Análise econômica da falência

AutorJairo Saddi
Ocupação do AutorPós-Doutor pela Universidade de Oxford
Páginas355-370
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ANÁLISE ECONÔMICA
DA FALÊNCIA
Jairo Saddi
Pós-Doutor pela Universidade de Oxford. Doutor em Direito Econômico pela USP.
Bacharel em Direito pela USP. Professor de Regulação Bancária no Insper Direito.
Administrador de Empresas pela FGV-SP. Presidente do Conselho Deliberativo do
Insper Direito (ex-Ibmec São Paulo).
Quando a economia vai bem, todos esperam ter sucesso. Quando vai mal, é pre-
ciso pensar em como resolver problemas de insolvência, ou falência. Para tratarmos
da falência, é preciso, primeiro, pensar e entender o conceito de custos de transação.
A expressão “custos de transação” popularizou-se ao longo dos anos, mas tem um
sentido próprio em Direito & Economia: na exata def‌inição de Kenneth Arrow, são
“os custos de administrar o sistema econômico”, ou seja, aqueles associados à trans-
ferência, captura e proteção de direitos, e esta noção é muito importante em matéria
falimentar. Quando os indivíduos intercambiam direitos de propriedade por ativos
econômicos, incorrem em certos custos de informação, negociação e execução dos
seus contratos. Se algo der errado, se tais direitos não forem adequadamente satis-
feitos – o que invariavelmente ocorre na falência, é preciso um sistema ordenado de
solução de conf‌litos.
Este artigo pretende olhar a nova lei falimentar primeiro pelo prisma tradicional
e depois avançar numa análise sob a égide da análise econômica do Direito. Para isto,
vamos tratar primeiro dos custos de transação e depois de um breve resumo dos insti-
tutos, analisar a assembleia de credores (e o comitê de credores) sob este novo olhar.
Primeiro, os custos de transação. Não é à toa que esses custos ocupam posição
central na análise jurídica e na análise econômica do Direito. Se os agentes econô-
micos são racionais, se seus recursos são escassos e se o objetivo individual consiste
na maximização de tais recursos para obter o maior bem-estar possível na execução
dos contratos, é importante compreender, em uma economia, quais são os custos de
negociar e os de transacionar.
De acordo com a maior parte da doutrina, cinco elementos compõem os custos
de transação. Em primeiro lugar, a atividade da busca pela informação sobre regras
de distribuição de preço e a qualidade das mercadorias ou serviços, sobre insumos
de trabalho e a busca por potenciais compradores e vendedores; ainda, a busca por
informação relevante sobre o comportamento desses agentes e as condições em que
operam. Informação, neste sentido, é um bem escasso que tem valor e a que nem todos
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têm acesso igual. Segundo, a atividade da negociação, necessária ao estabelecimento
das verdadeiras intenções e dos limites de compradores e vendedores na hipótese de
a determinação dos preços ser endógena, vale dizer, independente de outras variáveis
além da vontade das partes – por exemplo, as variáveis e intempéries de mercado. Em
terceiro lugar, a realização e a formalização dos contratos, atividade fundamental do
ponto de vista do direito privado, já que é a responsável por revestir o ato das garantias
legais, prevendo os riscos em que possam incorrer as partes. Quarto, a atividade de
monitoramento dos parceiros contratuais, com o intuito de verif‌icar se aquelas for-
mas contratuais estão sendo devidamente cumpridas e, se existem obstáculos ao seu
cumprimento, identif‌icá-los. Finalmente, a quinta atividade, que consiste na correta
aplicação do contrato, bem como na cobrança de indenização por prejuízos às partes
faltantes ou que não estiverem seguindo corretamente as obrigações contratuais. E
isso é particularmente importante em matéria falimentar.
Quando um agente econômico não incorre em todos os seus custos e tampouco
os incorpora, af‌irma-se que existem externalidades econômicas. Por exemplo, um
fabricante de materiais plásticos despeja os detritos do processo de produção num
rio local. Esse ato gera uma externalidade econômica: a sociedade é que assumirá os
custos demandados para despoluir o rio por meio do pagamento de impostos muni-
cipais. Faz-se possível, portanto, a aplicação do conceito de externalidade negativa
e de externalidade positiva. O exemplo acima é claramente de uma externalidade
negativa. Em oposição, quando um acadêmico se gradua por uma universidade pú-
blica, há para o sistema econômico uma externalidade positiva: o custo da educação
daquele graduado foi incorporado por todos os contribuintes da sociedade. Exter-
nalidades assim constituem os chamados “custos de transação”, porque participam
da composição de seus elementos — mesmo que, muitas vezes, o façam de forma
oculta. Em falência, ocorre a mesma coisa – na maior parte das vezes, há externali-
dades negativas. Por exemplo, na recente crise norte-americana, com a quebra do
Banco Lehman, o auxílio f‌inanceiro estatal via TARP representa recursos públicos
para sanear o sistema – sendo que nem todos os contribuintes norte-americanos
são devedores de hipoteca. (Claro, sempre se pode observar que preservar o sistema
f‌inanceiro é um bem público maior e isso não seria uma externalidade...)
O Direito – mais especif‌icamente mediante a regulação estatal – pode remediar
o fato de que a sociedade usuária do rio poluído deve pagar por algo pelo qual não
é responsável, isto é, a poluição: um sistema de incentivos, que são as multas, em
tese, evita esse comportamento. Se tanto o Direito Contratual como o Direito de
Propriedade existem apenas para reduzir os custos de transação, a proteção às exter-
nalidades é assunto de maior complexidade, por ser uma espécie de anomalia, em que
a responsabilidade pelo ajuste do sistema cabe, em tese, aos mecanismos judiciais.
Fábio Nusdeo af‌irma que as externalidades, do ponto de vista da composição
dos custos de transação, “representam um sério entrave ao funcionamento do siste-
ma, pois, se assim é, boa parte de todo o cálculo econômico realizado pelos centros
decisórios descentralizados passa a ser viciado por não poder incorporar todas as
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