Análise econômica da defesa da concorrência

AutorPaulo Furquim de Azevedo
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Economia pela FEA-USP
Páginas281-309
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ANÁLISE ECONÔMICA DA DEFESA
DA CONCORRÊNCIA1
Paulo Furquim de Azevedo
Mestre e Doutor em Economia pela FEA-USP. Graduado em Administração Pública
pela FGV. Professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas
– FGV-EESP. Autor de diversos artigos. Foi visiting scholar na Unversity of California,
Berkeley. Foi Conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE
de 2006 a 2009. Foi Presidente interino do CADE de 08/2008 a 11/2008.
Sumário: 1. Concorrência e sua Defesa – 2. Origens e Funcionamento da Defesa da Con-
corrência no Brasil – 3. Formas de atuação; 3.1. Atuação Repressiva: punição a condutas
anticompetitivas; 3.2. Preventivo: o controle de estruturas – 4. Algumas sugestões para apro-
fundamento – 5. Referências Bibliográcas.
1. CONCORRÊNCIA E SUA DEFESA
Em maio de 2009, uma grande operação é destaque na primeira página dos
principais jornais do Brasil. A notícia tratava da fusão entre Sadia e Perdigão, as duas
empresas líderes no ramo de carnes de frango e de suínos. O interesse despertado
pela operação é imediato e generalizado, visto que potencialmente implicava trans-
formação profunda na estrutura desses mercados e nas condições de concorrência.
Destaque também nas diversas matérias sobre a fusão era o seu trâmite junto ao
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), cujos poderes de modif‌icar
ou eventualmente bloquear a operação poderiam transformar por completo as con-
dições do negócio e, portanto, a própria notícia.
Pouco tempo depois, no início de 2011, os jornais noticiavam com grande
destaque a negociação entre os principais clubes de futebol do Brasil e grupos de
comunicação para a aquisição dos direitos de transmissão do Campeonato Brasilei-
ro, um fato aparentemente em nada relacionado com a fusão entre Sadia e Perdigão.
Em comum entre as duas notícias está a mesma questão latente: ‘será que o Cade
vai deixar?’. Em ambos os casos, a base da notícia é um acordo privado – uma fusão,
no caso de Sadia e Perdigão, e a aquisição de direitos de imagem, no segundo – em
que, presume-se, as partes estão satisfeitas com os termos acordados. Entretanto,
1. Dedico este capítulo ao brilhante colega e amigo Luís Fernando Schuartz, com quem compartilhei longos e
entusiasmados debates sobre o uso econômico de regras e sobre inúmeras teses de defesa da concorrência.
Com ele muito aprendi sobre a riqueza de uma análise racional e positiva do Direito e sobre os limites da
Economia na análise de casos concretos.
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PAULO FURqUIM DE AzEVEDO
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ainda assim, as partes têm de se submeter ao exame do chamado Sistema Brasileiro
de Defesa da Concorrência, cujo principal órgão é o Cade, o qual é responsável pela
aplicação das leis e normas que disciplinam a concorrência. Mas por que deveria
haver uma norma jurídica para regular esses tipos de acordos privados, se as partes
estão satisfeitas com os termos do contrato? Este capítulo responde a esta questão
e explora diversas interfaces entre Direito e Economia na Defesa da Concorrência.
Em poucas áreas do conhecimento o entrelaçamento entre Economia e Direito
é tão forte quanto na Defesa da Concorrência. Há análises clássicas e extremamen-
te interessantes sobre a Economia do Crime, para citar um exemplo, mas é difícil
imaginar um juiz recorrendo a um manual de teoria econômica ao pronunciar sua
sentença sobre um homicídio. Na Defesa da Concorrência, ao contrário, é raro ob-
servar alguma decisão de mérito sem os fundamentos da mesma teoria econômica
ou, ao menos, de regras que foram explícita ou implicitamente desenhadas tendo
por base argumentos econômicos.
Essa relação decorre do fato de a concorrência ser, ao mesmo tempo, um direito da
sociedade e uma característica econômica fundamental dos mercados. Não se trata de um
direito atribuível a qualquer indivíduo em particular, mas de um direito difuso, que se
distribui por toda a sociedade. Ainda que seja um direito, seu fundamento é econômico,
seja na aplicação da norma, seja no próprio desenho da legislação. Sendo a concorrência
um direito, é necessário ao julgador interpretar a relação entre os fatos observados e
eventual existência de prejuízo à concorrência. Esta relação é feita pela Economia, cujo
corpo de conhecimentos se notabiliza pela capacidade de discernir, a partir do conjunto
de fatos observados, qual é o grau de concorrência, bem como de predizer quais seriam
as consequências, por exemplo, de alguma fusão, aquisição ou estratégia competitiva. A
relação entre Direito e Economia é, portanto, central à defesa da concorrência.
Mas por que, af‌inal, concorrência é um direito? Ou, de outro modo, por que
seria ‘justo’ punir um grupo de empresas que, ao invés de se digladiarem no mercado,
optam por cooperativamente estabelecer os preços de seus produtos? A cooperação
entre empresas com o f‌im de não concorrer recebe denominação nada honrosa na
defesa da concorrência: cartel, frequentemente considerado o mais grave dos ilícitos
antitruste. A concorrência impõe limites à capacidade de cada empresa unilateral-
mente aumentar os seus preços. Não concorrer, portanto, é um meio de eliminar essa
restrição e permitir pleno exercício de poder de mercado.
O exercício de poder de mercado é, em primeira ordem, um problema de ef‌iciên-
cia econômica, com efeitos negativos sobre o consumidor f‌inal e, mais genericamente,
sobre a sociedade como um todo. Quando uma empresa detém e exerce poder de
mercado, ela se apropria de parte da renda dos consumidores, que são obrigados a
pagar mais caro pelo que consomem. Este é um problema de transferência de renda,
mas que, embora afete diretamente os consumidores, não signif‌ica, em si, prejuízos
líquidos para a sociedade como um todo. O problema de ef‌iciência econômica ocorre
porque as empresas, a f‌im de viabilizar o aumento de preços, reduzem a produção,
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