios que informam as instituições parlamentares demo-
cráticas: 1. representação; 2.transparência; 3. acessibilidade; 4. responsabilidade (accoun-
tability); 5. efetividade em todos os níveis: nacional, internacional e local. Esses princípios
levam ao conjunto de características centrais para um parlamento democrático: a) represen-
tatividade: social e politicamente representativo da diversidade das pessoas, com oportuni-
dades e proteções iguais para todos os seus membros; b) transparente: ser aberto à sociedade,
por meio da mídia, e transparente na conduta de suas atividades; c) acessível: envolvimento
dos públicos, incluindo associações e movimentos da sociedade civil no trabalho parlamen-
tar; d) responsável: serem os membros do parlamento responsáveis, perante o eleitorado,
pelo seu desempenho no mandato e pela integridade de conduta; e) organização efetiva das
atividades de acordo com os valores democráticos e com as funções legislativas e de controle
político do Parlamento.7
2. FUNÇÕES DO PODER LEGISLATIVO
Ao lado das funções típicas do Legislativo, quais sejam, a criação da lei,8 a scalização e
o controle dos atos do Executivo, a Constituição atribui-lhe funções atípicas consubstancia-
doras da concepção de freios e contrapesos (checks and balances), inerentes às relações entre
os Poderes do Estado. Assim, o Poder Legislativo, além de criar o Direito, participa da função
jurisdicional e executiva, quando o Senado Federal julga o Presidente da República por crime
de responsabilidade (art. 52, I, parágrafo único) e aprova a indicação de nomes para cargos
na estrutura política da República brasileira (art. 52, III). Por sua vez, o Executivo também
legisla, adotando medidas provisórias (arts. 62 e 84, III). Já o Poder Judiciário exerce função
legislativa ao iniciar o processo legislativo, encaminhando à Câmara dos Deputados projeto
de lei sobre determinadas matérias (art. 96, II), e ainda função administrativa, quando os
Presidentes dos Tribunais concedem férias aos seus servidores, ou procedem ao provimento
dos cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição (art. 96, I, c).
Verica-se, pois, com tais exemplos, que o princípio da separação de Poderes não deve
ser entendido naquela rigidez absoluta que historicamente deu origem ao seu surgimento,
justicado pela necessidade de se limitar o poder do monarca. Assim, quando o Senado Fe-
deral aprecia a indicação, pelo Presidente da República, de nome para ocupar determinado
cargo na estrutura política da República, está freando o Executivo que, por sua vez, freia
o Legislativo ao vetar projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional (art. 66, § 1º). Da
7 Disponível em: Acesso em: 31 dez. 2011.
8 O princípio da separação de poderes impõe que seja suavizada a concentração, no Legislativo, da
função de produção da lei. Para evitar seus efeitos negativos, é que se enfatiza a ideia de “limitação, no
tempo, dos mandatos parlamentares, limitação do número de mandatos que uma pessoa possa exercer
sucessivamente, método de renovação, por frações, das Assembleias, inviabilidade de acumulação do
mandato parlamentar com outras funções que interferissem de forma perniciosa no seu exercício (a
necessidade de desincompatibilização), procedimento próprio e previamente estabelecido para a feitu-
ra da lei e inserção de comissões técnicas para o aprimoramento dos trabalhos de produção legislativa
(CAGGIANO. Direito parlamentar e direito eleitoral, p. 19).
Book 02-DIREITO CONSTITUCIONAL- Kildare.indb 389 8/11/17 10:34 AM

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT