Condomínio edilício

AutorGuilherme Calmon Nogueira da Gama
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas415-465
Condomínio edilício
Guilherme Calmon Nogueira da Gama1
Sumário: Introdução; – 1. Condomínio edilício no período ante-
rior ao Código Civil de 2002; – 2. Condomínio edilício no período
de início de vigência do Código Civil de 2002; – 3. Condomínio
edilício após 20 anos da edição do Código Civil de 2002; – 3.1.
Condômino antissocial; – 3.2. Condomínio edilício e a pandemia
do COVID-19; – 4. Condomínio edilício: análise crítica; – 4.1.
Aspectos positivos; – 4.2. Aspectos negativos; – 5. Condomínio
edilício: perspectivas para o futuro; – 6. Conclusão.
Introdução
Duas décadas passadas após a edição de qualquer lei no sis-
tema jurídico representa o momento adequado para se realizar o
diagnóstico acerca dos pontos positivos e negativos das normas
jurídicas, além de verificar a viabilidade do seu aperfeiçoamento
seja no plano legislativo (de possível alteração da lei), seja no
plano jurisdicional – e até mesmo doutrinário – do esforço de
interpretação e de aplicação dos preceitos normativos. Com
muito mais razão tal tarefa se revela bastante pertinente acerca
2002 –, cuja importância no cotidiano das pessoas (físicas ou ju-
rídicas) é inconteste.
Este é o objetivo do presente trabalho doutrinário acerca do
condomínio edilício tal como regulado no Código Civil e em al-
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1 Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universi-
dade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
gumas leis especiais (inclusive a Lei n° 4.591/64). Sem a preten-
são de realizar uma exposição completa do instituto, a finalidade
deste trabalho é proceder à análise das questões de maior impor-
tância e que têm suscitado maiores polêmicas no âmbito do con-
domínio edilício e, simultaneamente, apresentar sugestões que
possam viabilizar o tratamento mais adequado do instituto no
Direito brasileiro. Para tanto, algumas noções precisarão ser
destacadas até para permitir o desenvolvimento de raciocínio
que viabilize demonstrar os motivos para as polêmicas e os cami-
nhos possíveis para sua solução.
O condomínio edilício é típico instituto da contemporanei-
dade, especialmente nos médios e grandes centros urbanos de-
vido às transformações ocorridas na sociedade civil com os fenô-
menos do êxodo rural e da concentração urbana. Em termos his-
tóricos mundiais, o século XIX vivenciou a necessidade do au-
mento das cidades “em altura ante a falta e o encarecimento de
terrenos”2, com o desenvolvimento da atividade de construção
de edifícios que, no universo jurídico, foram inicialmente trata-
dos como propriedade horizontal. Cuida-se de instituto que
combina traços de propriedade individual e exclusiva e de con-
domínio, eis que há condomínio forçado incidente no terreno e
nas partes do edifício que não podem ser privativas em harmo-
nia com a propriedade privada e exclusiva sobre cada uma das
unidades3. Paulo Nader adverte para o fenômeno da verticaliza-
ção dos prédios com a formação de condomínios edilícios sem
planejamento adequado e os problemas urbanísticos daí decor-
rentes com o aumento da temperatura ambiente, a elevação dos
níveis de poluição do ar e sonora, os congestionamentos de trân-
sito, comprometendo o bom funcionamento das cidades4.
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2 BENACCHIO, Marcelo. Comentários ao art. 1.331. In: NANNI, Gio-
vanni Ettore (coord.) Comentários ao Código Civil: Direito Privado contem-
porâneo. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 1.699.
3 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direitos reais. São Paulo:
Atlas, 2011, p. 396.
4 NADER, Paulo. Curso de direito civil: direito das coisas, 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2008, p. 223.
Costuma-se designar o condomínio edilício também com as
expressões condomínio especial, condomínio horizontal, condo-
mínio relativo, condomínio sui generis ou condomínio em
edificações. Os exemplos mais freqüentes são aqueles relativos
à divisão de um edifício em apartamentos, salas, escritórios,
conjuntos de salas ou escritórios ou andares, mas atualmente
também se aplicam ao complexo multiuso (ou megacondomí-
nios) como se dá, por exemplo, no caso de um condomínio con-
tar com um shopping center, torres construídas de salas comer-
ciais e de prestação de serviço e complexo hoteleiro, ou ainda na
hipótese de um hipermercado juntamente com um centro mé-
dico e edifício de lajes corporativas (com andares dedicados à
locação não residencial)5.
O Código Civil de 1916 não normatizou o tratamento sobre
o condomínio edilício, inclusive em razão do pequeno número
de situações envolvendo prédios de apartamentos, salas ou es-
critórios na época da sua edição. Com o incremento da constru-
ção civil no Brasil, em razão do fenômeno da concentração urba-
na, passou-se a buscar o estabelecimento de normas jurídicas a
respeito do tema. Assim, sobreveio o Decreto n° 5.481/28 que
passou a tratar do condomínio (complementado pelo Decreto-
Lei n° 5.234/43 e pela Lei n° 285/48), posteriormente revogado
pela Lei n° 4.591/64, ainda hoje em vigor. Com sua edição em
2002, o Código Civil em vigor trata do condomínio edilício
(arts. 1.331 a 1.358). Luciano de Camargo Penteado registra
que a Lei n° 4.591/64 cuida do condomínio horizontal com
maior amplitude, enquanto que o Código Civil de 2002 há
maior limitação eis que se refere ao condomínio em edificações
(edifícios comerciais e edifícios residenciais)6. A Lei n°
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5 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Apontamentos sobre o condomínio
edilício. In: AZEVEDO, Fábio de Oliveira; MELO, Marco Aurélio Bezerra
de. Direito Imobiliário: escritos em homenagem ao Professor Ricardo Perei-
ra Lira. São Paulo: Editora Atlas, 2015, p. 447.
6 PENTEADO, Luciano de Camargo. Direit o das coisas. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2008, p. 384.

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