Art. 2º

AutorAmaury Silva
Ocupação do AutorJuiz de Direito no Estado de Minas Gerais. Advogado e Defensor Público
Páginas85-97

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Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informal-mente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

1 Organização criminosa: conceito exclusivo para a Lei 12 694/12

A lei trouxe uma conceituação direcionada exclusivamente para a aplicação no seu âmbito.

2 Convenção de Palermo

Trata-se da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto 231, de 30 de maio de 2003, e promulgada pelo Poder Executivo por intermédio do Decreto 5.015, de 12 de março de 2004.

3 Ineditismo da definição de organização criminosa

Pela primeira vez, o legislador brasileiro trouxe para o campo normativo a definição do que seria ‘organização criminosa’, extraindo-se a configuração defendida no texto da mencionada Convenção:

Art. 2º Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) ‘Grupo Criminoso Organizado’ - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

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4 Critério processual penal

O legislador, da Lei 12.694/12, embora possa ter experimentado parcial inspiração para a definição de organização criminosa na Convenção de Palermo, orientou-se fundamentalmente para o enfoque processual penal, o que é mais uma firme razão para se impedir a interpretação extensiva do conceito inédito.

5 Analogia

Não há como ser empregado o conceito trazido pela Lei

12.694/2012 para fins de integração interpretativa e preenchimento de lacuna em outra lei, a fim de se alcançar a tipicidade, por exemplo, do crime de lavagem de dinheiro (art. 1º, § 4º, Lei 9.613/98, redação conferida pela Lei 12.683, de 09 de julho de 2012), pois vedada a utilização da analogia em direito penal, em face da preponderância do princípio da legalidade. Já advertia, com propriedade, Basileu Garcia:

Quanto aos resultados, a interpretação da lei que pune não deve ser extensiva. É uma decorrência do princípio contido no art. 1º do nosso Código. Não se pode dar ao texto penal interpretação que lhe confira maior amplitude do que a que resulta naturalmente da sua força compreensiva. (Instituições de direito penal, t. 1. São Paulo: Max Limonad, 1963, p. 159)

6 Interpretação analógica

Incabível na hipótese, eis que na interpretação analógica pressupõe-se uma ampliação dos efeitos e abrangência da norma, a partir de uma gênese específica e que orienta seu desdobramento genérico a partir de um critério de afinidade. Ensina a esse respeito Rogério Greco:

O legislador, em determinadas passagens do Código Penal, por não poder prever todas as situações que poderiam ocorrer na vida em sociedade, e que seriam similares àquelas por ele já elencadas, permitiu, expressamente, a utilização de um recurso, que também amplia o alcance da norma penal, conhecido como interpretação analógica. Interpretação analógica quer dizer que uma fórmula casuística, que servirá de norte ao exegeta, segue-se uma fórmula genérica. Primeiramente, o Código,

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atendendo ao princípio da legalidade, detalha todas as situações que quer regular e, posteriormente, permite que tudo aquilo que a elas seja semelhante possa também ser abrangido pelo mesmo artigo. (Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, Editora Impetus, 10ª edição, p. 43.).

No caso da Lei 12.694/2012, o legislador de antemão circunscreveu o limite da definição de ‘organização criminosa’ como categoria jurídica exclusivamente a ser tratada no âmbito desta Lei.

7 Status da Convenção no ordenamento jurídico pátrio

Não pode ser equivalente a uma norma de direito penal incriminadora. Mesmo que outras convenções ou tratados possam assim ser compreendidos e vivenciados como lei federal, em virtude da "incorporação legislativa", em se tratando de criação ou formulação de parâmetros para a tipicidade penal, torna-se expoente da própria violação à Carta Constitucional (que destina a legalidade estrita como fonte única da construção de tipos penais), a extensão dos valores de mínimos éticos ao padrão interno de incriminação, com grave violação à soberania brasileira. Sobre o tópico, colhe-se da sempre precisa lição de Flávia Piovesan:

O valor da dignidade humana - imediatamente elevado a princípio fundamental da Carta, nos termos do art. 1º, III - impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional inaugurado em 1988. (...). É nesse contexto que há de se interpretar o disposto no art. 5, § 2º, do texto, que, de forma inédita, tece a interação entre o Direito brasileiro e os tratados internacionais de direitos humanos. (...). Conclui-se, portanto, que o Direito brasileiro faz opção por um sistema misto, que combina regimes jurídicos diferenciados: um regime aplicável aos tratados de direitos humanos e um outro aplicável aos tratados tradicionais. Enquanto os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos - por força do art. 5º, §§ 1º e 2º - apresentam hierarquia de norma constitucional e aplicação imediata, os demais tratados internacionais apresentam hierarquia infraconstitucional e se submetem à sistemática da incorporação legislativa. (Temas de Direitos Humanos, 2. ed., São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 44/8)

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8 Recomendação n 03, de 30 de maio de 2006 - CNJ

Diz respeito à sugestão aos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados para especialização de varas criminais, visando ao processo e julgamento de delitos praticados por organizações criminosas. O conceito de ‘organização’ tratado no item 02, "a", da Recomendação foi baseado na Convenção de Palermo.

9 Supremacia do princípio da legalidade

Mesmo com a perspectiva de equiparação à lei federal, o princípio da legalidade impede o reconhecimento de valor normativo-penal ao conteúdo da Convenção de Palermo, para fins de incriminação no país, sob argumento da tipicidade da ‘organização criminosa’. Nesse sentido, a lição de Luiz Flávio Gomes:

Cuidando-se do Direito penal interno (relações do indivíduo com o ius puniendi do Estado brasileiro) tais tratados e convenções não podem servir de fonte do Direito penal incriminador, ou seja, nenhum documento internacional, em matéria de definição de crimes e penas, pode ser fonte normativa direta válida para o Direito interno brasileiro. O Tratado de Palermo (que definiu o crime organizado transnacional), por exemplo, não...

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